(continuação do capitulo anterior)
AS PRIMEIRAS 500 MILHAS DE INDIANÁPOLIS
No final de setembro de 1910, depois de uma temporada inteira de corridas, ao verificar que havia um declínio de espectadores durante as corridas que foram realizadas no final de semana do Dia da Independência (4 de julho) e do Labour Day (5 de setembro), os sócios que estavam envolvidos na construção e gestão do autódromo de Indianápolis reuniram-se no dia a seguir à corrida da Labour Day para fazer um balanço do que tinha acontecido e planear o futuro mais próximo. Carl Fisher achou que existia um excesso de corridas no circuito ao longo do ano, e isso afugentava os espectadores, principalmente nos meses de verão, pois eles tinham outros planos para as férias, do qual não incluiam ir ao autódromo, e achava que teria de se fazer algo com impacto para assegurar o futuro da pista, do automobilismo e da industria automóvel americana.
Assim sendo, todos os sócios concordaram que a melhor maneira de fazer algo com impacto seria concentrar as corridas de Indianápolis numa só corrida, num só fim de semana, com um "prize money" o mais atractivo possível, para trazer os melhores pilotos americanos e mundiais. E a prova tinha de ser épica. Logo, surgiu a ideia de uma corrida de 500 Milhas (mais ou menos 800 quilómetros) à volta do circuito. A data, por exclusão de partes, seria sempre no fim de semana do Memorial Day, no final de maio, porque as temperaturas eram mais agradáveis do que em julho, e porque tinha menos possibilidade de chuva no inicio de setembro.
Contudo, outras hipóteses estiveram em cima da mesa: uma corrida de 24 horas à volta da pista - descartada devido aos receios de que os espectadores abandonassem as bancadas a meio da prova - ou uma prova de mil milhas (1600 quilómetros), com o vencedor a receber um prémio de 25 mil dólares em moedas de ouro - então o mais valioso de sempre. No final, e para aproveitar um período que iria das dez da manhã até ao final da tarde, e também para aproveitar um periodo de "férias" na agricultura, decidiu-se que haveria uma corrida no fim de semana de 30 de maio de 1911, com os organizadores a darem mais de 27.550 dólares em prémios, o maior “prize-money” até então.
Quando o anuncio foi feito, houve um enorme entusiasmo na comunidade automobilistica por todo o continente americano. Para evitar participações desnecessárias, a organização pediu aos pilotos inscritos o pagamento de uma inscrição de quinentos dólares, uma pequena fortuna na altura, mas o "prize money" compensava essa despesa. Apesar desse aparente obstáculo, a 1 de maio de 1911, quando as inscrições foram encerradas, existiam 46 carros inscritos.
Assim sendo, a 30 de Maio de 1911, sob os céus de Indiana, 80 mil espectadores assistiram, ao preço unitário de um dólar, à primeira corrida de algo que iria marcar a história do automobilismo na América e no Mundo.Quarenta carros estavam presentes na grelha, e não houve qualificação. O lugar da “pole-position” era ocupado pelo “pace-car”, um carro da organização que iria marcar o ritmo para os outros carros (daí o termo "pace") para uma partida lançada, um procedimento que iria ficar até aos dias de hoje.
Era esperada que nessa corrida, alinhasse a fina-flor do automobilismo americano de então. E assim aconteceu: Ralph de Palma, David Bruce-Brown, Joe Dawson, Howdy Wilcox, Bob Burman, Arthur Chevrolet e Ray Haroun, entre outros, fizeram a sua presença. Contudo, a inscrição de Harroun era unica: ele era o campeão de 1910 por parte da AAA, e no final desse ano, decidiu abandonar a competição, concentrando-se no desenvolvimento dos carros da marca Marmon, uma das que existiam em Indianápolis. Contudo, quando soube da corrida, decidiu regressar`a ativa para apresentar o seu modelo "Wasp" (Vespa), que era inovadora em dois aspectos: para correr mais leve, seu carro dispensava mecânico (provavelmente o primeiro monolugar da história do automobilismo), e como este muitas vezes tinha como função olhar para trás no sentido de ver onde andava a concorrência, decidiu que seria melhor instalar um espelho retrovisor: era a primeira vez que tal coisa era usada em corridas. Na grelha de partida, Harroun iria ser o 28º a largar.
Depois de mais de um mês com os pilotos e os carros a ambientarem-se à pista (embora fosse tudo não oficial, a tradição pegou), a corrida começou com bandeira vermelha (!) que significava que a pista estava livre, esta foi disputada a alta velocidade, com Johnny Aitken a ser o primeiro lider, mas na quinta volta, foi ultrapassado pelo Mercedes de Spencer Wishart. Contudo os incidentes cedo começaram a surgir. O primeiro foi à volta 13, quando o Amplex de Arthur Greiner perdeu o controlo quando o aro da sua roda se partiu. Ele e o seu mecânico, Sam Dickinson, foram projectados e este último acabou por morrer.
Por esta altura, o líder era agora David Bruce-Brown, no seu Fiat, mas quando a corrida atingiu as 300 milhas, este já tinha cedido a liderança para Ray Harroun, no seu Marmon, que mais leve do que a concorrência, tinha escalado o pelotão. Contudo, por essa altura, houve outro incidente: o carro de Joe Jagesberger teve problemas na coluna de direcção. Contudo, este conseguiu parar o carro sem bater. O seu mecânico, John Anderson, saiu do carro para virar manualmente as rodas. Mal ele fez isso, Jagesberger acelerou em direcção das boxes… e esmigalhou as pernas do seu mecânico. Enquanto estava estendido na pista, assisistiu assustado à veloz aproximação do Weston guiado por Harry Knight, que vinha na sua direcção a 130 quilómetros por hora. Anderson tentou levantar, mas não conseguiu, e para o evitar, Knight guinou o carro para as boxes, batendo no Apperton de Herbert Lyttle, que estava estacionado. Não morreu ninguém, mas a confusão foi total.
Imune a todos estes incidentes estava Ray Harroun - mas decidiu descansar por 35 voltas, com Cyrus Patchske a guiar na sua vez - que liderava confortavelmente desde a altura das 300 milhas, quando o seu rival, Ralph Mulford sofreu um furo e teve de ir às boxes. Ao fim de seis horas, 42 minutos e oito segundos de corrida, Harroun cortou a meta no primeiro lugar, a uma velocidade média de 120,8 km/hora. Mulford foi o segundo, no seu Lozier, enquanto que Bruce-Brown completou o pódio, no seu Fiat. Harroun ganhou um prémio de 14.250 dólares, e decidiu voltar ao estatuto de "reformado do automobilismo". Para Mulford, o segundo lugar rendeu-lhe 5200 dólares e Bruce-Brown levou 3250 dólares para casa.
No final, a prova foi um sucesso de público e de critica. Os pilotos estavam entusiasmados e os jornais falaram desta corrida por dias a fio. A aposta revelou-se ser um sucesso estrondoso e logo de imediato, estableceu-se que no ano seguinte haveria uma nova corrida.
(continua no próximo capitulo)