Escrevo isto porque se estivesses por aqui, terias agora 67 anos. Não te consigo ver-te como serias agora. Talvez um velho loiro, de cabelos longos e barba, talvez a gozar a reforma no sul da Europa com a tua Barbro e com os teus netos. Só não sei se seria de forma tranquila, ou então atrás de uma preparadora qualquer, a modificar Volvos C30 para o STCC ou um WTCC qualquer, guiado por algum filho teu, enquanto que tu matarias saudade das corridas, pilotando os teus Lotus num final de semana em Goodwood... mas isso são só os meus pensamentos.
Nunca te vi correr ao vivo. Tinha dois anos quando o James Hunt te atirou sem querer de frente para os rails de proteção em Monza, no qual tu atingiste mesmo em cheio. Andavas com o carro antigo, pois o novo tinhas estragado no "warm up" e não estava pronto a tempo de tu usares na corrida. Depois, o Hunt culpou o Patrese pelo sucedido e levou a sua avante, e a reputação dele ficou manchada por anos a fio. Lá se deram bem no final, e ele ficou o tempo suficiente para ter a sua reputação clarificada.
E a ironia é que em Monza sempre foste feliz. Ganhaste três corridas por lá, uma delas com um March que tiveste de arranjar à pressa quando te fartaste de estar na Lotus. Compreendo a tua fúria: querias vencer, querias correr num bom carro. Sentias que poderia ser campeão do mundo, e provaste isso vezes sem conta. Não és o piloto que ganhou mais vezes com o Lotus 72 - venceste sete corridas, menos dois que Emerson Fittipaldi - mas conseguiste fazer com que as pessoas mais se identificassem com esse carro do que o brasileiro. O teu estilo de condução pode ter-te contribuído para isso, não é?
Tu tinhas gasolina nas veias. Herdaste do teu pai, que apesar de ser padeiro, estou engenharia e teve de largar o curso porque o seu pai - teu avô - acabou por morrer e tinha de haver alguém para cuidar do negócio na tua Örebro natal. Mas o bichinho nunca morreu, afinal de contas construiu alguns bólidos de 500cc para competir, no final da II Guerra e competir localmente. Anos depois, ele construiu-te o teu Svebo de Formula 3, baseado num Brabham, e deste nas vistas no campeonato local.
Achei um piadão quando soube que a tua primeira corrida internacional foi no meu pais, em Vila Real. Um circuito desafiante, no meio da cidade. O nosso Mónaco, se perferires. Li maravilhado a tua aventura e de como levavam um enorme bidão de gasolina e tinham como mantimento os pãezinhos da tua padaria. E que quando chegaram à Alemanha descobriram que esse bidão tinha uma fuga... Era mesmo uma aventura, atravessar a Europa toda, de uma ponta a outra, naqueles anos 60.
Voltando um pouco atrás, gostaria que tivesses tido um pouco mais de paciência com o Colin Chapman. E conhecesses melhor a maneira como funcionavam os teus carros e que fosses menos ingénuo. Quando ouvi a história que tinhas arranjado um grande patrocínio, que em troca só te deu um cortador de relva, confesso que ri bastante, entre o espantado e o incrédulo. Se tivesses tido um pouco mais de paciência a aguentasses mais um bocadinho a tempestade, terias aproveitado melhor os modelos que ele desenhou e que ajudaram a abrir um novo capitulo na Formula 1. Quem sabe, tu em 1978 terias sido o primeiro piloto da equipa e tivesses ganho o campeonato do mundo! O próprio Mário Andretti fez o melhor elogio que alguma vez te fizeram sobre ti quando dizia que tinha de aplicar a fundo para estar na tua frente. Fazias suar toda a gente, Ronnie.
Por acaso, o teu dia de aniversário calha no Dia dos Namorados. Acho interessante falar desse assunto por causa de vocês dois. Sim, tu e a Barbro, que se conheceram cedo na vida e se casaram em 1975, tiveram uma linda filha. Lembro-me de ver uma reportagem dela depois que foste embora deste mundo. Triste e nostalgica, de olhar distante e com eternas saudades tuas. Nunca conseguiu levar a vida adiante, por muito que tentasse. Tinha tantas saudades tuas que decidiu um dia, perto do Natal, cortar os pulsos e esvair-se em sangue. É, o amor e as saudades têm destas coisas... tenho pena, mas só posso as compreender.
Tenho também pena que os teus conterrâneos não te dêem o teu devido valor. É certo que há uma estátua tua em Örebro, a tua cidade natal, mas havia um museu em tua honra e as pessoas que vivem na cidade ficavam espantadas pelo fato de virem tanta gente à tua cidade só para te verem. Os teus carros, os teus troféus, os teus filmes. A Câmara Municipal não achava que fosses uma utilidade pública e decidiu não apoiar o teu museu, e este fechou um ano depois de ter aberto. Uma pena, acho que deverias merecer maior consideração por parte dos teus compatriotas.
Mas para tua e nossa felicidade, o resto mantêm-se. As pessoas com quem tu privaste nunca te esqueceram e contaram todos os bons momentos que passaram contigo em todas as formas possiveis. E a cada geração que passa, esta fica a conhecer a tua história e admiram os teus feitos. Com ou sem museu. No meu íntimo, torço para que consigam de novo ter o museu na tua cidade, pois queremos mostrar às pessoas que mereces ser melhor tratado do que és agora.
De onde quer que estejas, eu, como simples fã dos teus feitos, só te posso dizer no meu pior sueco: "Hälsningar, Ronnie. Och bra lopp var du än är!" (Um abraço, Ronnie, e boas corridas onde quer que tu estejas!)
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