Como seria de esperar, depois de um sábado de sol, as nuvens começaram a juntar-se na madrugada de domingo. A chuva começou a cair a partir das duas da manhã, e pelas sete, o céu era cinzento e havia ameaça de tempestade. Ora chovia forte, ora diminuia, e na pista, os ribeiros corriam livres pelo asfalto, descansando em lagunas provisórias, antes de seguirem o seu caminho. No paddock, os jornalistas presentes ouviam os boatos de que a FIA tinha proposto aos organizadores japoneses um adiantamento da corrida porque o tufão Phanfone poderia chegar a terras japonesas precisamente naquela zona, três horas depois da corrida, caso esta começasse na hora marcada. A organização decidiu ser inflexível e recusar, alegando que não queria devolver o dinheiro aos espectadores, caso mudassem o horário.
Na realidade, bem pensado, creio que a razão disso é que os japoneses são hierarquizados e alterar os planos de alguma coisa causa-lhes arrepios. E digo isto porque, pelo que me contam, os bilhetes têm até o horário dos comboios que os irão levar para fora dali...
Minutos antes da hora marcada, a chuva tinha diminuído de intensidade e parecia que as condições estavam ótimas para que existisse uma corrida minimamente aceitável. Mas quando os carros começaram a sair para a pré-grelha de partida, a chuva aumentou de intensidade e a ideia de começar por trás do Safety Car tornou-se inevitável.
As coisas começaram com a chuva a cair de modo relativamente forte, ao ponto de
Marcus Ericsson se ter despistado na reta da meta logo na primeira volta. E na terceira, as bandeiras vermelhas foram mostradas, fazendo com que os carros se recolhessem às boxes, onde ficaram por lá por 25 minutos. Confesso que temi que a tal farsa do qual tinha falado no dia anterior se concretizasse, mas o tempo acabou por mudar de tom e os pilotos e a organização acharam que as coisas estavam minimamente adequadas para a continuação da corrida.
E era verdade. Por uma hora, não choveu em Suzuka, tanto que em poucas voltas, os pilotos estavam a trocar os pneus de chuva pelos intermédios, sendo o primeiro a fazer o McLaren de Jenson Button. Em poucas voltas, o britânico era entre 1,5 a dois segundos mais veloz do que a concorrência e em pouco tempo era o quarto classificado. Mas na frente, os Mercedes iam numa corrida à parte, também graças ao desempenho dos Williams, que pareciam não ser tão eficazes na chuva. Os Red Bull foram os primeiros a aproveitar isso, primeiro
Sebastian Vettel, depois
Daniel Ricciardo.
Nesse entretanto, Hamilton observa Nico Rosberg, que parecia ser menos eficaz do que ele com os pneus intermédios. Aos poucos e poucos, a pista fica com menos água, ao ponto do DRS ser ativado na 23ª volta. Isso é aproveitado por Hamilton para apertar o alemão e consegue passar na volta 29, de uma maneira muito semelhante a
Kimi Raikkonen em 2005: por fora e a mais de 230 km/hora. Nâo foi tão dramático como naquele momento, mas aconteceu. E em pouco tempo, o inglês começou a abrir tempo para o alemão.
Mas o que nós viamos na televisão era uma ilusão. Não tanto em termos de carros, mas sim em termos de tempo. O céu escurecia cada vez mais, mas os filtros televisivos ajudavam a disfarçar essa realidade. E na volta 36, o céu escurecia ainda mais e a chuva começava a regressar, cada vez mais forte. E quatro voltas depois, o DRS é desligado. Mas os pilotos ainda hesitavam em colocar pneus para molhado, arriscando-se cada vez mais.
Por essa altura, chegamos à volta 40, onde se alcançava a marca dos 75 por cento da corrida, com os pilotos a conseguirem os pontos na sua totalidade. E a escuridão tomava conta da pista, e os pilotos lidavam cada vez mais com essa dificuldade. Até que
Adrian Sutil se despista na Curva Dunlop, e os comissários agitam bandeiras amarelas na zona. Mas não há Safety Car, por acharem que não há perigo iminente. E duas voltas depois, a confusão: o Safety Car entra na pista, acompanhado pela ambulância. Quem ouve os comentários na televisão fica confuso, e depois, os repórteres nas boxes dão informações mais precisas. E depois da confusão inicial, eles assinalam que
Jules Bianchi saiu de pista no mesmo local, e que as coisas são graves. Começo a temer o pior, e os pesadelos de Imola vêm à minha cabeça. Podem passado vinte anos, mas parece que foram na semana passada...
Por fim, o SC apanha Hamilton e todos começam a procissão à volta da pista. Por pouco tempo, pois as bandeiras vermelhas são agitadas, e os carros são recolhidos às boxes, para não voltar mais. E agora, todos ficam preocupados com o estado de saúde do piloto francês, com informações cada vez mais preocupantes. Não há imagens do acidente, a FOM não mostra - e não irá mostrar. Só horas depois um videoamador colocará nas redes sociais o que se passou.
Os pilotos são informados do que se passa e a organização tenta mostrar que o espectáculo continua, mas eles não estão virados para aí. Eles querem saber do estado de saúde de um dos deles, que apesar de serem rivais, desejam sempre o melhor. E enquanto isso acontece, Jules Bianchi é levado de ambulância para o hospital mais próximo. Não porque o helicóptero possa voar, mas porque não querem sujeitar o cérebro de Bianchi a mais pressão.
A noite cai e o tufão está cada vez mais próximo de terra. É assim acaba aquele que é provavelmente o pior Grande Prémio dos últimos vinte anos. Ninguém quer saber que Lewis Hamilton abriu uma vantagem de dez pontos para Nico Rosberg, quando faltam quatro corridas para o final do campeonato, ou que desta vez, Sebastian Vettel fez provavelmente a sua melhor corrida do ano e conseguiu bater Daniel Ricciardo, o que é uma novidade. Contudo, não se pode, nem se deve abrir "caças às bruxas", principalmente num país como o Japão, onde a organização é o seu ponto mais forte. Se tudo foi seguido à letra, se calhar a melhor coisa será mudar as regras, para que coisas dessas não voltam a acontecer.
E agora, segue-se a Rússia. Demasiado em cima da hora, mas os calendários já foram montados dessa maneira e não podem ser mudados. E a sensação que se fica depois disto tudo é que houve farsa, teimosia e tragédia. Esperamos pelas consequências, caso existam.