Anteontem falei sobre a primeira corrida que aconteceu depois da II Guerra Mundial, que aconteceu há precisamente 80 anos, numa pista improvisada no Bois de Boulogne, e que tinha o nome apropriado de "Coupe des Prisoniers" (Taça dos Prisioneiros), pois as receitas iriam para o fundo dos prisioneiros de guerra franceses que tinham caído nas mãos dos alemães, e que tinham ficado nos campos por quase cinco anos.
Contudo, ontem também falei um pouco de Robert Benoist, um dos homenageados dessas corridas de setembro de 1945, uma personagem que, de uma certa maneira, teve uma vida muito cheia. E como hoje se assinala o dia da morte, falo sobre ele, e um pouco sobre William Grover Williams, o primeiro vencedor do GP do Mónaco, em 1929, ambos foram agentes do SOE, treinados para provocar ações de sabotagem por trás das linhas inimigas, e do qual pagaram o preço mais alto para a causa da libertação da Europa das garras nazis. E do qual há um excelente livro, de seu nome "Grand Prix Saboteurs", escrito pelo jornalista britânico Joe Saward.
Robert Marcel Charles Benoist nasceu a 20 de março de 1895 em Auffragis, perto de Rambouillet, não muito longe de Paris. Era o segundo filho de Gaston Benoist, que era o caseiro das propriedades do barão Henri de Rothschild. O seu irmão mais velho, Marcel, tinha nascido três anos antes, e iria seguir os passos do seu irmão mais novo no automobilismo e mais tarde, na Resistência.
Na I Guerra Mundial, Benoist foi para a Força Aérea, depois de um tempo nas trincheiras do exército. Depois do conflito, e procurando um substituto da adrenalina aérea, foi para os automóveis, onde se tornou piloto de testes da de Marçay. Passou depois para a Salmson, acabando em 1924 na Delage, fazendo companhia a Albert Divo. A sua primeira grande vitória aconteceu no GP de França de 1925, em Montlehéry, numa corrida onde o piloto da Alfa Romeo, Antonio Ascari - pai de Alberto Ascari - teve o seu acidente mortal.
A temporada de 1927 será excelente para ele. Com um Delage 15-S-8, ganha os Grandes Prémios de França, Espanha, Grã-Bretanha e Itália, acabando por dar o título à marca francesa. Pouco depois, a marca abandona a competição, deixando Benoist sem lugar. Assim sendo, enquanto dirigia uma garagem em Paris, competia algumas corridas com um Bugatti. Ganhou o GP de San Sebastian em 1928, para no ano seguinte andar num Alfa Romeo onde, ao lado do italiano Attilio Marioni, ganha as 24 horas de Spa-Francochamps.
No final de 1929, decide pendurar o capacete, mas cinco anos depois, em 1934, é persuadido a regressar graças à Bugatti, que tinha uma equipa de competição. Então com 39 anos, aceita o desafio, porque na altura, eles queriam competir nas 24 Hortas de Le Mans com uma verão do Type 57, um dos modelos de luxo da marca. Para ficar com uma ideia, é como se, hoje em dia, a Bugatti pegasse num dos Chiron e decidisse construir uma versão Hypercar. Bentoist não só iria ser um dos pilotos, como iria também ser o diretor de competição da marca.
Em 1937, com ele e Jean-Pierre Wimille, conseguem triunfar numa corrida marcada por uma incrível carambola onde dois pilotos acabam por morrer e a corrida é interrompida por mais de uma hora para limpar os destroços do acidente que acontece na zona da Maison Blanche. Depois desse triunfo, Benoist, então com 42 anos, decide abandonar o volante e manter-se na Bugatti como diretor desportivo, onde ajuda a marca a conseguir mais um triunfo, em 1939, com Wimille e Pierre Veyron.
Depois, começa a guerra, e em consequência, as provas automobilísticas são interrompidas. Para piorar as coisas, a França é derrotada na primavera de 1940 pelo exército nazi, que aplica fortemente as táticas do "blitzkrieg", a guerra-relâmpago. Isolada na Europa, o governo britânico, liderado por Winston Churchill, decidiu criar o SOE, Special Operations Executive, com o objetivo de treinar pessoas para ações de sabotagem por trás das linhas inimigas, especialmente franceses, mas também pessoas de outras nacionalidades, bem como ingleses. Levantavam células clandestinas, ajudavam pilotos abatidos a escaparem de território inimigo, para países neutrais como a Suíça e Espanha, e transmitiam informações para Londres sobre movimentações de tropas inimigas e ações de sabotagem, entre outras.
