Há 30 anos, em Interlagos, Ayrton Senna conseguia uma vitória bem popular no GP do Brasil. E com este triunfo com uma McLaren que não era tão poderosa, aproveitando a sorte da chuva ter aparecido - ele tinha sido penalizado com um "stop & go" de 10 segundos - e dos azares dos seus adversários, especialmente Alain Prost, que se despistou na chuva e ainda por cima, sofreu uma colisão do Arrows de Christian Fittipaldi.
E claro, a grande cena final, onde 16 títulos mundiais estavam presentes no pódio - passados e futuros - e aquele abraço de Senna a Juan Manuel Fangio, que então com 81 anos, tinha ido presentear os vencedores.
Mas enquanto uns eram celebrados por tudo e todos, outros se despediam por uma porta muito discreta. E no dia anterior a essa corrida, Ivan Capelli não tinha consegui qualificar-se no seu Jordan, decidindo abandonar a Formula 1 de forma definitiva. De uma certa forma, com quase 30 anos de idade, terminava de forma melancólica uma carreira que, em larga medida, ficara marcada pela sua passagem pela March, e depois, pelo desastre que foi a Ferrari, em 1992, um dos últimos italianos a correr pela Scuderia a tempo inteiro.
A vida e carreira de Capelli está associada a de outra pessoa: Cesare Gariboldi. Tudo começou em 1982, quando Capelli queria correr na Formula 3 italiana e procurava uma equipa. Foi ter ao escritório dos irmãos Pedrazzani, donos da preparadora de motores Novamotor, que lhe tinha dito que alguém procurava um bom piloto. Capelli, que tinha acabado de ganhar o campeonato italiano de karting, foi ter com Garoboldi, e juntos começaram uma associação que durou até 1989, quando este último morreu num desastre rodoviário, a ajudou a reavivar a March na Formula 1.
“Cesare e eu nos demos bem imediatamente”, contou Capelli numa entrevista em 2020 à Motorsport britânica. “Eu estava em uma curva de aprendizagem muito íngreme porque precisava aprender sobre engrenagens, entender como dar feedback relevante e assim por diante, mas me senti confortável imediatamente. Começamos com um chassis March, mudamos para um Ralt RT3 e fizemos uma temporada decente. Não ganhei nenhuma corrida, mas terminei em sexto no campeonato como rookie do ano. Acho que gastamos 190 milhões de liras [cerca de 80 mil libras], então foi muito caro, ainda mais porque todas as peças vieram da Inglaterra numa época em que a lira estava muito fraca em relação à libra. Foi muito importante não ter nenhum acidente…”
Em 1985, Capelli teve a sua primeira grande chance na Formula 1, quando correu por duas provas pela Tyrrel, em substituição do alemão Stefan Bellof, morto num acidente numa corrida de Endurance em Spa-Francochamps. Capelli aproveitou bem a chance, mas disse logo ao que ia:
“Deixei claro desde o início que não poderia trazer dinheiro”, diz Capelli. “O Sr. Tyrrell me disse para não me preocupar e que eu teria que pagar apenas pelos meus voos e acomodação. Eu não tinha dinheiro nem para comprar uma passagem aérea para Cesare… Voei de Milão para o Reino Unido por conta própria, peguei num autocarro em Heathrow e depois completei a viagem até Brands Hatch de táxi.", começou por dizer na mesma entrevista.
“Cheguei na quarta-feira, fui apresentado à equipa e depois fiquei por aqui porque não tinha carro alugado para chegar ao hotel. Quando Ken Tyrrell percebeu, ele pediu ao meu companheiro de equipa, Martin Brundle, para ser meu motorista no fim de semana. Fiquei com um pouco de inveja porque Martin tinha um Jaguar XJS da marca, através do seu contrato na Endurance. Eu tive que me espremer no banco de trás, atrás dele e de sua esposa.”
E correu bem. Apesar de não ter chegado ao fim na corrida britânica, e do seu lugar ter sido preenchido por Philippe Streiff no GP sul-africano, em Adelaide, na Austrália, acabou num forte quarto posto, conseguindo os seus primeiros pontos da sua carreira.
Em 1986, enquanto triunfava no campeonato de Formula 3000 e fazia duas corridas pela AGS, em Monza e Estoril, Capelli conheceu outro elemento que compôs a sua carreira. Em Imola, durante uma ronda da Formula 3000, Hiroshi Yasukawa, diretor desportivo da Bridgestone na Europa, apresentou a um dono de equipa que queria um piloto para correr na Formula 2 japonesa. Esse senhor chamava-se Akira Akagi, dono da Leyton House, uma firma imobiliária local. Outra relação para a vida, com acordos importantes à base do... aperto de mão.
“O Sr. Akagi perguntou se eu pilotaria pela Leyton House Racing no Japão em tempo integral em 1987. Ele também me ofereceu um salário de 200 mil dólares. Respondi que gostaria de vir, mas que já estava conversando com algumas equipes de F1, incluindo Osella e Tyrrell. Cesare olhou para mim com espanto, porque era um completo 'bluff'. O Sr. Akagi então perguntou quanto custaria me apoiar na Formula 1, correndo com as cores da Leyton House. Eu não tinha ideia, então disse a Cesare que era sua vez de responder e ele sugeriu 4 milhões de dólares. O Sr. Akagi perguntou se eu tinha certeza de que estava pronto para a Formula 1, e eu disse que sim. Ele disse: 'OK, faremos isso' e concordou mais uma vez com um aperto de mão."
