domingo, 26 de março de 2023

Considerações sobre "Villeneuve x Pironi"


Inesperadamente, numa sexta-feira à noite, descubro neste enorme mundo do Youtube, o vídeo do documentário sobre Gilles Villeneuve e Didier Pironi, o duelo que marcou a Ferrari em 1982 e que acabou em tragédia, onde em três meses, as chances reais de um titulo de pilotos e de Construtores acabaram em pó, primeiro, com o acidente mortal de Villeneuve, no fim de semana do GP da Bélgica, e depois, o acidente sério de Didier Pironi, que deu cabo das suas pernas e encerrou a sua carreira na Formula 1, quando estava prestes a ganhar o campeonato e a ser o primeiro francês a alcançar o título.

O documentário fala muito de Gilles, desde o seu tempo na Formula Atlantic até à maneira como Enzo Ferrari notou a sua atenção e o contratou no lugar de Niki Lauda, no final de 1977. E depois, como surgiu Pironi, que começou na Formula 1 em 1978, pela Tyrrell, antes de seguir para a Ligier em 1980 e no ano seguinte, a Ferrari. 

Fala também de algumas coisas interessantes. De como Joanne, a mulher de Gilles, no alto do seu sexto sentido feminino, ter dito que não tinha grande confiança em Didier, para que tivesse cuidado. Das intrigas politicas dentro da Scuderia, onde Marco Pichinini, o então diretor desportivo da marca, favorecia Pironi - ao ponto de ter sido convidado para o casamento dele, semanas antes de Imola - e como, apesar de ter gente que o protegesse - Mauro Forgheri era o seu mais forte defensor na equipa - Gilles estava vulnerável na corrida de San Marino, porque, por exemplo, Forgheri estava ausente para proteger dos ataques de um Pironi alimentado pela ambição de bater Gilles para ser campeão, agora que na temporada de 1982, existia um chassis com essa capacidade.


Sobre Imola, explica-se muito, mas nada novo se acrescenta. O que se chega à conclusão é que Gilles foi ingénuo e Didier aproveitou. E mesmo assim, fala-se, a título de exemplo, do GP de Itália de 1979, onde ele não atacou Jody Scheckter no duelo para ver quem seria campeão, e do qual esperava o mesmo tipo de lealdade da parte de Pironi, que achava que estava tudo igual, e ganharia o melhor. E para ele, mesmo não dizendo, o seu companheiro de equipa era o seu primeiro adversário. 

Depois do que aconteceu, a agitação fora nítida, e mesmo com Ferrari a defender primeiro as manobras do francês, decidiu voltar atrás e defender Gilles. Só que o estrago estava feito e era um Gilles perturbado que chegou a Zolder, na Bélgica, determinado a batê-lo. Só que a emoção levou a melhor e um mal entendido com o March de Jochen Mass levou ao seu acidente fatal.        

Sabia que o funeral tinha sido público - desconhecia que o então-primeiro ministro, Pierre Trudeau (e pai do atual, Justin Trudeau), tinha ido ao funeral! - mas desconhecia o impacto que aquilo tinha causado na altura. E há uma frase da própria Joanne acerca disso. "Quando sabes que o fim está a chegar, e é lento,  tens tempo de despedir. Quando é rápido e é muito público, a história é outra." E entendes o que foi aquilo. Se não foi funeral de estado, não andou longe: bandeiras a meia haste, o caixão foi trazido num 707 da Força Aérea Canadiana, coisas assim. O próprio Jacques conta da estranheza de tudo aquilo, mesmo para um garoto de 11 anos como ele.

E o impacto do funeral de Gilles só tem comparação com o de Ayrton Senna, praticamente 12 anos depois.  


Depois, passa para Pironi, e o seu acidente em Hockenheim, no qual destruiu a sua perna direita, ao ponto de ter sido considerada a sua amputação no local. Conta-se quantas vezes foi operado - cerca de 30 ao longo que quatro anos - e como ele foi para os barcos, com o famoso Colibri, que era muito potente e muito leve, por causa do seu chassis de carbono. E das circunstâncias do seu acidente mortal, o Needles Trophy, na ilha de Wight, onde decidiu-se por uma trajetória arriscada, quando um petroleiro largou uma onda que poderia colocar os barcos em perigo. Em suma, o seu acidente aconteceu porque jogou com a sua sorte para ganhar a corrida. E o seu funeral, em St. Tropez, foi mais discreto, apesar do seu caixão estar envolto na bandeira francesa.  

Detalhes: o seu rival naquela corrida era o "Piniot di Pinot", um catamarã guiado por Stefano Casiraghi, marido da princesa Carolina do Mónaco. Que morreu num acidente de barco três anos depois, em 1990. E nessa altura, tinha reatado uma relação com Catherine Goux, que na altura estava grávida de gémeos, graças a um tratamento "in vitro". 


No final de 98 minutos de duração, o que ficou nisto tudo é o seguinte:

Tirando uma ou outra pequena revelação, quem conhece a história chega ao final sabendo que não existe nada que não altere o que sabe sobre Gilles e Didier, sobre Imola e as duas semanas antes da corrida fatal. O que se assiste por aqui são duas famílias que viveram no limite, e que sofreram com a partida súbita dos seus companheiros. Nesse campo, está bem feito. Ambas as famílias falam sobre eles e sobre o seu legado, e entre eles, existe sobretudo mágoa, mas não ressentimento de uns contra os outros. Bem pelo contrário: há respeito e solidariedade pelas suas perdas mútuas. Quer Joanne, quer Catherine, sentem a falta dos seus maridos, porque tiveram vidas curtas, mas intensas com eles. Isso é um facto.

Quanto aos filhos, cada um lida com os pais que tiveram. Se Jacques lida bem com o pai, por causa da carreira que teve, mais do que conhecido, já os filhos de Didier, o Junior - que é engenheiro da Mercedes - e o Gilles Pironi, sentem respeito e uma ponta de orgulho pelo pai que nunca conheceram porque como sabem, são seus filhos póstumos. 

O que me fica no final é uma frase da Brenda Vermor, a mítica secretária do "Commendtaore" Ferrari. Ela afirma o legando contraste entre os dois pilotos. De Gilles, há estátuas e ruas com o seu nome. De Didier, não há nada. 

Bem sei que nenhum deles tem culpa nisto, mas os tiffosi tomaram uma decisão há muito. E a sentença é eterna e definitiva.  

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