Mas era uma ocupação arriscadíssima. O inimigo estava a caçá-los e o preço a pagar era mortal.
Quando chegou a França, em fevereiro de 1943, montou um pequeno grupo, o "Chestnut" (Avelã), com o objetivo de recolher informações e recolher armas e munições que os aviões traziam do Reino Unido, para distribuir pelos grupos da Resistência. Benoist recrutou outros membros, entre eles, o seu irmão Marcel e Jean-Pierre Wimille, que trabalhava na Bugatti.
A rede funcionou durante alguns meses de 1943, mas a policia secreta alemã, nomeadamente a SD (Sicherhienstdienst), um ramo da Gestapo, estava atento a todos os grupos da Resistência, e tentava tudo para infiltrar, e depois destruir. Essas redes não aguentavam mais do que alguns meses, antes de serem descobertos. A "Chesnut" foi desmantelada a 31 de julho de 1943, numa operação contra o castelo onde morava Benoist, prendendo o seu irmão, Marcel, e Grover-Williams, também membro da SOE. Robert não estava lá, mas alguns dias mais tarde, a 4 de agosto, em Paris, foi apanhado, mas quando o levavam para o quartel da SD para ser interrogado, conseguiu escapar, pulando do carro em movimento e misturando-se na multidão.
Andou fugido por duas semanas até que, a 19 de agosto, entrou num avião rumo à segurança de Londres. Ali, recebeu trino em explosivos e queria regressar o mais rapidamente possível a França. Mas quer Londres, quer a SOE, estava relutante devido à sua fama de piloto, engenheiro e agora, resistente. Contudo, a 20 de outubro de 1943, estava a bordo de um avião para ser largado no centro de França, rumando a Nantes para efetuar ações de sabotagem. Com o nome de código "Lionel", criou a rede "Clérigo" e tentou fazer explodir uma ponte, mas não tinha a quantidade suficiente, logo, em fevereiro de 1944, regressou ao Reino Unido para buscar os explosivos que faltava e cumprir a missão.
Regressou em março, com os explosivos, meio milhão de francos e a promessa de que iria recebê-los nas próximas largadas de paraquedas, e a 16 de maio, três semanas antes do Dia D, a ponte foi arrasada, bem como as linhas de alta tensão que abasteciam a cidade. As linhas foram reparadas, mas no dia 26 de maio, voltaram a deitá-las abaixo, dois dias antes dos Aliados bombardearem a cidade.
Na madrugada do Dia D, o seu grupo decidiu, em coordenação com outros grupos, ajudar na sabotagem atrás das linhas do inimigo. Deitaram abaixo linhas telefónicas, rebentaram com linhas de caminho de ferro, com enorme sucesso. Mas duas semanas depois, a 17 de junho, decidiu chamar as lideranças de outros grupos de resistência para uma reunião, que era contra todos os regulamentos da própria SOE, porque assim iria chamar a atenção dos inimigos, que lutavam o que podiam contra a força aliada. Para piorar as coisas, recebeu noticias de que a sua mãe estava a morrer, e decidiu ir para Paris, quebrando a disciplina. E foi assim que acabou por ser capturado, em Paris, na companhia da sua irmã.
Interrogado, tentou novamente fugir, e a 8 de agosto, três semanas antes da libertação da cidade pelos Aliados, ele e muitos outros prisioneiros de guerra, foi levado para um comboio, onde foi escoltado para a Alemanha. Este parou pelo caminho porque tinha sido metralhado por um avião aliado, e perdeu a chance de escapar, na confusão que se seguiu. Contudo, quando a situação foi controlada, foi levado para o campo de concentração de Buchenwald, onde estavam 34 membros da SOE capturados pelos alemães. No final da guerra, apenas cinco estavam vivos. E Benoist não era um deles: a 11 de setembro de 1944, ele e mais 15 elementos foram enforcados, suspensos num gancho para pendurar a carne que existe nos matadouros. Benoist tinha 49 anos.
Hoje em dia, Benoist é recordado com um monumento na pista de Montlhéry, numa rua em Auffargis, também em França, e no monumento em honra dos membros da SOE que tombaram em França, na localidade de Valençay, entre os 91 homens e 13 mulheres que sacrificaram a sua vida em troca da libertação da França do jugo nazi.