Fim de semana sim, fim de semana não, assistimos a corridas de Formula 1 e parecendo que não, vemos coisas que são bem raras. Contudo, nem todos têm o caderno de estatísticas na mão, nem todos tem a página da Wikipédia aberta, e nem todos tem memórias fotográficas de corridas de há 40 anos. A nossa memória degrada-se com o tempo, e é por isso que escrevemos tudo: para recordar os que se esquecem das coisas.
Calha falar disso por causa de algo raro, que assistimos este domingo: a eliminação da primeira fila de um Grande Prémio de Formula 1, na primeira volta da corrida. Vimos isso pela quarta (ou sexta) vez na sua História, e a primeira (ou terceira, se vermos o incidente de um modo mais alargado) em que ambos os Ferrari estiveram envolvidos. E o mais interessante disso tudo é que nessas vezes, foram corridas que ficaram marcadas na História, quase sempre por motivos infames. E de uma dessas ocasiões, falamos sempre dela, e até ficou colocado em documentário de Hollywood.
Mas há mais do que Suzuka, 1990. Há outros, bem interessantes, que vale a pena falar, por causa das suas consequências. Afinal, foram corridas que entraram na História.
1 - GP da Bélgica de 1977
Disputada debaixo de chuva no circuito de Zolder, a primeira fila era constituida pelo Brabham de John Watson e pelo Lotus de Mário Andretti. Atrás dele, no terceiro posto, ficou o segundo Lotus de Gunnar Nilsson e o Wolf de Jody Scheckter, e isso tudo é importante para a história que veio a seguir.
Com a chuva a marcar presença no momento da partida, Watson largou bem e conseguiu superar Andretti para ficar na liderança, mas o italo-americano reagiu, tentando ficar com a liderança, mas calculou mal a travagem a bateu na traseira do Brabham, acabando ambos a corrida por ali. Scheckter aproveitou bem para ficar com a liderança, mas com a pista a secar, e as constantes trocas de pneus, no final, quem aproveitou bem foi Nilsson, que conseguiu ali a sua única vitória na sua curta carreira na Formula 1.
2 - GP do Japão de 1990
A história é conhecida, mas vale a pena falar de novo. Tinha passado um ano sobre a polémica decisão da então FISA de desclassificar Ayrton Senna a favor de Alain Prost, e no ano seguinte, ambos os pilotos estavam na primeira fila da grelha, com Senna a correr pela McLaren, Prost na Ferrari.
Contudo, depois do brasileiro ter feito a pole, Senna pede para mudar o lugar para um mais limpo, algo do qual muitos estranharam, pois era o mesmo lugar desde... 1987, e ele tinha sido o "poleman" em 88 e 89. Contudo, nesses anos, ele sempre perdeu na partida para Prost, e sabendo que iria partir de novo num lugar mais sujo, e que iria perder tração nos metros iniciais, e avisou que iria atacar, não querendo saber se Prost estaria na sua frente ou não.
Cumpriu a ameaça: Prost largou melhor e foi para a primeira curva na frente, mas Senna não desacelerou, causando a colisão. Ambos ficaram de fora da corrida, mas como o brasileiro estava na frente da classificação, foi coroado campeão do mundo. Mas houve mais depois: Gerhard Berger despistou-se na volta seguinte, alegadamente porque queria saber... o que tinha acontecido a ambos, e Nigel Mansell destruiu a sua embraiagem depois de uma troca de pneus.
O "bodo aos pobres" calhou a Nelson Piquet e Roberto Moreno, que acabaram por fazer a primeira dobradinha da Benetton na sua história, com Aguri Suzuki a dar à Larrousse o seu primeiro pódio, e também o primeiro pódio de um piloto japonês na Formula 1.
3 - GP de Espanha de 2016
Este é mais recente, mas vale a pena ser lembrado. 41 anos depois, a Formula 1 estava de volta a Barcelona, mas num circuito permanente, em Montjuich. E como sabem, a Mercedes dominava em toda a linha, com Lewis Hamilton e Nico Rosberg a monopolizar a fila da frente para os Flechas de Prata.
Contudo, ambos lutavam sempre pela melhor posição, em duelos de cortar a respiração, como no Bahrein, em 2014, mas sempre tinham sido duelos leais, sem toques ou incidentes de maior. Mas nesse dia de 2016, na curva 3, ambos desentenderam-se, quando Hamilton foi para a direita, numa altura em que Rosberg lançou o seu ataque ao inglês, tentando passá-lo. O incidente foi tal que ambos acabaram na gravilha, abandonando ali e lançando o espanto de todos os que assistiam à televisão naquela tarde.
