Um gigante do automobilismo passou à História este domingo. Dan Gurney, piloto de Formula 1 de 1959 a 1970, que passou por equipas como Ferrari, BRM, Porsche, Brabham e McLaren, entre outros e também foi construtor, com a sua All American Racing, morreu este domingo em Newport Beach, aos 86 anos de idade, vitima de complicações devido a uma pneumonia.
"Com um último sorriso em seu rosto bonito, Dan dirigiu-se para o desconhecido, antes do meio-dia de hoje, 14 de janeiro de 2018", disse a esposa de Gurney, Evi e, a sua família, no comunicado oficial. "Na tristeza mais profunda, é com gratidão em nossos corações pelo amor e alegria que você nos deu durante o seu tempo nesta terra, dizemos 'Godspeed'", concluiu.
Dan Gurney teve uma longa e muito rica carreira. Para além dos seus feitos na Formula 1, também venceu na Endurance - foi o primeiro vencedor em Daytona, em 1964 - e também venceu na Can-Am, a bordo dos carros da McLaren. E ainda tentou a sua sorte nas 500 Milhas de Indianápolis e nas 24 horas de Le Mans, onde alcançou a vitória em 1967, ao lado de A.J Foyt, num Ford GT40.
Nascido a 14 de abril de 1931 em Port Jeffrson, Nova Iorque, e filho de um cantor... de ópera, Daniel Sexton Gurney mudou-se aos 16 anos para a Califórnia, mais concretamente para Riverside. Três dos seus tios eram engenheiros que se licenciaram na Massessuchets Institute of Technology, o famoso MIT, e perto dali iria ser erguida uma pista de automóveis, que seria inaugurada em 1957. Mas não foi isso que fez morder o "bicho": foi a cultura "hot rod", que se desenvolvia naquela parte do mundo depois da II Guerra Mundial, que o fez atrair para ali.
Começou a correr aos 19 anos, em 1950, e a sua carreira foi interrompida para cumprir o serviço militar na Coreia. Em 1957, na prova inaugural da pista de Riverside, fica em segundo lugar, e chama a atenção de Luigi Chinetti, o importador da Ferrari nos Estados Unidos. Dois anos depois, em 1959, estreou-se na Formula 1, pela Ferrari, onde conseguiu dois pódios e foi sétimo classificado na geral, com 13 pontos. Contudo, apesar dessa boa entrada, não ficou na Scuderia e foi para a BRM em 1960, onde a temporada foi um desastre: zero pontos e um susto de morte na Holanda, onde teve um acidente grave, matando um adolescente devido a uma roda solta do seu carro.
Em 1961, foi para a Porsche, ajudando a marca alemã a dar os seus primeiros passos na Formula 1 como equipa oficial. No primeiro ano, três segundos lugares o ajudaram a obter 21 pontos e o quarto lugar do campeonato, no ano seguinte, deu à marca a sua primeira - e até agora, única - vitória na Formula 1, no GP de França, no circuito de Rouen. Ainda deu mais uma vitória, no circuito de Soltitude, em Estugarda, mas no final do ano, a marca foi-se embora da Formula 1, não sem antes Gurney ter conseguido 15 pontos e o quinto lugar do campeonato.
Em 1963, Gurney foi para a Brabham, onde ajudou "Black Jack" a erguer a sua equipa na Formula 1. Foi ele que deu o primeiro pódio para a marca, com um terceiro lugar no GP da Bélgica de 1963, e um ano depois, no GP de França de 1964, alcançou a sua primeira vitória com a marca, também no circuito de Rouen. Jack Brabham queria que ele ficasse com a equipa quando se retirasse, mas no final de 1965, Gurney tinha outras ideias: decidiu montar a sua própria equipa.
