Monza, 5 de Setembro de 1970
Depois de um dia de treinos, aqueles que tinham tirado as asas dos seus carros viram a sua aposta algo compensada, mas apenas por se terem aproximado um pouco dos carros com motor V12. Os Ferrari tinham dominado no primeiro dia, mas por pouco. Patrick Van Diemen tinha sido o primeiro, mas o segundo era Philippe de Beufort, que queria resolver o assunto do campeonato logo ali, para poder ir para as corridas americanas como o novo campeão do mundo, antes que a Ferrari pudesse o alcançar. Atrás dele estavam os outros dois Ferrari de Antonio "Toino" Bernardini e de Michele Guarini. Não muito longe estava o BRM de Bob Turner e o segundo Matra de Gilles Carpentier, e o primeiro dos V8 Cosworth era Teddy Solana, que tinha tirado as suas asas no seu Apollo. Ao contrário de Alexandre de Monforte, que sem as asas não tinha conseguido mais do que o 11º tempo.
Aquele Sábado de manhã estava fabuloso. Céu azul, um sol de Verão e uma temperatura amena acolhiam máquinas e pilotos na pista de Monza. Os mecãnicos estavam atarefados à volta dos seus carros, os pilotos discutiam com os engenheiros e os mecânicos, os fotógrafos, jornalistas e demais elementos da organização circulavam pelo "paddock" e algumas pessoas abordavam os pilotos para tirar fotos ao lado deles e pedir autógrafos. Van Diemen, Beaufort e o veterano Bob Turner eram os mais solicitados, embora Alexandre de Monforte e Pieter Reinhardt começassem também a serem perseguidos pelos caçadores de autógrafos.
A manhã tinha passado sem incidentes de maior. Os carros rolavam sem problemas na pista, sendo "amaciados" pelos pilotos, quer os oficiais, quer os "muletos", carros que serviam apenas para reserva para alguma eventualidade. A Ferrari tinha cinco carros em Monza: três para os pilotos, mais dois de reserva, em caso de necessidade e identificados com a letra "T" para que a organização saiba que eles só seriam usados para ocasiões especiais.
Quem estivesse sentado na bancada principal do circuito de Monza, logo, com vista privilegiada para as boxes das equipas, talvez tivesse estranhado o facto de haver mecânicos à volta de um Matra, e este começar a ficar sem as asas que serviriam para segurar o carro em pista. E claro, não conseguira ouvir o diálogo que uns minutos antes, Philippe de Beaufort tinha tido com o seu director desportivo:
- Philippe, não tens necessidade de fazer isto.
- Eu sei, mas tenho de tentar. Quero bater os Ferrari em casa, tenho de fazer isso.
- Não entendo qual é a tua ideia.
- A minha ideia e conseguir mais "rotações" na recta. Se assim for, consigo ser meio segundo mais rápido, e assim ficar com a "pole-position".
- Não tens essa necessidade. Podes não vencer e ser campeão na mesma.
- Eu sei, mas tenho de tentar. Sei que arrisco o meu pescoço, mas tenho que tentar. A Ferrari está cada dia mais forte, tenho de resolver isto de uma vez por todas. Se não conseguir ou se ficar atrás deles, vão ter mais chances na América. Quero resolver a questão aqui e agora.
- Estás a ficar impaciente...
- Quero resolver isto de uma vez. Quero ser campeão e voltar para o meu "chateau" no Loire. Casar e ter filhos, entendes? Sair daqui antes que isto me mate.
- Descansa, vai tudo correr bem, mas não te aconselho a tirares as asas. E se falhares?
- A responsabilidade é minha, e hoje ou consigo da pole-position ou morro a tentá-la.
- Não digas isso muito alto...
- Descansa. Se achar inseguro ou achar que não ganho nada com isto, volto às boxes e podem colocá-las de novo.
- Espero que sim.
Com o chegar da hora do começo do treino, os mecânicos afadigam-se para colocazr os carros em prontidão para uma hora de qualificação, onde a combinação dos melhores tempos, quer na sexta-feira, quer no Sábado, era o suficiente para compor a grelha de partida sem aberrações causadas pelo boletim meteorológico. Mas como em Itália o tempo nesse fim de semana seria de sol, tal hipótese não era colocada.
Quando o treino começou, os Temple Jordan, os BRM e os Jordan foram os primeiros a entrarem na pista, tentando marcar as primeiras voltas enquanto os pneus permitiam funcionar para esse efeito. Ao fim de dez minutos, Bob Turner estava na frente da tabela de tempos, mas no resultado em conjunto, não tinha suplantado os Ferrari, nem o Matra de Beaufort. Contudo, ele sabia que naquela pista, só mais adiante é que os tempos começariam a baixar. Tanto o mais que nenhum dos "grandes" estava na pista naquele momento.
Quando Turner chegou, à sua feente estavam os dois Ferrari de Bernardini e Guarini, o McLaren de Revson, o Apollo de Solana e os Matra de Carpentier e Beaufort. Um comissário com a bandeira verde na mão, agitava-o sempre que a pista estava livre, e nos dois minutos seguintes, deu sinal de passagem aos carros. Quando chegou a vez de Pierre de Beaufort sair para a pista, o seu carro já não tinha as asas, no intuito de conseguir as tais "rpm a mais" para ter uma maior vantagem nas rectas em relação à Ferrari. Beaufort sabia que não precisava disso, pelo menos tanto como os carros pilotados com o motor V8 Cosworth. Mas queria tentar. Quando acelerou para a pista, os relógios marcavam 14:19.
