Hoje surgiram dois casos do qual o jornalismo saiu bem queimado na fotografia, ou dizendo melhor, um sinal dos tempos ao que chegamos. O primeiro dá conta que a primeira página do jornal "El Pais", um dos mais prestigiados de Espanha, colocou na sua primeira página da sua edição de papel uma foto do que aparentava ser o de
Hugo Chavez, entubado numa cama de hospital em Havana, a lutar pela vida. A foto serviria para contradizer as noticias oficiais de que o presidente venezuelano, de 58 anos, estaria a melhorar de uma cirurgia para retirar um tumor canceroso na zona pélvica, operado uma quarta vez e do qual não é visto desde 11 de dezembro, há mais de um mês.
Afinal de contas, a foto era falsa. Mas quando foi descoberto o logro, a gráfica já estava a imprimir milhares de exemplares do jornal, e alguns deles chegaram às bancas. Tudo foi modificado às pressas e em Madrid, as pessoas andaram longe para ver se encontravam um exemplar sem a foto em causa. E na sua edição online, a foto esteve disponível durante mais de meia hora para os internautas, antes que o erro fosse detectado.
O segundo caso do dia tem a ver com uma entrevista que aconteceu na terça-feira à noite, onde o pessoal da Sport TV brasileira conseguiu juntar
Nigel Mansell e
Nelson Piquet para uma entrevista. O pretexto foi a campanha publicitária da Ford, onde ambos os pilotos, que foram companheiros de equipa na Williams em 1986 e 1987, e foram rivais dentro da pista, fariam um duelo final, para experimentar o Ford Fusion, o novo bólido da marca. A meio da entrevista, Piquet conta que um jornalista fez a pergunta de sempre: "
Quem é o melhor, você ou Senna?", ao que respondeu "
Eu estou vivo."
Mas isto é, de uma certa forma, exemplos do que é o jornalismo atual. Sempre numa corrida quase louca para ver quem chega em primeiro lugar, "porque dá mais Ibope", como dizem os brasileiros, ou para ouvir o "soundbyte" do que, porque dá mais pageviews no site ou no blog e causa motivo para discussão e conversa. De uma certa maneira, há jornalistas ou produtores que fazem o papel de "agente provocador", para que o entrevistado diga algo politicamente incorreto. No caso de Nelson Piquet, mesmo que não tenha sido o jornalista em questão a fazer a pergunta, subentende-se na entrevista que outro colega fez a pergunta, pois ele sabia que iria responder daquela forma. Ali, Piquet só peca por ter dito aquilo, mas ele é mais vitima do que réu, porque existem pessoas, que devem ser profissionais de comunicação, que fazem "a perguntinha idiota" para conseguir mais audiência e provocar a discussão. E nesse campo, conseguiram.
O caso da foto falsa de Hugo Chavez é o típico exemplo de confiança cega, sem que as pessoas tenham tempo para parar e pensar e verificar se as fontes estão corretas. Sabia-se o impacto que tal fotografia poderia provocar, mas para ter a certeza, deveria esperar mais um pouco. O que mais me choca na noticia da falsa foto de Chavez é que tinha vindo de um video com... quatro anos de idade, que circulava no Youtube. E o jornal ter sido absolutamente cego e ingénuo ao ponto de pagar vinte mil euros para ter aquilo que, alegadamente, era um exclusivo, tirado de um telemóvel qualquer, vindo de um enfermeiro - ou enfermeira - cubanos, do qual não se poderiam fazer as devidas inquirições "por medo de represálias". Independentemente da politica, o pessoal do jornal foi absolutamente ingénuo, especialmente quando existiam dúvidas. Sempre aprendi que "caso haja dúvidas, não se publica", mas aqui parece que foi o contrário.
E porquê? Simplesmente tem a ver com a obsessão de ser o primeiro a dar a noticia - ou a mostrar a fotografia. Acho que o jornal não deveria só
pedir desculpas. Se fosse o diretor do jornal, exigiria que no máximo, até segunda-feira, queria ter as cartas de demissão dos elementos diretamente envolvidos na questão, e a relação com a agência de fotografias fosse rescindido, depois desta devolver o dinheiro que o jornal pagou. Mas eu não creio que isso aconteça, pois muitos aceitam as desculpas públicas e tudo será esquecido. Até uma próxima vez.
Mas em jeito de conclusão, os dois casos servem para ver o que é o jornalismo hoje em dia: a competição pura e simples e a busca pelo sensacionalismo está a corroer, aos poucos, a reputação dos jornalistas e do jornalismo. Uma das razões pelo qual existem cursos e porque os jornalistas têm de ter um curso superior é para, não só treinar-se para enfrentar o ambiente de uma redação, mas também para evitar os erros tipicos: demasiada confiança numa só fonte, parar para verificar e voltar a verificar a autenticidade da noticia ou de uma foto, ou então, quando se faz uma entrevista, evitar "seguir um guião", pelo menos quando estás a falar cara-a-cara com o entrevistado.
Não vou dizer que o culpado está no público, porque este muitas das vezes exige que as coisas sejam mais rigorosas, seja através de provedores de televisão, rádio e jornais, seja também o que muitas das vezes se escreve nas caixas de comentários dos jornais, rádios e televisões. O grande culpado é muitas vezes o jornalista ou o seu editor que, escravo do tempo, não tem a necessária calma para rever o texto, encontrar a fotografia adequada ou revistar os dados que têm para ver se batem certo ou não. E muitas das vezes, vês coisas com me mandaram hoje, de um jornal inglês onde, para ilustrarem uma noticia sobre Robert Kubica, colocaram a foto de... Nick Heidfeld.
Sempre aprendi na faculdade que, na televisão, existem três objetivos: educar, informar e entreter. Parece que nos últimos tempos, os dois primeiros foram arquivados nas gavetas da história, a favor do terceiro. Se é assim, então mais vale colocar como apresentadores de telejornais os mesmos que apresentam concursos, já que não são mais do que meros papagaios...