Juan Manuel Fangio a ser cumprimentado por Fulgêncio Batista durante o fim de semana do GP de Cuba, em 1958, numa fotografia tirada por Bernard Cahier, dias antes do seu rapto pelos revolucionários castristas. Curiosamente, ao fundo desta foto, está outro piloto, o alemão Wolfgang Von Trips.
Fidel Castro morreu este sábado de manhã, aos 90 anos de idade, em Havana, depois de 47 anos de poder e praticamente 60 anos depois de ter desembarcado em Cuba, a bordo do iate "Granma", com Ernesto "Che" Guevara e outros revolucionários, para iniciar a guerrilha que iria derrubar Fulgêncio Batista, outro ditador cubano.
Contudo, o envolvimento de Fidel no automobilismo tem a ver com um dos episódios mais espectaculares da história da guerrilha: o sequestro de Juan Manuel Fangio, em 1958, quando ele participava no GP de Cuba, em Havana. Fulgêncio Batista tinha ideias de atrair dinheiro americano ao seu país, propagandeando-o como se fosse um destino turistico, com praias de areia branca e casinos, fazendo concorrência com Las Vegas. O GP de Cuba existia desde 1957, com a sua primeira edição a ser um sucesso, e onde Fangio tinha sido dado sete mil dólares - uma soma considerável para a época - para correr a bordo de um Maserati, contra Stirling Moss e Eugenio Castelloti, entre outros.
Em 1958, as atividades da guerrilha estavam cada vez mais fortes e ousadas. Duas pessoas, Faustino Perez e Oscar Lucero Moya, arquitectaram um plano para estragar os planos de Fulgêncio Batista para lucrar com o Grande Prémio. E qual era? Sequestrar Fangio. Com a anuência de Fidel.
Fangio estava em Havana desde o dia 21 de fevereiro, e dois dias depois, a 23, no átrio do Hotel Lincoln, Fangio juntara-se a outros amigos, como Alejandro de Tomaso (sim, esse mesmo De Tomaso!), o mecânico Guarino Bertochi e o "manager" Marcelo Giambertone, entre outros.
E de repente... “Estavamos a ter uma conversa quando de repente um homem com um casaco de cabedal nos aproximou", recordou Fangio. "Tinha uma pistola automática na sua mão e disse, de modo firme e decisivo que não nos deveriamos mexer ou nos mataria". O homem com a pistola na mão era Oscar Lucero, e os seus cumplices estavam espalhados na sala. A principio, Fangio pensava que era uma brincadeira, mas quando viu que não era, perguntou-lhe onde o levaria. Disse que o levaria para um sitio seguro e não tinham intenções de o fazer mal.
“Descobri depois que haviam três carros envolvidos,” disse Fangio. “Eles guiavam devagar para não atrair as atenções. As pessoas que viajavam comigo pediram-me desculpas por aquilo que estavam a fazer, mas o que queriam era atrair a atenção do mundo para a sua causa".
Chegados a uma casa segura, informaram ao mundo que Fangio estava nas suas mãos. Como seria de esperar, a noticia correu mundo e eles informaram que só libertariam após a corrida. O governo de Batista, enfurecido e humilhado, entrou numa caça ao homem para apanhar os seus raptores, mas sem sucesso.
A corrida começou com hora e meia de atraso, e Maurice Trintignant iria correr no lugar de Fangio no seu Maserati. A corrida começou com um duelo entre o americano Masten Gregory e o britânico Stirling Moss, mas na oitava volta, o Ferrari de dois litros conduzido pelo cubano Armando Garcia Cifuentes, despista-se numa curva à frente da embaixada americana e embate num guindaste cheio de pessoas. Isto causou a morte de seis pessoas e ferimentos em mais quarenta. A corrida foi imediatamente interrompida e ironicamente, o seu rapto pode ter-lhe salvo a sua vida... pelo menos na pista, porque ele ainda estava em perigo. Como entregá-lo a são e salvo, sem que os esbirros de Batista o apanhassem?
A solução foi entregá-lo à embaixada argentina. Depois de garantias por parte do embaixador argentino de que não seriam perseguidos, eles o largaram por lá. Descobriu-se depois que o embaixador, Raul Lynch, era familiar... de Ernesto "Che" Guevara, mas Fangio lá chegou, são e salvo. Ali conversou com um jornalista mexicano que contou as coisas da seguinte forma:
"Bem, esta foi mais uma aventura. Trataram-me de modo excelente, tive as mesmas comodidades que teria se estivesse entre amigos. Se aquilo que os rebeldes afirmam é uma boa causa, eu, como argentino que sou, aceito-a".
Fangio voltou a Cuba em 1981, ao serviço da Mercedes, para ajudar o governo local. Fidel recebeu-o bem, e quando comemorou o seu 80º aniversário, dez anos mais tarde, o governo cubano mandou uma mensagem de felicitações, agradecendo a sua simpatia e colaboração pela causa, assinando-a como... "seus amigos, os sequestradores".