Que Anthony Colin Bruce Chapman foi provavelmente um dos melhores engenheiros automobilísticos da segunda metade do século XX, é um facto. Que ele explorou como ninguém os "loopholes" existentes nos regulamentos da Formula 1, também é verdade. E que ele foi, indiscutivelmente, a pessoa que mais inovações trouxe à categoria máxima do automobilismo, também é verdadeiro. Sem ele, creio que esta ainda andaria no tempo dos "charutos", com motores ultra-potentes, pois poucos, hoje em dia, conseguem pensar "fora da caixa". Não é só por causa das imensas regulações hoje existentes em termos aerodinâmicos, mas porque pouco tem imaginação para construir algo diferente. Talvez Adrian Newey e Ross Brawn consigam hoje em dia, e pouco mais.
Mas Colin Chapman foi um homem complexo. De uma certa forma, ele construiu um labirinto tal que ele muitas das vezes ele mesmo se viu enredado. Tinha vidas paralelas, quer em termos de negócio, quer em termos pessoais. Tinha a mulher oficial e as ocasionais amantes, pagava impostos como toda a gente, mas havia sempre um esquema no qual ele conseguia colocar algum numa "offshore" no Panamá, onde assim escapava aos pesados impostos que as autoridades britânicas aplicavam às industrias. Aliás, era assim que pagava os salários aos seus pilotos, por exemplo. Um esquema que vinha desde os tempos de Jim Clark e Graham Hill.
Nos próximos dias, quando for publicada a edição deste mês da revista Speed, falarei sobre "
Os últimos dias de Colin Chapman". E daquilo que li e vi, acho que daria para um bom filme de Hollywood, se calhar com o
Ewan McGregor no papel de Chapman e
George Clooney no papel de
John DeLorean, pois esses últimos tempos são dedicados ao DeLorean DMC-12, que tem como base um modelo seu, o Lotus Esprit.
Publico aqui - em antecipação, é verdade - um extenso extrato sobre esses últimos dias e estes esquemas extraordinários para financiar - e depois salvar - um projeto estrambólico, para dizer o mínimo:
(...) Antigo “numero dois” da General
Motors, [John] DeLorean era um génio de marketing que tinha criado o primeiro “muscle
car” com o Pontiac GTO, em 1964, imediatamente antes de sair o Ford Mustang.
Demitira-se da companhia em 1973 para prosseguir o seu sonho: ser construtor de
automóveis. A DeLorean tinha aparecido em 1975 e o seu primeiro projeto iria
ser o modelo DMC-12C. Desenhado por Giorgetto Giugiaro, ele queria construir
com um composto ainda não testado, chamado Elastic Reservoir Moulding (ERM),
que basicamente serviria para ter um carro mais leve, e assim baixar os custos.
Ao procurar um lugar para montar
a sua fábrica, considerou primeiro a Republica da Irlanda, antes de atender ao
pedido para que considerasse uma localização na Irlanda do Norte, mais
concretamente em Belfast. Ele concedeu, e em 1978, concordou em construir uma
fábrica em Dunmurry, nos arredores de Belfast. Convenceu o governo britânico,
então liderado por James Callaghan, em conceder ajudas no valor de 35 milhões de
libras para montar a fábrica, prometendo criar 2500 empregos e que iria ter os
primeiros carros na estrada em 1979.
Mas em 1981, não havia qualquer
carro a sair da fábrica e DeLorean perdia dinheiro e os investidores perdiam
confiança. Assim sendo, ele pediu a Chapman que ajudasse a melhorar o projeto do
seu carro. Ironicamente, Chapman tinha ficado inicialmente furioso com o
projeto da DeLorean, especialmente na parte dos subsídios que o governo tinha
prometido ao construtor americano, em vez de conceder a Chapman, que sempre tinha
ajudado a indústria automóvel britânica. (...)
(...) Após quatro meses de negociações,
algo tensas, acordo foi concluído a 1 de novembro de 1978 em Genebra, com o
valor de 18 milhões de dólares, e uma parte das ações da DeLorean, Chapman
tentaria convencer o governo britânico a injetar mais algum dinheiro no
projeto. Para isso, falou com a pessoa que sabia melhor do assunto: Margaret
Thatcher. Em 1981, esteve nas instalações de Hethel e convenceu-a a financiar o
projeto. Ela acedeu, concedendo-lhes mais apoios, que no final iriam totalizar
80 milhões de libras para a fábrica de Belfast.
