Hoje dei por mim a fazer este exercício de reflexão. O
Heath Ledger puxou-me para isto, mas quando estava a ver a sério o site do
Robert Murphy e as suas reflexões sobre o automobilismo, decidi fazer algo semelhante.
Primeiro que tudo: para aqueles que começaram a ver Formula 1 a partir de 1995, vocês estão safos: não tem que fazer este tipo de lista. Mas como eu tenho 31 anos de idade e 26 de Formula 1, já tenho a minha lista de nomes para lembrar. Ao todo são nove, mas acrescento mais dois, que não tem a ver com a Formula 1, mas que estão também imprimidos na minha memória.
Começo com
Gilles Villeneuve. A minha imagem mais distante da Formula 1 é ver o grande Gilles a ir pelo ar, depois de tocar no March de
Jochen Mass, em Zolder. E de abrir Telejornais com as imagens do acidente, e da minha familia a falar sobre outros pilotos do passado, especialmente a minha mãe a falar sobre um "Pato"... na inocência dos meus cinco anos, e não ligando a caras, pensava que o Villeneuve era o Piquet! E o "Pato" era o
José Carlos Pace.
Semanas depois, estava a ver
Ricardo Palleti preso no seu carro, fatalmente ferido, e de repente, o carro pegou fogo. Mais uma vez, a minha familia a reviver tudo de novo. Mas eu não ligava nenhuma. Afinal, tinha 5 anos...
Quando tudo voltou a acontecer, passaram-se três anos. Estamos em 1985, e já era um apaixonado pela Formula 1, mas nem sabia que os pilotos podiam correr por outras provas. E quando soube que num espaço de três semanas, dois talentosos pilotos alemães, Manfred Winkelhock e Stefan Bellof, tinham morrido em provas de Sport-Protótipos, fiquei confuso, mas sabia quem era Stefan Bellof: muito talentoso e muito rápido. Achava que ele seria um bom rival de Ayrton Senna. E fiquei chocado com a noticia da sua morte, quando tentava uma ultrapassagem impossivel ao Jacky Ickx na zona do Eau Rouge.
Poucos meses mais tarde, em 1986, senti melhor esse impacto: as mortes do Dakar (
Thierry Sabine), a tragédia da Pena, no Rali de Portugal, e depois...
Hari Toivonnen e
Elio de Angelis. Em pouco mais de 15 dias, via dois talentosos pilotos a morrerem em circunstâncias difrentes. Então o De Angelis... tinha visto o acidente, mas sabia do seu desfecho. Dias depois, quando entrevistaram o Senna, que estava de passagem por Portugal, e comentou a morte de De Angelis, soube do que tinha acontecido.
Quanto ao Toivonnen: eu já começava a gostar de Ralies, mais pelo espectáculo do que a torcer por A ou B. Dele, lembro-me de duas coisas: de como ficou reduzido o seu carro, depois do despiste na volta à Corsega, e lembro do histerismo da imprensa depois, a saber o porque é que tudo isto estava a acontecer. Era a minha primeira experiência de como os meios de comunicação social disseminam o problema, mas não apresentam a solução...
Mas para mim, ficou-me como o meu primeiro "maldito Maio".
Os anos passam, e as coisas melhoram. Vês acidentes espectaculares, em que o piloto saia do carro a sacudir o pó e nada mais. continuavam a desafiar a morte, é certo, mas safavam-se sempre. Mesmo quando o Martin Donnely teve aquele acidente grave em Jerez, em que acabou a sua carreira competitiva, achei que as mortes na pista tinham ido de vez.
Julgava isso tudo, até ao dia
30 de Abril de 1994. Estava a ver os treinos na Eurosport, na casa de um vizinho meu. Não vi o momento do acidente do
Roland Ratzenberger, mas vi as repetições, e pensei que era grave, mas que iria sobreviver. Como estava a demorar, tive que sair de casa para resolver umas coisas, e quando voltei, estavam a anunciar a morte dele. Sofri um baque. Não pensei que voltaria a ver isso de novo. E fiquei com a memória de um piloto esforçado, que guiava um carro patrocinado pela MTV, e que teve um incrível azar. Fiquei deprimido.
No dia a seguir, fui visitar os meus avós, e sabia que pela viagem, iria perder o inicio da corrida. Quando lá cheguei, a minha avó disse-me que tinha havido um acidente. Quando vi os destroços, pensei: "é o Damon Hill". Tu pensas sempre que o teu ídolo nunca morre, não é? Mas morreu. E lembro-me de tudo o que fiz nesse dia. Tudo...
A morte do Senna trouxe-me um paradoxo: passei a ver a Formula 1 de uma maneira desapaixonada. Não torcia por ninguém, excepto por algumas vezes, com Villeneuve Jr., Montoya, e agora Hamilton. Mas essas paixões passavam, pois o primeiro era o unico. E vi o meu segundo "maldito Maio": Wendlinger, Lamy, Montermini, o histerismo da imprensa, a FIA a fazer medidas à pressa...
A minha última história ocorreu na
Noite das Bruxas de 1999. Estava a ver no Eurosport a última prova do campeonato CART, em directo, no ultra-veloz oval de Fontana. Enquanto
Dario Franchitti e
Juan Pablo Montoya disputavam o título, via
Greg Moore perder o controlo do seu carro e bater forte no muro. Quando o carro parou, sabia que ele estava morto. Sentia-o. Nem era preciso saber se mexia ou não. Eu já sabia, muito antes do médico confirmar.
E o resto daquela noite foi surreal: fui sair, ter com a minha namorada de então, e contei o que se tinha passado. E ela lá tentou animar-me no resto da noite, mas não: sentia uma "profunda, apagada e vil tristeza" (Camões)
Vocês, os mais novos, que nunca viram mortes em directo, desejo que continuem assim. Mas quando me recordo do impacto dos acidentes do
Alex Zanardi, em 2001, no Lauritzring, e do
Robert Kubica, o ano passado, em Montreal, pergunto-me:
como é que o público em geral reagiria de novo a uma morte na Formula 1? Lembro-me como foi em 1986 e 1994...
E ainda me lembro de uma coisa: estava eu a estagiar na RTP, em 2006, quando chega a noticia da morte de Henri Magne, ex-navegador do Carlos Sousa, no Rali de Marrocos. Mesmo jornalistas tarimbados ficaram espantado com tão trágico destino. E falamos de um navegador...
Em suma: sou novo, mas já tenho as minhas cicatrizes, e algumas delas foram profundas. Hoje em dia, a unica coisa que posso fazer é homenageá-los e contar a história das suas vidas curtas e intensas. E torcer para que mortes destas em pista nunca mais voltem a acontecer.
Já agora, para acabar: tentem ler isto com uma banda sonora como fundo. Eu escrevi isto a ouvir
esta canção. Mas também poderia ter escrito a ouvir
esta canção ou
esta. A escolha é vossa, claro. Mas fiz isto como exercício de recordação, espero que façam o vosso.