A ideia foi dele e de Carrol Shelby, que na altura estavam a montar o assalto da Ford a Le Mans. A All American Races, que correu na Europa e na América, era para mostrar toda a sua criação aop mundo. Os seus Eagle, que eram desenhados por Len Terry, ex-Lola, foram dos carros mais bonitos do seu tempo. A sua estreia foi no GP da Bélgica de 1966, e conseguiu os primeiros pontos em França, com um quinto lugar. Ao mesmo tempo, corria em Le Mans e Indianápolis, onde ainda não tinha conseguido resultados de relevo.
Contudo, as coisas mudaram em 1967. Primeiro em Le Mans, onde alinhou no Ford GT40 numero 1, ao lado de A.J. Foyt. Ambos já eram lendas na América, e Henry Ford II queria uma "All American Team". Foyt, habituado às ovais, odiou estar em Le Mans, e decidiu "guiar à doida", com Gurney a fazer as coisas com mais calma, para poder aguentar o carro até ao fim. Acabou por resultar, pois a Ford voltou a vencer de novo.
E no pódio, criou uma tradição que se propagou até aos dias de hoje. Tudo porque... estava calor e estava cansado. Em França, havia a tradição de dar enormes garrafas de champanhe, que os pilotos davam aos seus mecânicos, como recompensa pelo trabalho. Ali, Gurney já estava cansado e decidiu, num gesto espontâneo, abrir a garrafa e espalhar o seu conteúdo para os jornalistas e os VIP's que lá estavam. O pessoal adorou a ideia que a partir dali, decidiu-se que o champanhe é para espalhar.
Em 1968, o seu Eagle, com o Westlake V12, tinha sido passado pelos Cosworth, e foi Bruce McLaren que o salvou. Ele tinha acolhido McLaren no ano anterior, e este lhe retribuiu o favor, compensando com um quarto lugar no GP do Canadá. E foi nesse ano que conseguiu o seu primeiro resultado de relevo nas 500 Milhas, sendo segundo classificado, no seu Eagle. Mas nessa altura, Gurney foi dos primeiros a preocupar-se com a sua segurança. Quando a Bell, fabricante de capacetes, decidiu construir o seu primeiro casco integral, Gurney foi o primeiro a usá-lo sem problemas. A sua primeira aparição foi nas 500 Milhas de Indianápolis de 1968, e logo a seguir, no GP da Grã-Bretanha do mesmo ano, fez a sua estreia na Formula 1.
Depois, Gurney concentrou-se nos Estados Unidos, correndo na Can-Am e na USAC. Até que em junho de 1970, Teddy Mayer pediu a Dan para que guiasse para a McLaren depois da morte do seu fundador, Bruce McLaren, numa sessão de testes em Goodwood. A ideia era de correr na primeira prova da Can-Am, em Mosport. Ele o fez e venceu. Poucas semanas depois, em Zandvoort, num jantar com a equipa McLaren, começou a contar todos os seus amigos que tinham morrido em corridas, e depois de chegar a um certo número, calou-se.
Tyler Alexander, que estava com ele e tinha assistido à cena, entendera tudo: Gurney iria embora do automobilismo. Tinha razão: pendurou o capacete no mês seguinte, aos 39 anos de idade.
Gurney cuidou depois da Eagle, que se tornou numa das grandes equipas dos anos 70 e 80. Em 1978, escreveu uma carta aberta às equipas da então USAC, pedindo para que tomasem conta da categoria pelas suas próprias mãos. Acabaria por dar origem à CART, a Champions Auto Racing Teams. A Eagle durou até 1986 e voltou, entre 1996 e 2000.
No final, quando se escreve no primeiro parágrafo que ele foi um gigante do automobilismo, não é exagero. Olhando para todos estes feitos, podemos ver que Dan Gurney moldou o automobilismo tal como o conhecemos. Ele foi um inovador e um desbravador. Esteve no momento certo e na hora certa, marcou uma geração e sobreviveu para contá-la.
E hoje, saiu da vida e passou para a História como aquilo que merece ser: um verdadeiro "All American". Ars longa, vita brevis, Dan.