Quem leu esta tarde a noticia no site Motordrome sobre o manifesto feito pela Motorsport britânica, sabe que esta fez no passado mês de abril um artigo sobre o que deveria ser a Formula 1 no periodo "pós-Bernie". Por essa altura tinha começado em Munique o julgamento de corrupção, como um "spinoff" do "caso Gribowsky", onde ele tinha sido acusado de corromper um funcionário do Banco LB,
Gerhard Gribowsky, em cerca de 25 milhões de dólares, para ficar com os direitos televisivos da Formula 1 por um preço irrisório.
A revista achou que era altura de
fazer uma petição para o Grupo de Estratégia, o famoso organismo colegiado das seis principais equipas da Formula 1, mais a Toro Rosso (
Ferrari, McLaren, Mercedes, Lotus, Red Bull e Williams) e que esta primavera bloqueou as intenções da FIA (
leia-se, Jean Todt) de colocar um teto orçamental nas equipas de forma a permitir a sobrevivência das mais pequenas, que neste momento são a Force India, a Sauber, a Marussia e a Caterham.
Não sei se a FIA leu o manifesto, mas pelos vistos, parece que leu, depois de saber da proibição das comunicações entre a boxe e os pilotos, declarada na semana passada. Para quem não sabe disso, coloco aqui a parte do manifesto que fala sobre esse assunto:
1) Abolição de comunicações entre as boxes e o piloto - nem mesmo a amostragem de placas nas boxes. Queremos que o piloto descubra por ele mesmo o que ele necessita; não queremos que ele seja dirigido através dos dados enviados pela boxe.
2) Abolição das equipas de relações públicas nos circuitos. Pilotos e membros da equipa seriam autorizados a dizer o que quiserem - qualquer tipo de penalidade para as equipas que tentem interferir nesse aspecto seriam drásticos. Entrevistas aos pilotos na televisão, no final da corrida seriam conduzidas quando este esteja a sair do carro - no pitlane - e as perguntas não seriam feitas de forma branda.
É bom saber que a FIA, nesse capítulo não é surda e muda, ou que vive numa bolha à parte e não têm contacto com o mundo real. Ainda há alguma esperança desde que comecei a escrever este artigo, há uns dois meses.
Quem leu o artigo atentamente no Motordrome, reparou que é um "artigo a dois" entre o Jaime Boueri e eu mesmo. Comecei a escrever depois de encontrar este artigo, em meados de julho, mas não foi tudo de uma vez, foi ao longo dos dias. Quando soube que o Jaime e o Lucas Carioli iriam fazer um site, decidi oferecer este artigo - que originalmente era o primeiro de dois artigos - e eles aceitaram. Ele foi publicado hoje, mas eu decidi colocar aqui na mesma porque queria que, ao lerem o meu ponto de vista, fosse um complemento sobre o que é a Formula 1 atual e para onde ela caminha.
A Formula 1 é um desporto que as coisas mais importantes poderão ser medidas aos milhões. Têm milhões de adeptos em todo o mundo, movimenta centenas de milhões de dólares em tecnologia, rende outras centenas de milhões de dólares em publicidade e patrocínios, e as equipas estão dispostas a gastar centenas de milhões de dólares para serem campeãs do mundo.
Contudo, para chegarem a este ponto, muito se fez. E muitas dessas coisas foram feitas graças às ações e negócios de um homem:
Bernie Ecclestone. Todos têm de agradecer ao "anãozinho tenebroso" de 83 anos que nos últimos 40, transformou esta competição de semi-amadora e perigosa para um desporto multimilionário, com ramificações nos cinco continentes e receitas a rondarem os 1700 milhões de euros por ano. Apesar de ter perdido a sua vocação europeia e estar ancorada aos petrodólares do Golfo Pérsico e à sua dependência asiática...
Contudo, um dos segredos do sucesso de Bernie foi a televisão. Ele viu logo que isso seria um excelente meio para difundir a competição, mediante o pagamento de verbas que à medida que os anos passavam, iam aumentando. Tanto que, hoje em dia, a Formula 1 "elitizou-se", saindo da orbita dos canais abertos para ser algo semelhante ao boxe, onde para ver algo, tens de pagar. E pagar bem. Isto, se quiseres pagar, porque se não queres, mais vale andar à procura de uma ligação "pirata". O fruto proíbido é sempre o mais apetecido...
Mas nos últimos cinco anos, verificou-se uma grande mutação, de seu nome "redes sociais". E isso Bernie não viu, ou não quis ver crescer. E por causa disso, a Formula 1 "andou em contramão". Em atitudes pouco compreensíveis nos tempos que correm, retira as imagens das redes sociais colocadas pelos entusiastas do automobilismo, por exemplo. Mas mais interessante do que isto, é a aparente sua falta de interesse nas redes sociais. Não têm um canal oficial no Youtube, por exemplo, algo que as equipas já fizeram há muito. O Twitter oficial é pouco desenvolvido e pouco cuidado, apesar de todas as equipas e pilotos (as notaveis excepções são Kimi Raikkonen e Sebastian Vettel) terem a sua conta pessoal. E a mesma coisa em relação a outras redes, como o Instagram, o Pintrest, o Linkedin, o Tumblr, etc...
