Há precisamente 30 anos, a Formula 1 estava em Kyalami para o começo do campeonato. E não ficou defraudada: um duelo a três entre Alain Prost, Ayrton Senna e Michael Schumacher entreteve os espectadores na pista (e os telespectadores nas televisões de todo o mundo), mas no final, o regressado Prost, o favorito na pista e nas casas de apostas, ganhou a proba, na frente do seu rival, Senna.
O brasileiro andou nas bocas do mundo na pré-temporada, porque, depois de não ter conseguido um lugar na Williams em 1993, na equipa que tinha o melhor carro do pelotão, ponderou fazer a mesma coisa que Prost: um ano sabático. Pensou até em correr na CART - foi nesta altura que fez o famoso teste de Phoenix, a convite de Emerson Fitipaldi - mas no final, decidiu por mais uma temporada com a McLaren, que já não tinha mais o motor Honda de 12 cilindros, mas sim o Cosworth de oito. E pior: era cliente, nem era a prioridade, que esta pertencia à Benetton.
Contudo, Senna colocava uma condição: um milhão de dólares... por corrida! Ou seja, 16 milhões na temporada. O que era muito, imenso mesmo. McLaren deve ter pedido à Marlboro que ajudasse na conta, e de uma certa forma, as coisas ficaram ajustadas. Mas quando chegou a Kyalami, a duvida estava tão no ar que o estreante Michael Andretti ficou com o número 7, não Senna. O segundo lugar nem era mau de todo, especialmente quando se viu que andou a par de Prost na maior parte da corrida - Schumacher também, até sair de pista quando Senna fechou-lhe a porta - mas numa corrida onde apenas seis carros chegaram ao fim e acabou mesmo a tempo, porque uma carga de água encharcou a pista na última volta - ah, as chuvas em África... - queria falar de algo diferente.
Diferente? Claro! É sobre o primeiro pódio da Ligier em seis anos e meio, conseguido pelo britânico Mark Blundell.
Quem conhece a história da Ligier, sabe que é uma Ecurie de France, sempre foi esse objetivo, um pouco como o calçar dos sapatos que a Matra deixou, quando abandonou o automobilismo em 1974, depois de ter triunfado em Le Mans. Guy Ligier, um antigo internacional de rugby, que enriqueceu na construção civil e se tornou amigo pessoal de Francois Miterrand e Pierre Beregevoy, que a certa altura eram respetivamente, presidente e primeiro-ministro de França, colocou a sua equipa na Formula 1 em 1976, com os motores Matra de 12 cilindros e pilotos-fétiche como Jacques Laffite, Didier Pironi, Patrick Depailler e René Arnoux. Até 1981, conseguiu nove triunfos, nove pole-positions e oito voltas mais rápidas.
Contudo, depois da temporada de 1986, onde com os motores Renault, Laffite e Arnoux conseguiram 29 pontos e dois pódios, a Ligier atravessou uma travessia no deserto. Entre 1987 e 1991, conseguiram apenas... quatro pontos. A equipa estava em nítida decadência e nenhum dos chassis era suficientemente bom para se destacar. E sem grandes motores, pior ainda. E sobreviver no inicio dos anos 90, na era da pré-qualificação, foi um feito que apenas a teimosia de Ligier fez avançar o projeto adiante.
Quando a Renault teve sucesso com o seu motor, a politica interferiu. Sendo então uma estatal, Miterrand e Beregevoy disseram à sede para ajudar a "ecurie de France", ou seja, a Ligier, fornecendo motores-cliente a preços módicos. Foi o que fizeram em 1992, com Eric Comas e o belga Thierry Boutsen ao volante desses carros, conseguindo seis pontos nessa temporada, a melhor desde 1986.
Mas foi insuficiente. No final dessa temporada, Ligier decidiu que já era demais e decidiu vender a equipa para Cyril de Rouvre, um homem de negócios com origens aristocráticas - um dos seus antepassados chegou a ser o homem mais rico de França - mas nessa altura, em Nevers, todos andavam à volta da equipa. Alain Prost chegou a considerar uma temporada com eles, no final de 1991, e entretanto tinham aparecido Loic Bigois e Frank Dernie, este último como chefe da aerodinâmica em equipas como Williams e Lotus. Bigois ajudou a desenhar o Tyrrell 019, o primeiro carro com nariz levantado.
Juntos, criaram o JS39, um carro simples, mas eficaz em termos aerodinâmicos, e como pilotos, decidiram contratar uma dupla improvável, e cortando alguns laços com o passado: Martin Brundle, vindo da Benetton, e Mark Blundell, que em 1992 decidira correr pela Peugeot nas 24 Horas de Le Mans, acabando por triunfar, ao lado de Derek Warwick e Yannick Dalmas.
Dois britânicos. E pela primeira vez, não existia franceses no alinhamento. Era o apagamento da "ecurie de France".
Mas pensando de forma pragmática, eram os pilotos ideais para o conjunto chassis-motor que se apresentava. E com as expectativas em baixo - contrariamente ao que se pensava no ano anterior - foi assim que todos rumaram a paragens sul-africanas.
Aliás, aquela era uma temporada estranha: Nigel Mansell, o campeão do mundo, virara costas à Formula 1 e estava a correr na América, Damon Hill, o seu substituto, estreava-se com o número zero, algo que não acontecia desde 1974, quase duas décadas antes. A Sauber estreava-se na Formula 1, e pensava-se que seria com motores Mercedes, mas na realidade, decidiram retirar o nome, deixando os motores preparados pela Ilmor sem nome. E claro, Michael Andretti seguia os passos do seu pai e iria competir na categoria máxima do seu automobilismo, esperando adaptar-se a um mundo diferente do americano, bem mais sofisticado. E as expectativas eram altissimas.
Blundell conseguiu o oitavo posto na grelha, cinco lugares acima de Brundle. Mas o seu tempo fora quase três segundos mais lento que Prost, logo, tinha de acreditar na sorte para acabar nos pontos. Aliás, fora batido pelo Sauber de Letho, que partia de sexto na grelha.
Ele fez a sua corrida, andando sempre nos pontos e aproveitando os erros dos outros, nomeadamente, o abandono dos Benetton de Schumacher e Riccardo Patrese, da colisão de Damon Hill no Lotus de Alex Zanardi, e era terceiro, e dos problemas de motor dos Ferrari de Jean Alesi e Gerhard Berger, para ser terceiro. Mesmo com a chuva torrencial da última volta. E ainda superou Letho, que acabou em quinto, superado pelo Minardi de Christian Fittipaldi.
Para Blundell, então com 27 anos, aquele era o seu primeiro pódio. A Ligier conseguia o seu primeiro desde o GP dos Estados Unidos de 1986, com o segundo lugar de Jacques Laffite em Detroit, e de repente, a equipa francesa tinha algo com que celebrar. Afinal, o JS39 correu até ao final de 1994, conseguindo cinco pódios e 39 pontos no total, com o motor Renault. Iria ser o seu último "hurrah!", mas ninguém pensava nisso naquele dia em Kyalami.