Com a ajuda de Chapman, transformou o carro a partir de um modelo seu
existente, o Esprit, os carros iriam sair a partir desse ano da fábrica de
Dunmurry e De Lorean, confiante, afirmava que sairiam três mil automóveis por mês
para satisfazer a crescente procura que já aparentemente já existia nos Estados
Unidos. (...)
(...) O que ninguém sabia na altura era
que DeLorean não aplicava todo o seu dinheiro na empresa. Tinham um estilo
extravagante de vida e tinha feito alguns negócios “por debaixo da mesa”. E é
aí que Chapman entra no esquema. Quando o contrato inicial de colaboração é
assinado, em 1978, o valor é de 18 milhões de dólares, mas na realidade foi o
dobro, com metade ir para uma conta situada no paraíso fiscal do Panamá chamado
Grand Prix Drivers (GPD).
Chapman tinha criado essa empresa
em meados dos anos 60 com a ajuda do seu contabilista, Fred Bushell, para
escapar às rígidas leis fiscais britânicas, e servia para diversos serviços,
desde pagamentos aos seus pilotos até para a sua própria conta pessoal, e em
1978 serviu para Chapman ter um melhor fundo de maneio para ele mesmo e para a
equipa. Só que esse dinheiro não era de DeLorean, mas sim do governo britânico.
Os confusos esquemas financeiros
de DeLorean e Chapman funcionariam se as criticas ao carro fossem boas e as
vendas do DMC-12C corressem bem. Mas em meados de 1982, nada disso acontecia e
De Lorean estava desesperado por dinheiro fresco para fazer andar por diante o
seu projeto. (...)
Mas John DeLorean não foi o unico esquema louco que Chapman se tinha metido, ou se tinha deslumbrado. Pouco tempo antes, tinha conhecido David Thiemme, um engenheiro americano que a meio dos anos 70 tinha vendido o seu negócio de engenharia e investido muito dinheiro com o negócio de compra e venda de petróleo, sob o nome Essex Petroleum, e quando a segunda crise petrolifera surgiu, em 1979, tinha ficado multimilionário. Aparentemente, só nesse ano, tinha conseguido 70 milhões de dólares de lucro.
Thiemme, um homem que cultivava a sua imagem - sempre de óculos escuros e chapéu andaluz, para esconder a sua careca - ficou admirado com Chapman. O interesse foi mútuo e Thiemme injetou muito dinheiro na equipa em 1980. A tal ponto que a apresentação do carro, o Lotus 81, no Royal Albert Hall de Londres, custou à volta de um milhão de dólares. Suficiente para o orçamento de uma equipa de tamanho médio, por exemplo.
Chapman estava deslumbrado com a boa vida e deixou-se influenciar por isso. Tanto que, quando Thiemme foi apanhado pelas autoridades suiças com acusações de fraude - nunca provadas - ele ficou desiludido e sem apoio financeiro. Quando a Essex declarou falência, em meados de 1981, voltou-se para a Imperial Tobacco e os carros negros e dourados tinham voltado. Mas pouco antes, tinha ficado também magoado com a recusa da FISA de legalizar o Lotus 88 de casco duplo - um raro conluio entre Jean-Marie Balestre e Bernie Ecclestone, numa era de conflito entre os dois, aque ficou para a história como a Guerra FISA-FOCA - e ele pensava seriamente em abandonar a competição.
Mas depois, as coisas tinham-lhe corrido bem. Tinha vencido uma corrida na Austria e começava a explorar as possibilidades dos motores Turbo. Mas no fim de 1982, o esquema da DeLorean caía como um castelo de cartas.
(...) Em outubro desse ano, DeLorean é
preso numa operação do FBI e da DEA (Drugs Enforcement Agency) e acusou-o de
estar por trás de uma operação de introdução de cocaína dos Estados Unidos, no
valor de 24 milhões de dólares. Isso tinha acontecido após uma reunião em Nova
Iorque, em julho desse ano, onde se encontrou com uma personalidade do mundo do
crime, que na realidade, era um informador do FBI. A reunião tinha sido gravada
pela agência e baseado unicamente nessa gravação, avançou para a operação. A
notícia causou ondas de choque um pouco por todo o mundo e foi o prego que
faltava no caixão da marca, que declarou falência logo a seguir, fechando a
fábrica de Dunmurry em dezembro e colocando 2500 trabalhadores no desemprego. O
investimento do governo britânico tinha-se esfumado e dos 30 mil carros que De
Lorean queria construir por mês, apenas nove mil foram construídos durante a
sua existência.