"No voo de regresso para a Europa, bebemos um bocado, mas não sabíamos como fazer qualquer tipo de acordo com a Formula 1. Após aterrarmos em Milão, Cesare reservou um voo para Londres na manhã seguinte, apareceu sem avisar na porta de Robin Herd e perguntou se ele gostaria de trazer a March de volta à Fórmula 1, pois tinha o apoio necessário. Acho que eles resolveram isso com uma garrafa de vinho, embora o carro de F1 de 1987 fosse apenas um chassi 86B de F3000 modificado para acomodar um tanque de combustível maior e com aerodinâmica revista."
“Na primeira corrida, no Rio de Janeiro, tínhamos uma equipa de apenas 17 pessoas, incluindo o Sr. Akagi, sua namorada, seu tradutor e o meu pai. Nosso preparador, Heini Mader, ainda não tinha um Cosworth DFZ pronto, então usamos um motor com especificações do Campeonato Mundial de Sport-Protótipos, que não era muito potente. Nas retas, os turbos passavam pelo menos 100 km/hora mais rápido do que eu, então era uma espécie de chicane móvel."
Depois de uma temporada de 1988 fantástica, com dois pódios, 17 pontos e a liderança do GP do Japão, antes de ter tido problemas com o sistema eletrónico do seu carro, que o obrigaram a abandonar, a temporada de 1989 começou com tragédia, devido ao acidente mortal de Gariboldi. O carro, agora batizado de CG891, fora desenhado por um jovem Adrian Newey, vindo da March, tinha os seus bons e maus tempos, mas conseguiu novo ponto alto em 1990, quando Capelli conseguiu um segundo lugar no GP de França, depois de andar 40 voltas na liderança. Mas por essa altura, Newey tinha sido despedido, indo de imediato para a Williams.
No final de 1991, com a bolha do mercado imobiliário japonês a explodir, e a Leyton House a passar por dificuldades, Capelli decidira partir da equipa que o ajudara a construir e tinha feito a sua casa na Formula 1. Tinha assinado pela Dallara em 1992, mas um dia, ligaram de Maranello. Era uma oferta que não podia recusar, pensando que seria um sonho, mas acabou por ser um pesadelo.
“Expliquei que tinha um contrato com a Scuderia Italia, mas eles me garantiram que não era um problema e que iriam lidar com isso. Obviamente não queria dizer ‘não’ para a Ferrari, mas entrei completamente às cegas, sem saber nada sobre o que eles estavam planeando.", começou por dizer.
“A situação que encontrei lá era bastante dramática. O chassi do F92A incluía alguns recursos radicais, incluindo o fundo plano duplo, mas a aerodinâmica não funcionou, a suspensão monoamortecedora não funcionou e tivemos que reduzir o motor de 12.500 rpm para 11.800 para torná-lo mais fiável. O carro foi projetado com uma caixa de velocidades transversal, mas acho que a fábrica da Ferrari conseguiu fazer apenas dois [exemplares] que funcionaram corretamente, e ambos foram dados a Jean Alesi. Nas primeiras sete ou oito corridas usei a caixa de câmbio longitudinal de 1991, então tínhamos dois carros completamente diferentes. Foi um desastre absoluto, porque não podíamos trocar informações.", continuou.
“Fiquei chocado quando testei o carro pela primeira vez no Estoril. Eu estava dirigindo o carro de 1991, mas no último dia, à tarde, finalmente pude experimentar o F92A pela primeira vez e percebi imediatamente que não parecia certo. Durante a conversa, não disse: 'Olha, temos um carro de merda', mas ressaltei que precisávamos refinar a suspensão dianteira e a aerodinâmica - e isso exigia muito trabalho. Quando eles mudaram para Jean do outro lado da mesa, ele disse que o carro era fantástico, que ele poderia vencer corridas e disputar o campeonato. Eu indiquei que estávamos 1,5 segundos mais lentos que a Williams, mas eles apenas disseram que eu não entendi e optei por acreditar em Jean. Para mim, a coisa toda foi um pesadelo desde o segundo dia, com muitas coisas políticas que eu simplesmente nunca tive durante meus dias de March e Leyton House, quando trabalhávamos como uma família. Maurício [Gugelmin, seu companheiro na equipa de 1988 a 91] e eu comíamos juntos, saíamos de férias juntos. Com a Ferrari, uma relação de piloto como essa era impossível”.
No final, foram apenas três pontos e a saída da equipa após o GP de Portugal, uma temporada de pesadelo. Em 1993, queria recomeçar e apareceu um lugar na Jordan, que aproveitou. Contudo, existia uma exigência: Eddie Jordan queria um milhão de dólares de patrocínio, e ele queria o dinheiro... para ontem. E isso foi demais para Capelli.
“Eddie disse que eu poderia ficar com o assento por um milhão de dólares, então comecei a tentar juntar algum dinheiro”, diz ele. “O carro não teve um bom desempenho na corrida de abertura em Kyalami, porém, e sofri um grande acidente.", continuou.
“Enquanto isso, Eddie estava no telefone quase todos os dias me pedindo o dinheiro. Este era um novo tipo de pressão, algo que eu nunca havia encontrado antes. Depois que não ter conseguido qualificar-me no Brasil, Eddie disse: 'Precisas de me trazer um milhão ou estás fora'. Respondi que, depois de 93 GPs, não achava que deveria trazer dinheiro. Se ele quisesse me dar a possibilidade de correr, tudo bem, mas decidi que não queria ser piloto pago, então parei. Muitas equipas estavam pedindo dinheiro na altura. Jordan usou cinco pilotos diferentes ao lado de Barrichello durante a temporada [Capelli, o belga Thierry Boutsen, os italianos Marco Apicella e Emmanuelle Naspetti, e o irlandês Eddie Irvine], então foi quase como se fosse um carro alugado."