Pela primeira vez nos quatro anos de existência deste blog, decidi ceder o meu lugar a outra pessoa. Desde há algum tempo que conheço e troco correspondência no Facebook com o Guilherme Miranda, que é adepto de automobilismo e de ciclismo. Contudo, ontem surpreendeu-me ao entregar um extenso artigo sobre Attilio Bettega, um exclente piloto italiano de ralis cuja existência terminou abruptamente numa árvore no Rali da Córsega de 1985, há 25 anos.
O artigo é preciso e extenso o suficiente para que tenha de ser dividido em duas partes, pois a sua carreira merece ser descrita dessa forma. Espero que gostem de o ler, dêm algum feedback, pois espero que isto seja o começo de algo mais interessante.
"Attilio Bettega nasceu em Trento, nos Dolomitas Italianos a 19 de Fevereiro de 1953. Se fosse vivo, o carismático piloto italiano completaria hoje 58 anos.
Desde cedo que Bettega se interessou pelo desporto automóvel e, depois de tirar carta, estreou-se num rali local (por acaso, o conhecido e conceituado rali italiano Rally San Martino di Castrozza, perto da sua Trento Natal), ao volante do carro da sua família, um Fiat 128. Com apenas 19 anos em 1972, o estreante terminou no quadragésimo-segundo lugar. Satisfeito com a estreia e mostrando alguma capacidade, o jovem Attilio começou a pilotar em provas locais, tendo vencido a sua classe no Campeonato Regional Triveneto em 1973. A partir de 1974, passou a conduzir um Opel Kadett GTE privado, embora preparado por Carenini, tanto em provas locais como no calendário nacional, mas foi apenas em 1977 que se distinguiu como uma das grandes promessas do automobilismo italiano, quando venceu o Troféu Autobianchi A112, patrocinado pelo Grupo Fiat.
Durante a década de 70, a Lancia e a Fiat (embora rivais, ambas pertenciam ao mesmo grupo) lutavam para manter o predomínio italiano nos ralis internacionais, lutando taco a taco com marcas como a Ford, Alpine Renault e Opel, entre outras, pelo que ambas as equipas tinham os seus programas de captação de novos pilotos, como este Troféu, integrado no Campeonato Italiano de Ralis. Graças à sua velocidade e regularidade, Bettega venceu 5 das 14 provas do Troféu ao volante do seu Autobianchi preparado pela Grifone, batendo nomes como Vanni Fusaro e Fabrizio Tabaton.
Depois, foi apresentado ao director desportivo da Lancia, Cesare Fiorio, e deu um lugar num dos Lancia Stratos oficiais no Rally Val d’Aosta, a prova de encerramento do Campeonato Italiano de Ralis. Como companheiro de equipa tinha, nada mais, nada menos, que Sandro Munari, na altura um veterano ainda considerado um dos maiores pilotos da época (e considerado na actualidade como um dos melhores pilotos da história dos ralis). Aliando a consistência à rapidez, e ao volante de uma máquina competitiva, Bettega surpreendeu pela sua rapidez e consistência e foi segundo classificado, a menos de dois minutos de “Il Campeoníssimo” Munari, naquela que seria a última vitória da sua carreira.
Enquanto demonstrava na estrada as suas inatas capacidades como piloto, Bettega cruzou-se com Isabella Torghele, também ela entusiasta de automobilismo, e que se tornaria não só na co-piloto de Attilio como na sua namorada e, posteriormente, mulher. Isabella acompanhou Attilio nos primeiros anos da sua carreira, tendo sido ao seu lado com Bettega venceria o Troféu Autobianchi.
Tendo impressionado os responsáveis da equipa, Bettega passou a pilotar um Lancia Stratos ex-oficial em 1978, apoiado pelas pequenas equipas-satélite da Lancia, em provas do Campeonato Italiano e Europeu de Ralis. Os resultados não demoraram a aparecer, salientando-se três segundos lugares em provas com renome nacional ou europeu, como o Rally d’Antibes (atrás de Darniche), o Hunsruck Rally na Alemanha (atrás de Walter Röhrl) e a Coppa Liburna, aonde foi derrotado apenas pelo campeão italiano Adartico Vudafieri. Nesse ano, Bettega estreou-se com o seu Lancia na então Taça FIA de Ralis, tendo abandonado em ambas as provas disputadas, precisamente o Rally Sanremo e o Tour de Corse. No final da época, assinou com a Fiat e estreou-se na sua nova equipa com uma vitória no Rally Val d’Aosta, ao volante do célebre 131 Abarth. Foi também nesta prova que se estreou ao lado daquele que seria o seu co-piloto durante praticamente toda a sua carreira no Mundial de Ralis, Maurizio Perissinot.
