Normalmente saímos um pouco da nossa "zona de segurança" do nosso casulo que é aquela neutralidade objetiva, jornalística, e começamos a dar sinal das nossas opiniões, da nossa consciência. Uma vez por semana tenho essa oportunidade de dizer honestamente o que penso, para além das subtilezas nos outros dias da semana. Mas há sempre uma situação de emergência no qual temos de abandonar a nossa "posição suíça" e tomar um lado, e justificar a razão pelo qual tomamos esse lado.
Já tomei posições no passado: recentemente, decidi defender a Lotus do Tony Fernandes, e isso não me deixou de ser objetivo. Apresentei fatos e números que me convenceram que a aventura da Proton na Lotus tem poucas pernas para andar, para além de mostrar pelos fatos do passado de quem tem razão neste caso. A minha conclusão e a minha defesa de posição baseia-se simplesmente nisso, e as pessoas que defendem o outro lado fazem-me lembrar os que vão à rua nos países do Médio Oriente defender os lideres supremos: foram pagos para fazer esse papel.
Os acontecimentos no Médio Oriente, do qual ando a falar profusamente nas últimas semanas, demonstram que aquilo tudo era um barril pronto a explodir, e agora estamos a receber os primeiros estilhaços dessa explosão. Primeiro a Tunisia, depois do Egito e agora o Bahrein. E ainda temos a Argélia, a Libia, o Irão, a Siria, a Jordânia e provavelmente, Mauritânia, Marrocos e Omã.
Quando li hoje uma declaração do Bernie Ecclestone, - que sempre foi polémico, sempre a remar contra a maré - a dizer que confia nas autoridades locais e que está otimista na resolução do caso, as suas declarações fizeram lembrar o tal ministro da Informação de Saddam Hussein, que depois foi batizado pelos jornalistas de "Ali Cómico" porque ninguém acreditava nas informações que dava. Neste caso em particular, quando diz que está otimista em relação à possível acalmia da situação, só acredita quem é ingénuo, burro ou idiota. Acho que nem ele acredita no que diz. Pelos exemplos anteriores, o Médio Oriente não tem nada a perder, e no Bahrein, eles querem ser mais um exemplo a seguir por outros, tal como foram a Tunisia e o Egito.
Portanto, a partir de agora, tomei uma posição: defendo o cancelamento imediato do GP do Bahrein.
Sei dos riscos que isso acarreta: caso seja Ecclestone a cancelar, terá de devolver 60 milhões de dólares, 40 pelo acolhimento mais vinte pelo direito de ser a corrida inaugural do campeonato. Vê-se que ele está ultra-dependente dos petrodólares pérsicos, dado que as corridas de abertura e de encerramento serem ali, mas a segurança das pessoas e das máquinas é mais importante do que ter o "business as usual" num barril de pólvora como é aquela região, mesmo a Formula 1 não ter a ver com politica, como demonstrou tantas vezes no passado, quando correu contra tudo e contra todos, na Africa do Sul do "apartheid" e nos regimes repressivos da Argentina e Brasil, nos anos 70, ou agora, quando corre em ditaduras como a chinesa e em democracias musculadas como a Russia e Singapura.
Mesmo as ilhas mais isoladas são afetadas pelo mundo à volta, e agora é tempo da realidade se agitar. Tal como aconteceu em 1789, 1848, 1917 e 1989, este ano está a acontecer uma imparável onda revolucionária num Médio Oriente onde a juventude explodiu, de tanta cólera pelas ditaduras, com velhos caducos, ultra-corruptas e onde as desigualdades sociais são imensas. E agora, no tempo das redes sociais, é fácil organizar e combinar manifestações, e por muito que reprimam, eles voltam à carga. Daquilo que conheço daqueles povos, não tem nada a perder e não desistirão até conseguirem o que querem.
Esse velho caduco tem de entender que as coisas estão demasiado agitadas para colocar em marcha um evento como o Grande Prémio. E quando digo ele, digo também as equipas, patrocinadores e organizadores. Já vi que eles não se importam de correr mesmo com recolher obrigatório, tanques nas ruas e massacres, desde que as televisões não filmem. Estou a ver que não se importariam de correr no Zimbabwe, Guiné Equatorial, Afeganistão ou até em Guantanamo, se construíssem uma pista e despejassem um camião de dólares aos pés anãozinho tenebroso. Mas o dinheiro não é tudo, o bom senso e a segurança de todos é.
Gostaria de ver as equipas de Formula 1, os pilotos, mecânicos e demais, os jornalistas especializados, a dizerem que não querem correr ali. Não gostaria que a palavra final fosse dada pelas seguradoras, que encostariam Ecclestone à parede e dissesse "Lamentamos, mas não vamos segurar a tua mercadoria para o Bahrein", mas francamente, não acredito. Só quando eles mostrarem que as centenas de milhões de libras, dólares ou euros são mais fortes do que os 60 milhões que o emir al Khalifa lhe dá todos os anos para ter a Formula 1 no seu emirado é que cederá. Gostaria que fosse mais a sua consciência do que a balança do dinheiro, mas ele tem 80 anos e já não tem paciência para aprender novos truques.
Mas nada me impede de dizer para que por uma vez na sua vida, acorde para a realidade e aceite as evidências.
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