(continuação do capitulo anterior)
1908: UMA NOVA FORMULA NA COMPETIÇÃO
Desde 1904 que as federações se regiam uma entidade superanacional: a AIACR (Association International de L'Automobiles Club Reunies), com sede em Paris, e que iria ser a antecessora da FIA. Era ela que fazia os regulamentos das corridas, dos automóveis e dos motores. Apesar de entidades como a ACF poderiam autonomia suficiente para organizar provas como o Grande Prémio, a função da AIACR era essencialmente de regular o tamanho das máquinas que iriam se apresentar às corridas. Contudo, o seu poder não era suficientemente forte para que todas as marcas de automóveis seguissem as suas regras, cumprindo apenas o limite do peso. Daí que por vezes, existissem marcas que apresentavam carros com motores entre os oito e os vinte litros.
Em 1907, a Europa começava a entrar em recessão, e as marcas automóveis começavam a sentir esses efeitos nas suas vendas. Muitas delas pensavam em abandonar a competição e se concentrar na industria, especialmente as francesas, outrora dominantes e que em nesse não conseguiam contrariar o domínio de marcas como as italianas Fiat e Itala. Assim sendo, a AIACR decidiu introduzir uma nova formula, onde limitava a 155 milímetros o diâmetro dos cilindros nos motores de quatro cilindros e de 127 mm nos motores de seis. Para além disso, estabeleceu-se um peso mínimo de 1100 quilos para os carros, que seriam verificados vazios, isto é, sem pneus, gasolina, água, óleo, para evitar que construíssem carros demasiadamente leves, pois essa tinha sido a tendência nos anos anteriores.
O regulamento era interessante, mas poucos iriam modificar os carros nesse sentido a tempo de participar nas grandes provas desse ano. E isso refletiu-se na primeira grande prova do ano, a Targa Florio. Apenas 13 carros decidiram participar nessa prova, onze das quais italianas. Fiat, Itala, Isotta-Fraschini e a nova marca, SPA (Societá Ligure-Piedmontese Automobilistica) marcavam presença. No lado da Fiat estavam Vicenzo Lancia e Felice Nazzaro, enquanto que na Isotta-Fraschini estavam Vicenzo Trucco e Ferdinando Minoia, enquanto que na SPA era guiado por Ernesto Ceirano, um antigo piloto da Fiat.
Dos estrangeiros, estava o francês Jean Poporato, a bordo de um Berliet, e um Zust, guiado por... um italiano, Enrico Maggioni.
Apesar do baixo numero de inscritos, a corrida, disputada a 11 de maio, foi movimentada: no final da primeira volta, os quatro primeiros estavam separados por... 19 segundos. Felice Nazzaro era o melhor, seguido por Vicenzo Lancia, com Vicenzo Trucco a ser o terceiro, e Ceirano o quarto. Nazzaro bem tentou se afastar, mas as coisas não eram fáceis, e para piorar as coisas, a direção do seu Fiat cedeu, com Lancia a herdar o comando. Contudo, no inicio da última volta, Lancia sobre um furo e Trucco aproveitou a ocasião para ficar com o comando e não mais o largar, dando à Isotta a sua primeira vitória em competição.
Apesar do pouco interesse e dos custos de deslocação por parte dos automóveis ditos "grandes", o Conde Flório decidiu organizar uma corrida para as Voiturettes (ou Pequenas Viaturas), que foi marcada para o dia anterior à corrida principal, usando o mesmo circuito. Esse tinha atraído onze carros, mas quase todos eram franceses: seis De Dion-Bouton, um deles guiado pelo próprio conde Flório, dois Sizaire-Naudin, guiados pelos seus fundadores, Georges Sizaire e Louis Naudin, e três Lion-Peugeot, dois deles guiados pelo italiano Giosue Giuppone e pelo francês Georges Boillot.
Apesar de Sizaire e Naudin terem dominado boa parte da corrida, não resistiram às duras condições das estradas sicilianas e acabaram por desistir, vitimas de acidentes. No final a vitória caiu nos pés de Giuppone, com os De Dion-Bouton de Francesco Camaratta e de Paolo Tasca nos restantes lugares do pódio.
OS ALEMÃES VENCEM O GRANDE PRÉMIO
O ACF decidiu voltar a organizar o seu Grande Prémio em Dieppe, depois do sucesso do ano anterior. Com os novos regulamentos, a cilindrada dos carros diminuiu. Se no ano anterior, o extremo estava no Christie americano de vinte litros, neste ano, carros como os Clement-Bayard e os Opel não tinham mais do que 14 litros, enquanto que a média era mais pequena, na ordem dos 12 litros. Havia até um extremo, mas para baixo, com um Austin britânico de seis cilindros.