Para 1979, a dupla Bettega/Perissionot concentrou-se essencialmente no Campeonato Italiano, com algumas aparições esporádicas no Europeu e no Mundial, mas os resultados foram deveras positivos. Bettega venceu o Rally Costa Smeralda (então uma das principais provas do ERC), Rally della Lana, Rally di Quattro Regioni e novamente o Rally Val d’Aosta. As vitórias obtidas nas provas italianas, aliadas à regularidade nas provas do Europeu com coeficiente mais elevado ajudaram Bettega a terminar este campeonato no sexto posto, com 140 pontos. Nesse mesmo ano, foi criado o Mundial de Ralis, no formato que actualmente conhecemos, e Bettega estreou-se no Monte Carlo. Embora tivesse abandonado ainda no início, a segunda experiência do italiano, no Rallye Sanremo foi extremamente positiva, tendo conseguido o lugar mais baixo do pódio.
Depois de duas épocas com bons resultados, a Fiat delineou um programa bem mais completo para Bettega no WRC. No Monte Carlo, usou o Fiat 75 Abarth, em vez do tradicional 131, e teve como co-piloto o conceituado Mario Manucci, durante muitos anos fiel companheiro de Sandro Munari. Bettega não acusou a mudança e terminou em sexto, embora tenha feito o melhor tempo numa das especiais disputadas no célebre Col de Turini e lutado pela vitória até uma má escolha de pneus na segunda metade da prova.
Regressando ao Fiat 131 e com outro co-piloto, Arnaldo Bernacchini, Bettega disputou mais cinco provas do WRC, com resultados mistos, mas adquirindo muita experiência. No final da época, foi convidado pela Lancia a integrar a sua equipa no Giro d’Italia, não a centenária prova ciclista mas sim uma apaixonante prova que misturava carros de Sport/Protótipos e Turismos num modelo de rali, sendo que a classificação era definida através de provas especiais de classificação tanto em circuito como em estrada aberta ou até em rampas de montanha! Ao volante de um dos super favoritos Lancia Beta Montecarlo Turbo, juntamente com o seu co-piloto Bernacchini e um ainda desconhecido Michele Alboreto, Bettega terminou a prova no segundo posto, confirmando a sua evolução como piloto, apenas batido pela tripla de colegas de equipa composta pela dupla de ralis Alén/Kivimäki e pelo piloto de Formula 1 Riccardo Patrese.
Em 1981, Bettega continuou na Fiat com um programa semelhante ao dos anos anteriores, mas com Perissinot a regressar ao banco direito. O modelo 131 começava a acusar o peso da idade e os resultados no início da época do WRC não foram os melhores, mas Bettega conseguiu um terceiro lugar no Rali da Acrópole e liderou o Sanremo até se despistar e ser forçado a abandonar. Contudo, nas suas esporádicas aparições no Campeonato Italiano, Bettega conseguiu vencer novamente uma das suas provas preferidas, o Costa Smeralda, além do Rallye Il Ciocco.
Para a época seguinte, o Grupo Fiat decidiu apostar na Lancia para o título de Construtores, através do seu novo modelo, o célebre e potente Lancia 037. Reconhecido pela sua regularidade e talento para desenvolver um carro, Bettega passou o início da época em extensos programas de testes, estreando-se ao volante da nova máquina no Rali da Córsega. A prova até começou bem e Attilio seguia em terceiro lugar na 11ª especial quando, perto da pequena aldeia de Salvareccio perdeu o controlo do Lancia e bateu violentamente num muro, quebrando ambas as pernas com gravidade, entre outras lesões.
Contrariamente ao que seria lógico, a organização não interrompeu a especial e o Lancia semi-destruído permaneceu no local. Bettega demorou 40 minutos a ser retirado do carro e foi de seguida transportado por helicóptero para o Hospital de Turim, aonde foi operado por duas vezes e entrou num longo período de convalescença, tendo permanecido cerca de meio ano numa cama de hospital.
O grave acidente pôs a sua carreira em risco, mas Bettega foi mais forte e um ano depois estava novamente apto para competir ao mais alto nível. Ironicamente, o regresso foi... na Córsega. Attilio havia desenvolvido uma certa relação de amor-ódio por este rali, já que gostava da prova pelas suas características únicas e desafiantes, além de ter marcado o seu regresso em 1983, mas abominava os riscos que a prova comportava, principalmente com a escalada de potências dos carros de Grupo B.
O regresso foi bem conseguido, tendo terminado a prova em quarto, atrás dos seus colegas de equipa Alén e Röhrl e do Lancia semi-oficial de Vudafieri. Os bons resultados continuaram em seguida, nomeadamente com dois terceiros lugares consecutivos nos Ralis da Nova Zelândia e Sanremo. Os seus resultados ajudaram a Lancia a vencer o Mundial de Construtores e confirmaram a clara evolução e talento do italiano, agora com 30 anos. Contudo, não se livrou de um grande susto quando se despistou com alguma violência no Rallye Costa Smeralda, logo após a Córsega. Se bem que não sofreu lesões, desta vez seria Perissinot a sofrer fracturas nas pernas."
(continua amanhã)