Acabou por ser o único abandono de ambos os Mercedes naquele ano, e quem aproveitou bem foi Max Verstappen. O holandês tinha vindo da Red Bull na semana anterior, depois da equipa de Milton Keynes ter despromovido Daniil Kvyat devido as suas performances decepcionantes na Red Bull. O filho de Jos Verstappen aproveitou bem e aos 18 anos, tornou-se no mais jovem vencedor de sempre na Formula 1.
Menção Especial (I) - GP de Espanha de 1975
O GP espanhol, que naquele ano foi no circuito de Montjuich, começou com polémica: a má colocação dos guard-rails ao longo do veloz circuito citadino, nas ruas do Parc Montjuich, em Barcelona, fez com que os pilotos se revoltassem e ameaçassem em fazer greve. A organização contra-atacou, ameaçando apreender os carros por ali, fazendo com que chegassem a um acordo. A corrida foi adiante, mas alguns pilotos, como Emerson Fittipaldi, decidiram boicotar a prova, parando nas boxes após a primeira volta.
Clay Regazzoni e Niki Lauda partilharam a primeira fila com os seus Ferrari, mas nos primeiros metros, desentenderam-se e acabaram por se eliminar, não por culpa deles: é que Vittorio Brambilla, sempre veloz (mas desajeitado) com o seu March, tocou na traseira do carro do suíço, fazendo bater no carro do seu companheiro de equipa, acabando por ser eliminados. Quem também foi envolvido no acidente foi o Parnelli de Mário Andretti.
Lauda ficou por ali, mas Regazzoni, Brambilla e Andretti continuaram em prova. Contudo, o súiço acabou por perder uma volta e não ser classificado, enquanto que italo-americano da Parnelli marcou a volta mais rápida, antes de desistir na volta 16 com a suspensão quebrada - e o italiano da March chegou ao fim no quinto posto. Mas a prova, que nascera complicada, teve um final trágico na volta 29, duas voltas depois de Rolf Stommlen, que liderava no seu Hill, viu a sua asa traseira voar em plena reta e foi desgovernado contra as bancadas, matando cinco pessoas.
Menção Especial (II) - GP da Grã-Bretanha de 1976
Se formos ver bem, esta também é uma corrida onde os dois primeiros classificados envolveram-se numa carambola na primeira curva do GP britânico, que naquele ano aconteceu em Brands Hatch. Mas os critérios impedem que esteja envolvido nesta contagem. Contudo, como é algo parecido, também é uma história que vale a pena contar, pelas circunstâncias e pelo resultado final.
Na qualificação, Niki Lauda consegue ser mais veloz do que James Hunt, num campeonato que parecia ser uma caminhada imparável do austríaco rumo ao segundo título mundial consecutivo. Mas o austríaco tinha desistido na corrida anterior, em França, e Hunt aproveitou para ganhar. E em Brands Hatch, a pista estava cheia de gente para apoiar o piloto da McLaren.
Hunt teve uma má largada e Regazzoni aproveitou para o passar. O suíço teve um arranque tão bom que em Paddock Hill Bend, ambos os pilotos estavam lado a lado, acabando por colidir. A colisão apanha Hunt e o Ligier de Jacques Laffite, espalhando destroços pela pista e fazendo com que a corrida fosse interrompida. E é isso que diferencia dos outros: para além de não ser uma colisão direta, a corrida foi imediatamente interrompida, e todos os carros foram reparados.
Mas os regulamentos dizem que os carros só podem participar numa nova partida se completarem uma volta inteira pela pista, algo que nem Regazzoni, Hunt, e Laffite fizeram. Foram excluídos de inicio, mas quando os espectadores ouviram pelos altifalantes que o britânico da McLaren estava de fora, revoltaram-se, atirando garrafas de cerveja para o meio da pista, perigando a integridade dos pilotos. No final, todos acabaram por ser integrados, mesmo correndo o perigo de desclassificação.
No fim, Hunt passou Lauda na subida para os Druids na volta 45 para vencer, mas os resultados foram contestados pela Ferrari, que acabou por o desclassificar, dando a vitória a Lauda.