Ao todo estavam 48 carros inscritos, dos quais metade eram franceses (Brasier, Renault, Mors, Panhard, Clément, Lorraine). Do lado estrangeiro estavam os Fiat, Mercedes, Opel, Itala, Benz, Austin, entre outros, essencialmente italianos e alemães. Do lado francês, a Lorriaine tinha Arthur Duray, Ferdinando Minoia e Henri Rougier; a Panhard tinha George Heath, Henri Farman e Henri Cissac; a Clement tinha Victor Rigal, Fernand Gabriel e Lucien Hautvast; a Brasier tinha o regressado Léon Théry e Paul Bablot, e por fim, a Renault tinha Ferenc Szisz e Gustave Callois.
Do lado estrangeiro, os italianos da Fiat trouxeram os habituais: Felice Nazzaro e Vicenzo Lancia, acompanhados pelo francês Louis Wagner. Na Itala, estavam Alessandro Cagno e Henri Fournier, enquanto que no lado alemão, a Opel tinha Carl Jörns e Fritz von Opel; a Benz tinha Victor Hémery, René Hanriot e Fritz Erle e na Mercedes, Christian Lautenschlager, Otto Salzer e Willy Pöge. Por fim, a britânica Austin tinha Moore Brabazon e o americano Dario Resta.
Um dia antes, aconteceu a corrida das Pequenas Viaturas, onde atrairam 64 inscrições, entre Sizaire-Naudins, Lion-Peugeot, Isotta-Fraschini e Delage, entre outros. Sizaire e Naudin corriam nos seus carros, e nas Delage estavam três pilotos: René Thomas, Albert Guyot e Lucas Bonnard.
Nos Isotta-Fraschini, estavam Vicenzo Trucco, Felice Buzio e Alfieri Maserati, enquanto que nos Lion-Peugeot estavam Jules Goux, Georges Boillot e Giosue Giuppone.
A corrida da Pequenas Viaturas começou com Sizaire e Naudin a lutarem pela liderança, com o primeiro a passar pelo comando no final da primeira volta, até que teve problemas de velas e atrasou-se na classificação geral. Quem aproveitou isso foi Albert Guyot, que ficou com o segundo posto. Guyot, contudo, tinha um truque na manga: tinha a gasolina para toda a corrida, e limitou a seguir Naudin que, quando teve de ir ás boxes para reabastecer, ele herdou o comando e lá ficou até à meta, ganhando com uma vantagem de seis minutos sobre Naudin. Jules Goux ficou no lugar mais baixo do pódio.
No dia a seguir, veio a corrida principal, com uma largada onde os franceses disputavam a liderança, mas no final da primeira volta, os espectadores ficaram chocados quando viram o Mercedes de Otto Salzer na frente, seguidos dos Brasier de Paul Bablot e Leon Théry e o Renault de Ferenc Szisz. Louis Wagner era o quarto, seguido pelo terceiro Brasier de Paul Baras. Salzer atrasou-se no final da segunda volta, mas a liderança de Bablot foi contestada pelo Fiat de Nazzaro e pelo Mercedes de Lautenschlager. no final da segunda volta, era o italiano que estava na frente, seguido pelo alemão, com Théry agora no terceiro posto, seguido pelo Wagner, noutro Fiat.
A partir daqui, a luta foi entre alemães e italianos: Wagner e Nazzaro, o Benz de Victor Hémery e o Mercedes de Lautenschlager. Mas o ritmo endiabrado de todos eles estava a dar cabo dos carros... e da estrada. Victor Hémery foi a primeira vitima, quando levou com uma pedra nos óculos, que danificou e sangrou do olho. Ele foi às boxes para fazer um curativo e partiu no encalço de Lautenschlager. Ele foi atrás dele, e parecia que tinha esperanças quando o piloto alemão diminuiu o ritmo, para poupar os pneus. Mas foi mais do que suficiente para vencer o Grande Prémio, seguido dos Benz de Victor Hémery e Paul Hanriot.
O dominio alemão na corrida foi um sinal de humilhação para os orgulhosos franceses, e acumulado com o que vinha a acontecer desde o ano anterior, com o Fiat do Felice Nazzaro, eles viram que aquela sua era de dominio tinha chegado ao fim.
(continua no próximo capitulo)