Três semanas depois da corrida de Jerez,
Ayrton Senna continuava na busca por vitórias, pois esta era a única chance de revalidar o seu título, contra o seu companheiro e maior rival, o francês
Alain Prost. Como nessa altura valia o sistema em que só eram contabilizados os onze melhores resultados, a regularidade do piloto francês penalizava-o, pois tinha de deitar fora pelo menos cinco pontos, algo que Senna não estava abrangido, dado que tinha pontuado menos vezes, mas raramente tinha conseguido pior que um segundo lugar. Assim sendo, quando máquinas e pilotos chegaram a Suzuka, palco do GP do Japão, Senna não podia ter o luxo de não conseguir mais do que a vitória, sob pena de entregar o título a Prost. E o piloto francês sabia disso.
Mas a pista japonesa era também palco de mais algumas mudanças, pelo menos nos pilotos.
Gunther Schmidt, patrão da Rial, corria com o suíço
Gregor Foitek da equipa, depois deste ter despedaçado um chassis em Jerez (embora o acidente tinha sido causado por uma falha estrutural e não por erro do piloto) No seu lugar vinha
Bertrand Gachot, recém-despedido da Onyx. Na Minardi,
Pierluigi Martini tinha problemas de saúde motivados por uma luxação em duas costelas causada… quando comemorou o seu quarto lugar na grelha de partida em Jerez. Foi substituído pelo seu compatriota
Paolo Barilla, piloto com experiência nos sport-Protótipos e herdeiro da firma de lacticínios italiana Barilla.
A corrida japonesa começava com as pré-qualificações, com os pilotos a tentarem a sua sorte em busca dos quatro lugares mágicos que lhes permitiam ter o acesso à qualificação. Os felizes contemplados tinham sido os Larrousse-Lamborghini de
Philippe Alliot e
Michele Alboeto, o Zakspeed-Yamaha de
Bernd Schneider e o Osella-Cosworth de
Nicola Larini.
Depois das pré-qualificações, passava-se para as sessões de qualificação de Sexta-feira e Sábado. Aí, com os japoneses a darem o melhor material, aliado às capacidades de Senna na pista, particularmente com este tipo de provas, o piloto brasileiro partiu decisivamente em busca da pole-position. E conseguiu-o, com o tempo de 1.38.041, a meros… 1,7 segundos do segundo classificado, Alain Prost. Era essa a sua superioridade em pista e a sua determinação em ganhar, para levar a contenda para Adelaide.
Na segunda fila estavam os Ferrari de
Gerhard Berger e
Nigel Mansell, enquanto que a terceira fila era constituída pelo Williams-Renault de
Riccardo Patrese e o Benetton-Ford de
Alessandro Nannini. Na quarta fila estavam o segundo Williams de
Thierry Boutsen e o Larrousse-Lamborghini de Philippe Alliot, e a fechar o “top ten” estavam o Brabham-Judd de
Stefano Modena e o surpreendente Osella-Ford de Nicola Larini.
Dos 30 carros que participaram na qualificação, os quatro azarados que ficaram de fora na participação para a corrida foram o Ligier de
René Arnoux, o Larrousse-Lamborghini de Michele Alboreto e os Rials de Bertrand Gachot e
Pierre-Henri Raphanel.
O dia da corrida acontecia sob céu nublado, mas sem grandes hipóteses de chuva. A tensão sentia-se no ar, pois aqui era o palco decisivo do campeonato do mundo de Formula 1 e não se sabia como é que isto iria terminar. O primeiro grande momento da corrida é quando os carros largam, e Prost consegue ultrapassar Senna na primeira curva, vítima de uma largada tão má que Berger até consegue ficar ao lado do brasileiro. Contudo, este segurou o segundo posto e partiu ao ataque de Prost.
Mas o francês tinha aproveitado o início da corrida para construir uma vantagem sólida, que chegou até aos sete segundos à volta da 23ª passagem pela meta. A perseguição estava montada, só que Senna não tinha um bom jogo de pneus consigo. Só o teve a partir da 22ª volta, quando montou novos pneus no seu carro, e a vantagem foi diminuindo gradualmente. Na volta 30, esta tinha chegado aos dois segundos, e diminuía gradualmente, com o brasileiro a fazer sucessivamente a volta mais rápida.
Mais atrás, Berger tinha ficado durante muito tempo com o terceiro posto, até que a caixa de velocidades semiautomática cedeu na volta 34. No seu lugar veio o Benetton de Alessandro Nannini, ameaçado pelo Ferrari de Mansell, mas quando a caixa de velocidades semiautomática de Mansell também cedeu, na volta 43, estava mais tranquilo no terceiro posto, pois os Williams de Patrese e Boutsen estavam muito longe.
