Há duas semanas, quando
Charles Leclerc comemorava uma vitória suada em Monza, aguentando os ataques do Mercedes de
Lewis Hamilton, estava a alcançar algo raro: de vencer pela segunda vez seguida, uma a seguir à sua vitória de estreia. Ao fazer isso,
estava a entrar num clube estrito, do qual cabem apenas nove pilotos, nos quase 70 anos de Formula 1. Três na primeira década da Formula 1, dois na última década do século XX, um na década passada. Q
uatro foram campeões do mundo, e os três últimos eram todos ingleses.
Aqui falarei de cinco exemplos, e deixarei de fora os dois que têm a melhor sequência, de três vitórias seguidas. Esses merecem um post à parte, que aparecerá dentro em breve. Assim sendo, vamos ao que interessa.
1 - Alberto Ascari (Alemanha e Itália 1951)
O primeiro desses pilotos foi o italiano Alberto Ascari. Lenda do automobilismo italiano, filho de lenda, em 1951, Ascari era o piloto que queria bater os Alfa Romeo, dominantes no primeiro campeonato, com Nino Farina e Juan Manuel Fangio. Em 1951, era o argentino que levava a melhor sobre os carros de Maranello, mas em Silverstone, o enguiço foi quebrado... com outro argentino, Froilan Gonzalez. Uma vitória tão marcante que Enzo Ferrari disse comparar "a ter matado a minha mãe".
Mas se Ascari merecia essa vitória, ele não fraquejou. Nas duas corridas seguintes, na Alemanha e em Itália, acabou por sair vencedor, ainda por cima em duas pistas míticas, Nurburgring e Monza. E com essa dupla vitória, quando encarou a última corrida do ano, em Barcelona, o italiano estava a dois pontos de Fangio: 25 contra os 27 do argentino. E a sua máquina estava na mó de cima.
Mas na pista espanhola - um circuito desenhado nas ruas da cidade catalã - Fangio e a Alfa Romeo decidiram por uma tática de resistência, onde os Ferrari tiveram problemas de pneus. O argentino venceu e conseguiu o primeiro dos seus cinco títulos. Quando a Ascari, iria vencer os dois campeonatos seguintes, os primeiros pela Ferrari, antes de morrer num acidente a 26 de maio de 1955, quatro dias de outro acidente espectacular no Mónaco, onde mergulhou com o seu carro nas águas do porto.
2 - Peter Collins (Belgica e França 1956)
Outro piloto da Ferrari nesta sequência. Nascido em 1931, começou cedo a sua carreira, aos 17 anos, na Formula 3 britânica, depois de impressionar em algumas corridas em 1955, pela Maserati, Enzo Ferrari contratou-o em 1956, recomendado pelo seu grande amigo Mike Hawthorn.
Começou bem, com um segundo posto no Mónaco, mas foi em Spa-Francochamps que alcançou a sua primeira vitória, no Lancia-Ferrari D50, depois de partir atrás dos Maserati de Stirling Moss e do Ferari do seu companheiro de equipa, Juan Manuel Fangio. O argentino desistiu com problrmas de transmissão na volta 21, e Collins herdou a liderança, levando-a até ao fim, numa dobradinha com o belga Paul Frére.
Na corrida seguinte, em Reims, numa grelha onde a primeira fila era toda da Ferrari, com Fangio na pole-position e o italiano Eugenio Castelloti entre eles, Collins conseguiu ser mais veloz que eles, voltando a vencer e colocando-se na liderança do campeonato, que a manteve na corrida seguinte, em Silverstone, apesar de ter sido segundo, superado por Juan Manuel Fangio.
De súbito, Collins era candidato ao título. Perdeu a liderança em Nurburgring, quando desistiu, mas poderia vencer o campeonato se triunfasse em Monza. E tinha tudo na mão quando Fangio desistiu com a coluna de direção partida. Incialmente, em caso de desistência, era Luigi Musso que deveria entregar o seu carro, mas ele simplesmente recusou. Fangio esteve à espera nas boxes quando Collins parou e decidiu entregar o carro ao argentino para poder obter os pontos necessários para o título, que caso contrário, poderia cair nas mãos de Stirling Moss, que conduzia um Maserati.