Por essa altura, em Hethel, Chapman já desenhava o carro para a próxima
temporada, o primeiro com motores Renault Turbo, e em Londres, com a falência
da De Lorean declarada e as autoridades fiscais britânicas a entrar em cena, os
rumores de fraude no projeto da fábrica norte-irlandesa eram cada vez maiores,
e o nome de Chapman e de Bushell estavam cada vez mais envolvidos, embora o
nome principal era o próprio De Lorean. Mesmo Chapman, ocupado com o projeto do
carro para 1983, e a desenhar o projeto da suspensão ativa, sentia a pressão.
Em outubro, tinha recebido um membro da comissão liquidatária, que já tinha
descoberto os papéis do contrato que tinha feito com DeLorean. Chapman negou a
existência de tal contrato. (...)
Colin Chapman morreu - vítima de um ataque cardíaco fulminante na sua casa de Hethel, ao lado da sua mulher Hazel, às 4 da manhã do dia 16 de dezembro de 1982 - na pior altura possível: no meio da tempestade. E numa altura de transição entre os carros de efeito-solo para os turbocomprimidos - ele tinha elaborado um esquema de suspensão ativa que iria ser experimentada no dia em que acabou por morrer - a sua falta foi tremendamente sentida, apesar de Gerard Ducarouge ter feito excelentes carros, principalmente no período em que teve Ayrton Senna como piloto. Certamente, se Chapman estivesse vivo em 1985, teria ficado agradado com ele, e talvez o veria como um novo Jim Clark.
Mas Chapman, como disse no parágrafo anterior, morreu em plena tempestade. Já estava a ser acossado pelo governo britânico, que sabia sobre o contrato que Chapman tinha assinado com DeLorean, e certamente, queria o dinheiro de volta. No final, somente o seu contablista, e braço-direito - Fred Bushell, foi julgado e condenado por três anos devido a fraude. O próprio DeLorean foi julgado nos Estados Unidos, mas como o DEA fez mal as coisas, os jurados não se decidiram e DeLorean foi colocado em liberdade. Claro, não mais recuperou a sua reputação, e passou o resto da vida a fazer isso mesmo. Morreu em 2005, aos 80 anos.
A morte de Chapman foi, como se podia esperar, um choque. Um choque tal que, aliado a que pouca gente viu o seu corpo e o seu funeral foi tão veloz que, claro, surgiram as teorias de conspiração, principalmente as que diziam que Chapman estaria no Mato Grosso, escapando da justiça britânica porque nessa altura, a Grã-Bretanha não tinha um acordo judicial com o Brasil para o extraditar, um caso que ficou famoso com Ronald Biggs, um dos autores do Grande Assalto ao Comboio (Trem), em 1963. E ainda hoje, há quem - a brincar ou nem tanto - não deixam deixar morrer essa possibilidade, como os que ainda hoje dizem que "Elvis está vivo".
Uma coisa é certa: depois de Chapman, a Formula 1 perdeu muita da sua inovação. Poucos pensavam "fora da caixa" como ele, e depois disso, este automobilismo tornou se demasiadamente regulamentada e artificializada, perdendo muito do objetivo de ser uma categoria de ponta, com o descobrimento e teste de novas tecnologias que anos depois, estariam dentro dos carros de estrada. Hoje em dia, com Bernie Ecclestone ao leme, a Formula 1 privilegia a vertente do espectáculo à vertente tecnológica. Os equilibrios são artificiais, os pneus são artificialmente fracos, os carros, apesar de serem feitos por chassis diferentes, só mesmo os mais experientes é que descobrem as diferenças. E tornou-se quase num "último reduto" dos projetistas, porque nos outros lados, à exceção da Endurance, são categorias de chassis monomarca.
Contudo, mesmo com a sua morte e as suas dúvidas quanto ao seu estilo a roçar a legalidade - que Johnny Cash tão bem cantou na sua musica "I Walk The Line" - Colin Chapman deixou um legado que hoje em dia pode ser apreciado e reconhecido como um dos maiores génios da história do automobilismo. Apenas porque queria que os seus carros fossem simples, leves e velozes. E estivessem à frente da concorrência.