Com o aproximar do verão europeu, toda a gente no mundo do automobilismo contava os dias para que arrancasse aquele que era o maior evento até então organizado pelo Automobile Club de France (ACF): uma corrida entre Paris e Amesterdão, e volta. Seriam sete dias - entre 5 e 13 de julho - e os carros precorreriam cerca de 1500 quilómetros, ida e volta, numa competição dividida por etapas, passando por França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo.
Vinte e cinco carros foram inscritos para a corrida, divididos entre Panhard, Bollée, Peugeot, Mors e Georges-Richard, um proprietário de uma fábrica de bicicletas que queria aproveitar a febre automobilistica, inscrevendo três carros para Georges Richard, o seu irmão Max Richard e para o senhor Vedrine. Nas restantes marcas, lá estavam os melhores pilotos do seu tempo: A Panhard tinha Fernand Charron, René de Knyff, Gilles Hourgiéres e Leonce Girardot, enquanto que a Mors tinha Alfred Velghe, que ficou conhecido como "Levegh". Na Peugeot, Auguste Doriot tinha alinhado, bem como Auguste Koechlin.
Nos Bollée, estava Auguste Bollée ao volante de um dos carros, enquanto que outro era guiado por Etienne Giraud, que corrida sob apelido de "Gondry". E em termos de inscrições internacionais, havia a novidade de um piloto americano: George Heath, um nativo de Long Island e radicado há muito em Paris, que corria com um Panhard e Levassor.
Contudo, antes de começar a corrida, surgiram os primeiros problemas. O chefe da policia de Paris, o comissário Bochet, decidiu intervir no sentido de prevenir fatalidades durante a corrida. Primeiro, exigiu que os carros fossem apresentados para uma inspeção prévia, de acordo com a lei local. Contudo, quando eles foram apresentados, Bochet simplesmente decidiu chumbar os carros. Ultrajados, os pilotos decidiram que iriam pura e simplesmente partir de fora de Paris, fora da jurisdição. Bochet respondeu solicitando ao exército francês um pelotão de cavalaria, no sentido de o proteger, mas quando a organização decidiu escolhera a localidade de Villiers en Seine-et-Oise, o comissário nada poderia fazer.
Às 8:30 da manhã de 5 de julho, Fernand Charron foi o primeiro a partir, e de 30 em 30 segundos, os restantes concorrentes largaram para aquela que iria ser a prova mais longa e mais importante até então. A primeira etapa iria até Chateau D'Ardenne, já na Bélgica, onde Charron impôs o seu ritmo, com Hougiéres a tentar acompanhá-lo. Mas a meio do caminho, ele sofreu com um motor gripado e perdeu mais de 15 horas a repará-lo. No final do primeiro dia, o avanço de Charron para o segundo classificado, o Bollée de Francois Giraud, era de 12 minutos e 44 segundos, a uma espantosa média de 54,5 km/hora.
O segundo dia levava os concorrentes para Nijmengen, na Holanda, onde Charron limitou-se a controlar o andamento para Giraud, e isso fez com que Hougiéres acabasse por vencer a etapa, tentando recuperar um pouco do seu prejuízo. Mas na etapa seguinte, que levou os pilotos até Amesterdão, Giraud foi mais veloz e levou ao seu Bollée ao comando, com uma vantagem de três minutos e meio sobre Charron, com Girardot à espreita.
Depois de 24 horas de descanso, os concorrentes iniciam a sua viagem de regresso a Paris, com a etapa a acabar em Liége. Aí, Charron foi o vencedor, com Girardot no segundo posto, mas na quinta etapa, entre Liége e Verdun, já em França, houve uma mudança de comando para Girardot, com Giraud a sofrer um capotamento com o seu Bollée, mas conseguiu colocá-lo a andar e a não perder tempo para os outros, à chegada para Verdun.