No final, Fangio foi segundo, os pontos foram partilhados entre eles, mas foi mais do que suficiente para ser campeão do mundo. Collins foi terceiro, com 25 pontos.
No final, quando lhe perguntaram, respondeu: "Sou muito novo para ser campeão do mundo. Terei tempo para isso." Infelizmente, não teve: a 3 de agosto de 1958, durante o GP da Alemanha, sofreu um acidente mortal quando capotou o seu Ferrari quando perseguia o Vanwall de Tony Brooks.
3 - Bruce McLaren (Sebring 1959, Argentina 1960)
Até ao inicio deste século, Bruce McLaren foi o mais jovem vencedor na Formula 1. Menino prodígio em termos mecânicos - tinha construido o seu primeiro carro, um Austin Seven, aos 14 anos, na garagem do seu pai nos arredores de Auckland, na Nova Zelândia - no final de 1958 embarcou para a Europa no sentido de correr em provas da Formula 2. Mas cedo foi para a Formula 1, onde ao serviço da Cooper, conseguiu o seu primeiro pódio na Grã-Bretanha. No final da temporada, no circuito americano de Sebring, numa luta entre Jack Brabham e Stirling Moss, e aproveitando os problemas que teve o piloto britânico, Brabham rumou ao título mundial. Mas na última volta, o seu carro começou a não funcionar e o australiano caiu lugar após lugar. Quando John Cooper deu uma cambalhota no meio a pista para celebrar, pensava que era Brabham que cruzava a meta, mas na realidade, era McLaren que recebia uma vitória inesperada, a primeira de um neozelandês na Formula 1. Brabham cruzou a meta em quarto, a empurrar o seu carro, mas a comemorar o título.
No ano seguinte, a Formula 1 foi para a Argentina, em pleno janeiro, no verão austral, e nesse fim de semana, as temperaturas roçaram os 40 graus. McLaren, no seu Cooper, correu... de calções (!) e aguentou o calor para ser novo vencedor, num campeonato onde acabará como vice-campeão, a sua melhor classificação de sempre.
McLaren iria ganhar mais duas vezes, uma das quais no seu próprio carro. Morreu a 2 de junho de 1970, aos 32 anos, durante um teste em Goodwood num carro de Can-Am.
4 - René Arnoux (Brasil e África do Sul 1980)
René Arnoux contou que quando Jean Sage lhe ofereceu um lugar na Formula 1 no final de 1978, ele chorou profusamente, porque sabia que aquilo iria ser o seu passaporte para uma carreira ilustre na categoria máxima do automobilismo. Tinha 30 anos, vencera o Europeu de Formula 2 no ano anterior e naquele ano de 1978, tinha tido passagens pela Martini, equipa criada pelo preparador francês Tico Martini, e pela Surtees, em substituição de Vittorio Brambilla.
Os seus primeiros tempos na Renault não foram lá muito bons, mas quando a máquina estreou o RS10, no Mónaco, os seus resultados melhoraram bastante, a começar pelo duelo com Gilles Villeneuve pelo segundo lugar, e que lhe deu o seu primeiro pódio na Formula 1. Acabou o ano no oitavo lugar, com 17 pontos, mais à frente que o seu companheiro de equipa, Jean-Pierre Jabouille. E para além disso, o carro começava a mostrar ter potencial, com o motor Turbo, mas quebrava frequentemente.
Em 1980, a temporada do piloto francês não começou bem na Argentina, quando o seu carro teve problemas de suspensão na segunda volta, mas em Interlagos, os Renault dominaram. Jabouille foi o poleman, com Arnoux a ser sexto na grelha. Tudo indicava que os carros franceses iriam ficar com o primeiro e segundo lugar, mas Jabouille acabou por desistir devido a problemas no Turbo. Arnoux herdou o primeiro posto, e comemorou o seu triunfo.
