O Natal é um para descansar, comer as doçuras da temporada e esperar pelo Novo Ano, porque logo a seguir vem provavelmente o Dakar e uma temporada que ainda sofrerá com os efeitos da pandemia. Como sabem, no WRC, o Rali de Monte Carlo não vai ter espectadores, e o da Suécia foi cancelado. Há rumores sobre o adiamento da temporada de Formula 1, que está marcada para março, na Austrália, e na Formula E, a ronda dupla de Santiago do Chile foi adiada para março, por causa da pandemia e de alegados pesadelos logisticos por causa de boa parte dos materiares virem da Grã-Bretanha, embora se ouviu que esses materiais já estariam no Chile quando o anuncio do adiamento foi feito.
E é um pouco sobre essa última categoria que quero falar. Num ano em que foi elevado a campeonato FIA, onde o campeão do mundo foi português, e foi votado como o terceiro melhor piloto de 2020, as noticias da saída da Audi e da BMW da competição abalaram um pouco as coisas, mais os avisos por parte de Porsche e Mercedes de que, apesar de manterem a aposta nos eletricos, há alternativas competitivas. Contudo, esta semana, uma entrevista feita a Loic Duval, veio colocar mais tinta sobre a competição. O piloto francês, que correu por três temporadas na Dragon Racing, antes de ir para o DTM, ao serviço da Audi, decidiu detonar a competição.
Na tal entrevista à Autosport britânica, afirmou:
"Não gosto da Fórmula E porque, para mim, os carros não são rápidos. E gostaria de dizer que gosto das localizações onde decorrem os eventos, do formato da coisa, gosto das corridas nas cidades. Mas eu pude correr, fazer alguns anos na Fórmula E atrás do volante. E atrás do volante, como piloto, não gostas tanto quanto gostas de outros carros com mais potência e aderência."
E continuou: "Quem quer que seja o piloto que diga hoje que a Fórmula E é ótimo de conduzir é porque está no campeonato e é pago para isso, para correr. Com certeza que não pode ser contra. Mas não pode ser tão agradável quanto um carro LMP, como um carro DTM ou um carro Super GT, com certeza".
Claro, a entrevista não passou despercebida. Alguns dos seus colegas reagiram "defendendo" a sua dama, e refutando as acusações de Duval, ora com ironia, ora afirmando que deve ser visto como uma classe à parte e não ser comparado com nada.
"Se recebes alguns milhões para conduzir carros de corrida pelas cidades mais incríveis do mundo, cara a cara com pilotos altamente talentosos... e promovendo tecnologia sustentável ao longo do caminho... Acho que há empregos piores por aí.", ironizou Lucas Di Grassi na sua conta do Twitter.
"É uma combinação muito boa de carros e pistas, proporciona um show muito porreiro, é um desafio conduzir em traçados citadinos. E mais do que isso, é um palco para os fabricantes apresentarem e desenvolverem os seus carros de estrada. O mais importante é empurrar o mundo da mobilidade na direção certa", defendeu António Félix da Costa, o campeão de 2020, também no Twitter.
Primeiro que tudo, vamos a ver o seu palmarés na competição. Dois terceiros lugares e duas voltas mais rápidas foi o que conseguiu em três temporadas na Dragon, entre 2014-15 e 2016-17. Pode-se ir por aí e dizer que o piloto de 38 anos não foi bem sucedido, logo, toca a dizer mal da competição. Mas há certas coisas no qual ele tocou na ferida, e também quis falar disso para atiçar aquela que é provavelmente uma das discussões mais presentes sobre isto.
Contudo, eu sei que há muitos anticorpos em relação à Formula E. Há muitos fãs de automobilismo que odeiam por ela ser tudo aquilo que foram aducados a gostar. Não faz barulho, é lenta, só correm em cidades, não gostam dos carros, não gostam dos incentivos que os pilotos têm, desde o "Time Attack" atá ao "Fanboost", onde o publico interage com os seus pilotos favoritos afirmando que "não é desporto" etc e tal. Esquecemo-nos que os fãs vêm isto de forma apaixonada, que tem como ideal algo que só existe na cabeça deles. E há gente conservadora e classista, que odeia o futuro, e gostaria de que cristalizasse a sua ideia de automobilismo na cabeça para sempre.
E ao longo dos muitos anos, sei de gente que acha que o automobilismo só pode ser a Formula 1, só pode ter motores de combustão interna, desde V8 a V12, e tudo o resto deveria ser retirado. A ideia deles deveria ser como foi na sua infância, especialmente se for o que acontecia nos anos 70 e 80 do século XX. São as velhas ideias. Desejam o cheiro da gasolina, sangrar dos ouvidos pelo barulho e enjoar do cheiro a borracha queimada. E sei de gente que odeia ralis, odeia as provas de Endurance, porque acham que qualquer corrida de mais de uma hora é "chata", que não acham piada a eSports, corridas de simuladores, que a única coisa que querem ver é o real, quando se calhar, nunca foram a um autódromo na vida...
Mas também sei de gente que odeia tudo que é prova americana, como a NASCAR e a Indy. Ha quem jure que nunca verá provas de "drag racing", afirmando que isso não é "competição". Em suma, são facções, que tem uma reação emotiva a isto. E por vezes, essa discussão envenena a convivência saudável entre as pessoas que têm a paixão do automobilismo em comum.
Claro, a Formula E tem defeitos. É pouco potente? Claro, 275 cavalos não tem nada a ver com os mil dos V6 Turbo da Formula 1. Só correm em pistas citadinas? Verdade, mas a ideia é mesmo essa: pode-se assistir a isto sem ser incomodado pelo barulho. E essa gente ainda não entendeu que a maioria das pessoas, que não acompanha o automobilismo com paixão como acompanha esta gente, esqueceu-se que o mundo lá fora mudou bastante. Barulho e cheiro já não é uma coisa boa. O aquecimento global é um facto, quer queiram, quer não, e eles se tornaram numa minoria. Pior, a sua teimosia pode torná-los em maus da fita.
Podem também falar mal dos "Fanboost" e do "Attack Mode", mas a Formula 1 tem DRS e asa móvel, que também é um auxiliar para facilitar as ultrapassagens, logo, ao falar dos auxílios de um, não andam a ver os seus telhados de vidro. Pode-se falar de inveja, porque tem as marcas que eles gostariam de ver na Formula 1, por exemplo, mas no final é pura emoção. As paixões são assim.
Para mim, essas paixões podem ser irritantes. Considero que todos têm o seu lugar. Ninguém quer substituir um pelo outro. Eu, que sou adepto da tecnologia e das novas ideias, sei perfitamente que estamos num outro século, que as coisas tem de eoluir e há desafios enormes pela frente, do qual a tecnologia tem um papel para resolver esses problemas. Meter a cabeça na areia e fingir que está tudo bem não é a solução.
Agora, seria interessante se a Formula E divulgasse os salários dos seus pilotos, em nome da transparência. Tenho a certeza que ganham muito menos do que os 30 ou 35 milhões que ganha um Lewis Hamilton ou um Sebastian Vettel, mas seria ótimo se dissessem, por exemplo, quanto é que o António Félix da Costa conseguiu, ou se tinha algum prémio por alcançar o campeonato que acabou por conseguir.
Em suma, todas as competições tem os seus fãs e seus detratores. É preciso defender a sua dama, mas acima de tudo, respeitar os outros, mesmo não concordando. E que o mundo gira e avança.