Beaufort fez uma primeira volta para aquecer os pneus e adaptar a sua condução a um carro sem asas, numa pista onde a unica vez que tocava nos travões a sério era para fazer a Parabólica. Todos observavam a performance de Beaufort, para comparar aos Ferrari presentes, que não tiraram as asas, sabendo da sua superioridade em pista. Ao longo da pista, todos tiravam fotografias ou filmavam com as suas câmeras de filmar amadoras, a passagem do Matra sem asas por sitios como a Curva Grande, as Lesmo ou a Vialone. Depois da tal primeira volta de aquecimento, lançou-se de novo, prego a fundo.
- Aí vem ele, disse Pete, vendo-o das boxes.
- Não tem necessidade de correr sem as asas, respondeu Alex Sherwood.
- Que queres? Deseja bater os Ferrari em casa. Pode conseguir, mas não tem necessidade disso...
Beaufort acelera na Curva Grande, atrás do Apollo de Teddy Solana. Ambos travam na primeira Lesmo e o passa, para depois acelerar a fundo, tentando ganhar preciosos segundos com o seu carro na sua nova configuração. Beaufort acelerava a fundo para tentar ganhar os tais segundos preciosos, e quando abordou a meta, vinha ao seu máximo, com toda a gente a olhar para os cronómetros. Na linha branca, todos olharam para o tempo que os marcava, e ficaram espantados.
- 1.24,7 segundos! gritou Teresa Lencastre, no muro das boxes. O seu namorado estava no carro, pronto para fazer as suas voltas à pista, com as asas colocadas.
- Caramba, ele quer sair daqui com a pole-position, respondeu Pete Aaron.
Quando Beaufort acelera a fundo para fazer a Curva Grande, Alexandre sai das boxes para marcar as suas voltas na sessão de treinos. Não o consegue ver Beaufort, pois continua a acelerar que nem uma bala, para tentar fazer nova volta rápida enquanto que os pneus ainda podiam ser uteis. Um minuto mais tarde, perto da Vialone, vê o McLaren de Revson e coloca-se à esquerda para o poder passar.
No carro laranja, curiosamente com asas colocadas no chassis, o veterano americano vê passar uma flecha azul clara à sua esquerda. Estava em volta de aquecimento dos pneus, logo, nada fez para bloquear a passagem do carro que tinha atrás de si. Ao vê-lo sem asas, pensou: "Será que essa treta funciona?" Observa-o à medida que este travava para abordar a Parabólica, rumo à meta. Mas quando o vê travar, o carro azul começa a fazer uma estranha dança, como que a debater-se para conseguir aderência no asfalto.
O carro guinou para a direita, e depois para a esquerda, de forma violenta, rumo aos guard-rails. Sem controle e a alta velocidade, algo que as asas poderiam ter ajudado, embateu violentamente nos guard-rails, desfazendo a frente do seu Matra. Após o impacto, este ricocheteou para a gravilha e andou às voltas durante alguns segundos, que pareciam durar horas. Até parar. Quando parou, os comissários acorreram-no para apagar quaisquer chamas que pudessem aparecer no carro, e os paramédicos, em alerta, acorreram também no sentido de tirar Beaufort dos destroços. Este lá estava no cockpit, sem sinais de vida aparentes, e um grupo de gente o tirava às pressas, rumo à ambulância.
Peter saiu do carro para ajudar a tirar Beaufort dos destroços, mas já havia um enorme grupo à sua volta. Os fotógrafos não perderam uma oportunidade de carregar sem parar no botão de disparo, pois sabiam que algo deste género seria procurado pelos jornais, precioso como diamante. Algumas câmaras de filamr estavam por perto, tentando apanhar um "close up" do desafortunado piloto francês. Sabendo do que se tratava, nenhum deles tirou o seu capacete até que ele chegasse à ambulância e as portas fechassem. Quando aconteceu, dois "carabinieri" colocaram-se mesmo atrás, tratando de afastar algum fotógrafo mais ousado, até que a ambulância se afastou dali, rumo a Milão em alta velocidade. Eram 14:27 minutos.
As noticias do acidente correram depressa, como fogo em palha seca. Primeiro, as bandeiras amarelas, depois as vermelhas, marcando a interrupção do treino. Quando todos souberam logo quem era, muitos abanaram a cabeça num misto de incredulidade e resignação.
- Era perigoso, mas tinha de tentar, disse Alex Sherwood.
- Não tinha necessidade disso, Alex.
Na boxe da Jordan:
- Quem foi? perguntou Antti Kalhola, preparando-se para entrar no seu carro.
- Foi o Philippe, receio que não tenha sido bom, respondeu Bruce Jordan.
E na Ferrari:
- Tinha de arriscar, não é? perguntou Patrick Van Diemen. Ele não tinha necessidade disso, mas compreendo-o. Queria resolver tudo hoje.
- Tem calma, ainda não sabemos da sua condição, respondeu Forgheri, o director desportivo.
Os minutos passavam, e todos queriam saber do estado de saúde de Philippe de Beaufort. À medida que os ponteiros avançavam, começava-se a construir um muro de silêncio à volta do estado de saúde do piloto francês, o que aumentava a ansiedade na pista e no "paddock". Quando viram o reboque a transportar os restos do seu Matra e a gravidade dos estragos, a ansiedade aumentou ainda mais. Toda a gente tentava ligar para Milão, e alguns jornalistas e fotógrafos foram a caminho do hospital para ficarem de plantão para saber de noticias.
No "paddock", cada equipa tinha agora alguém ao lado do telefone, para que pudesse estar presente quando este tocasse. Com os minutos a passar, a ansiedade aumentava cada vez mais, muitos deles a olharem para a boxe da Matra, com os mecânicos a colocarem um grande pano sobre os restos do chassis de Beaufort, tentando enxotar os fotógrafos que estavam a fazer o seu trabalho.
(continua)