Quando Mansell encostou à berma, já Senna cheirava os escapes de Prost. Desde a volta 40 que ambos os carros circulavam juntos, com diferenças inferiores a um segundo. Senna e Prost tinham carros diferentes em termos de afinação: o francês tinha mais velocidade de ponta, enquanto que o brasileiro era mais rápido em curva, para compensar a menor velocidade em recta que tinha. Ambos já tinham aberto uma diferença sobre Nannini que chegava a um minuto.
Na volta 46, Senna aproveita bem a sequência de curvas Spoon-130R para chegar mesmo na traseira de Prost, para que pudesse tentar ultrapassá-lo na chicane antes da recta da meta. Mas Prost sabia que ele iria tentar a ultrapassagem, e quando foi a altura de ambos os carros chegarem à chicane… Prost fecha a porta. Mas Senna não desiste e ambos acabam presos um no outro.
Prost sai imediatamente do seu carro (
para muitos é o sinal de que a sua manobra foi propositada, mas para outros não é nada mais), enquanto que Senna gesticula com os comissários para que o ajudassem a tirar o seu carro dali, pois estavam em zona perigosa. Os comissários lá fizeram, e Senna, cujo motor tinha morrido no embate, aproveitou o facto da chicane ser em zona de descida para recolocá-lo a funcionar. Isso resultou e o brasileiro voltou à pista, fazendo “corta-mato”. E para piorar as coisas, tinha o bico partido, logo, tinha de fazer uma paragem extra nas boxes para o substituir.
“
Depois do acidente à 47ª volta, Alain Prost deixa o carro engatado (difícil para os comissários tirarem dali mas até concedemos a dúvida do esquecimento natural
) para ver, incrédulo, no local, vendo a manobra de retirada do McLaren de Ayrton [Senna]
e seu posterior regresso à pista, e dirige-se ás boxes, assediado por jornalistas, entre os quais Franco Lini e Nigel Roebruck. Insinua-lhes que Ayrton Senna estaria desclassificado. Por que motivo? Apenas este lhe parece que deve ser desclassificado…”Francisco Santos, Anuário Formula 1 1989/90, Ed. Talento/Edipromo, Pag. 138
Entretanto, o comando pertencia a Nannini, mas Senna voltou à pista determinado a ficar com o primeiro lugar, e em cinco voltas, guiando no limite das suas capacidades, no final da 51ª volta, Senna ultrapassava o piloto da Benetton no mesmo lugar do acidente. E assim foi até à meta, com o primeiro posto e a esperança de discutir o mundial em Adelaide ainda de pé.
Mas pouco depois, os comissários de pista decidiram que Senna tinha cortado a chicane e desclassificaram-no por isso. Perdendo os nove pontos da vitória, isso significava automaticamente que o campeonato daquele estava atribuído ao piloto francês. Quanto ao primeiro lugar, esse caia nas mãos de Alessandro Nannini, que subia ao lugar mais alto do pódio pela única vez na sua carreira. A seu lado estavam Riccardo Patrese e Thierry Boutsen, ambos da Williams, e nos restantes lugares pontuáveis ficaram o Lotus-Judd de
Nelson Piquet, o Brabham-Judd de
Martin Brundle e o Arrows-Judd de
Derek Warwick, um resultado incrível, pois partira do 26º posto, o último lugar qualificável da grelha.
“[Senna]
volta ao motorhome da McLaren-Honda. Encontra Alain Prost, que lhe fala (era a primeira vez que falavam desde Mónaco)
para lhe dizer ‘como sentir ter tudo acabado assim’.
Ayrton [respondeu]:
‘Só lhe disse para desaparecer da minha vista, de uma forma que o Ron (Dennis) entendeu bem que a coisa iria ficar preta, e levou o francês dali para fora”.
Duas horas depois de tudo terminado, o presidente Balestre explicou na imprensa o desenrolar dos acontecimentos. A McLaren reclamara da decisão da direcção da provam nas os Comissários Desportivos, depois de verem por trinta vezes o vídeo do acidente, decidiram manter a decisão inicial.”Francisco Santos, ibidem, pag.138
Senna e McLaren decidiram apelar da desclassificação para o Tribunal de Apelo da FIA, em Paris, pois achavam que o brasileiro não tinha retirado qualquer vantagem competitiva ao passar fora da chicane. Mas o tribunal decidiu agravar ainda mais a pena, multando-o em 100 mil dólares (a mais pesada multa aplicada até então) e suspendendo a sua Superlicença por seis meses, outra medida sem precedentes. A colisão de Suzuka tinha entrado na história da Formula 1 para o pior. E muitos sentiram que essa tinha sido uma decisão injusta.
Fontes:
Santos, Francisco – Formula 1 1989/90, Ed. Talento/Edipódromo, Lisboa/São Paulo, 1989
http://en.wikipedia.org/wiki/1989_Japanese_Grand_Prix