A mesma coisa aconteceu em Kyalami, e as circunstâncias foram quase idênticas: Jabouille ia a caminho do triunfo quando um furo, na volta 61, o impede de continuar. Arnoux herdou a liderança e manteve o comando até à meta, na frente dos Liger de
Jacques Laffite e
Didier Pironi. E o francês saiu dali com o comando do campeonato. Contudo, foi sol de pouca dura, pois o carro era frágil e as diversas quebras fizeram com que o piloto francês acabasse o campeonato no sexto lugar, com 29 pontos.
5 - Nigel Mansell (Brands Hatch e Kyalami 1985)
Quando o piloto britânico foi para a Williams, vindo da Lotus, não era a primeira escolha. Esta tinha sido a de
Derek Warwick, que estava na Renault, mas não aceitou devido à fragilidade do motor Honda. Sendo piloto da Renault, julgava que estava melhor com a marca francesa. Mansell chegava à Williams depois de ter sido "corrido" da Lotus, porque Peter Warr não se dava bem com ele, e queria receber Ayrton Senna de braços abertos.
E as coisas não correram bem no inicio da temporada. Tanto que no final do GP da Holanda, 11ª corrida do ano, ele tinha apenas nove pontos, contra os 18 de Keke Rosberg. Contudo, uma nova evolução do motor Honda, mais potente e mais fiável, colocou o carro nos primeiros lugares, e a chance de Mansell aconteceu em Brands Hatch palco do GP da Europa, onde as confusões na frente entre Rosberg, Senna e Piquet deram uma chance a Mansell de ficar com a liderança e acabar por vencer, cinco anos depois da sua estreia na Formula 1.
A seguir, num GP da África do Sul contestado por motivos politicos, em Kyalami, dominaram a corrida, com Mansell a ser o melhor, numa dobradinha para a equipa de Frank Williams. E isto deu maior impulso à carreira do piloto britânico, que no ano seguinte se tornou num sério candidato ao título mundial e lançou também a sua carreira na categoria máxima do automobilismo.
6 - Lewis Hamilton (Canadá e Estados Unidos 2007)
Só os mais entendidos é que sabem que Lewis Hamilton tem a sua melhor temporada de estreia de sempre. Para terem uma ideia, o último piloto que venceu na sua temporada inaugural foi Jackie Stewart, em 1965, com o seu BRM. Um piloto ajudado pela McLaren desde os karts, por causa do seu talento, que mostrou nas categorias de ascensão, até 2006. A meio desse ano, houve a chance de ir para a Formula 1 no lugar de Juan Pablo Montoya, mas Ron Dennis decidiu dar uma chance a um dos seus piloto de testes, o espanhol Pedro de la Rosa.
Aos 22 anos de idade em 2007 - nasceu a 5 de janeiro de 1985 - havia altas expectativas sobre ele. Logo em Melbourne, mostrou ao que vinha, ao ser terceiro classificado, atrás de Kimi Raikkonen e Fernando Alonso. Quatro segundos lugares nas mesmas corridas seguintes mostravam que o piloto britânico tinha estofo de campeão e embebecia os fãs, que o comparavam a Michael Schumacher.
Logo na sétima corrida do ano, em Montreal, Hamilton teve um fim de semana de sonho, ao fazer a pole-position e acabar por triunfar numa corrida marcada pelo espectacular acidente de Robert Kubica, no seu Sauber-BMW. E na prova seguinte, nos Estados Unidos, foi atrás de Fernando Alonso para o passar e ficar com a liderança até à bandeira de xadrez, mostrando que tinha estofo de campeão.
E incomodando Fernando Alonso. Se a relação era de respeito, mas com o espanhol a esperar uma hierarquia - leia-se, o terceiro título mundial para o asturiano - as vitórias e a consistência do britânico fizeram com que as relações de deteriorassem dentro da equipa, do qual o "Spygate" não ajudou em nada.