A etapa final, que ligava essa cidade e Paris, tinha 243 quilómetros ao todo, foi decisiva: Charron, que recuperava de um furo, conseguiu cuidar melhor do seu carro e aproveitou os azares de Girardot, que teve mais furos do que ele, e acabou a chegar à meta com 30 minutos de atraso sobre Charron, o vencedor. A uma hora e quarto minutos, e a fechar o pódio, ficou Giraud. Como os dois primeiros foram Panhards, a dobradinha deu ainda mais publicidade aos carros da marca.
Ainda receosos daquilo que poderia fazer o comissário Bochet, a meta não foi em Paris, mas sim em Montgeron, onde todos estavam felizes, mas exaustos. Contudo, a organização queria que os pilotos fossem para Versalhes, onde uma multidão os esperava. Inicialmente, os pilotos não queriam, mas depois voltaram atrás, para serem recebidos em apoteose. Fora mais um triunfo para o ACF e para o automobilismo.
O PRIMEIRO RECORDE DE VELOCIDADE
No final do ano, mais concretamente, a 18 de dezembro, a revista "La France Automobilie" e o seu diretor,
Paul Meyan, decidiram fazer um tipo de competição diferente. Ela consistia numa prova de dois quilómetros, cronometrada, numa reta plana. Os concorrentes eram cronometrados no final do primeiro quilómetro, após uma partida "parada", e no segundo, já lançados.
Nesse dia, o grande vencedor foi o conde de Chasseloup-Laubat, que cronometrou o carro movido a energia elétrica, que conseguiu bater o Bollée a gasolina de Loysel. As repercussões deste curioso desafio foram mais do que esperadas, pois o vencedor foi logo desafiado por alguém que não lá estava: um jovem ruivo, de origem belga, de seu nome Camile Jenatzy. Ele, filho do construtor de pneus Jenatzy e um apaixonado pela mecânica, decidiu desafiar o Conde para nova corrida, no mesmo local, dali a um mês. Ele aceitou.
Assim sendo, a 17 de janeiro de 1899, Jenatzy apareceu com o seu carro elétrico e conseguiu fazer o quilómetro parado em 68 segundos, e o segundo em 54, totalizando dois minutos e dois segundos, conseguindo bater o Conde de Chasseloup-Laubat por sete segundos, a uma velocidade média de 70,4 km/hora. Mas o Conde melhorou logo a seguir o tempo, baixando para um minuto e 52 segundo, subindo a fasquia para 74,3 quilómetros por hora. E isso tudo com... o motor do seu carro a arder, vitima de um principio de incêndio a duzentos metros da meta.
Nos dois meses a seguir, o duelo “Jenatzy versus Chasseloup-Laubat” prende as atenções dos jornais, pois trata-se de dois tipos de propulsão: eletricidade contra gasolina. Dez dias depois do primeiro duelo, a 27 de janeiro, Jenatzy foi o melhor, baixando para um minuto e 42 segundos, conseguindo aumentar a velocidade para 85 quilómetros por hora, mas aproveitando também o facto do Conde nem sequer ter partido, porque… o motor do seu carro pegou fogo. Mas Chasseloup-Laubat teve a sua vingança: a 4 de março, baixou o tempo para um minuto, 27,4 segundos, a uma média de 97 quilómetros por hora.
Foi nessa altura que Jenatzy decidiu construir uma nova máquina: a “Jamais Contente” (eterno descontente), um carro feito aerodinamicamente em forma de torpedo, com duas baterias elétricas de 25 quilowatts cada uma. O veículo era feito de uma liga que Jenatzy chamou de “partinium”, composto por alumínio, tungsténio e magnésio. A 1 de abril, o carro estava pronto para uma tentativa de recorde – desta vez sozinho – mas ele partiu tão rápido… que os cronometristas não estavam prontos.
Desiludido, mas não desanimado, a 29 de abril volta ao mesmo local para a sua tentativa de recorde. Resultado final: alcançou a velocidade média de 111,8 quilómetros por hora. Oficialmente, era o homem mais rápido do mundo, e o primeiro a alcançar a primeira grande barreira do automobilismo. O seu recorde vai durar por três anos, até que Leon Serpollet o baterá.
(continua no próximo episódio)