E mais grave ainda, nem têm uma página oficial de Facebook! Pelo menos, que eu saiba...
Para terem uma ideia: a Formula E, a competição elétrica que arrancou no fim de semana passado, têm isso tudo, quer na sua página oficial, quer colocando fotos e videos na sua página oficial do Facebook, para que todos possam ver e aproveitar. E coloca videos das suas corridas e dos seus testes. A mesma coisa acontece nos ralis, com o WRC a fornecer videos atrás de videos no seu canal do Youtube.
Não acredito que Bernie Ecclestone não tenha visto tudo isto a crescer, mas creio que a melhor explicação que tenho para todas estas atitudes é que ele não consegue controlar isto. Ele sempre gostou de controlar o jogo, dividindo os adversários e isolando-os, no sentido de sair sempre como vencedor. Ele é o que é porque quis ter tudo a seu favor. E as redes sociais são algo do qual não consegue controlar, para ser ele a colocar os seus termos e condições. E também têm outras coisas: ele têm o dinheiro que têm, vindo de outras fontes, que depois distribui às equipas, e isso é mais do que suficiente para ele. Demonstra que agradar ao público é das últimas coisas em que pensa na sua mente. Os autódromos vazios na Ásia (excepto o Japão) são um excelente exemplo.
Mas também há outra coisa neste momento que temos de ver, e toda a gente que lê e os insiders compreendem: a Formula 1 está a chegar ao final de uma era. Como um Vaticano que sabe que o Papa está velho e vai morrer dentro de pouco tempo, a respiração está suspensa e tenta-se pensar como vão ser as coisas depois do velho partir. Bernie vai fazer 84 anos em outubro e, como sabem, apesar de ter sido salvo há poucas semanas do crime de corrupção no "caso Gribowsky", pagou uma multa recorde de 75 milhões de euros para "fechar o caso", mas a CVC, a entidade que detêm a FOM (Formula One Management) ainda não colocou o "anãozinho" no seu lugar devido.
É verdade que se perdeu uma oportunidade de abrir a "caixa de Pandora" pós-Berne. Mas também sabe-se que toda a gente já entendeu que Bernie é a "cola" que une as equipas, e sem essa cola, a possibilidade de um enfraquecimento, ou até de cisão, dentro da Formula 1 é uma possibilidade real. Basta uma guerra entre Jean Todt, o patrão da FIA, e as equipas, sobre algum tipo de regulamento em relação a motores ou até de controle de custos, do qual eles são contra, porque em termos de "alma", não passam de "um bando de piranhas", desejosas de se devorarem umas às outras...
Mas mais do que isto, quem estiver mais atento e ver com calma, reparará que toda uma geração de pessoas que ajudou a moldar a Formula 1 está a chegar à sua velhice. Apesar de termos visto na semana passada o anuncio de que
Luca de Montezemolo iria abandonar a Ferrari, de 23 anos de presença, ainda há muitos desses "cardeais" (
mais um vaticanismo...) ativos. Pessoas como
Frank Williams, Jean Todt,
Ron Dennis, Niki Lauda, e até
Adrian Newey, levam todos mais de 30 anos na Formula 1 e já andam todos na casa dos 65, 70 anos, e não vão durar muito mais tempo. Um exemplo que posso colocar aqui é de Ron Dennis, agora com 66 anos e patrão da McLaren desde... 1980. Mas ele começou na Formula 1 ainda mais cedo: mais concretamente, em 1968, como mecânico da Brabham. E claro, nem pego em Bernie Ecclestone, cujas primeiras aparições nesta categoria datam de... 1957, quando era o manager de
Stuart Lewis-Evans e depois, da equipa Connaught.
E é com toda esta gente acomodada, a pensar nos seus umbigos e a esperar que aquele inevitável dia esteja bem longe que assistimos a certas coisas que não deveriam a acontecer, mas que já estão a acontecer. Como por exemplo, o "falhanço" da passagem de gerações, onde os mais novos deixam de gostar da modalidade da mesma forma que os mais velhos gostavam. Pior do que o encolhimento das audiências, pois as transmissões televisivas, cada vez mais careiras, migram para os canais pagos, transformando a categoria máxima do automobilismo numa elite que vive numa "bolha", o facto de praticamente poucos - senão quase nenhum - país passar a Formula 1 em sinal aberto, faz com se falhe a tal renovação de gerações.
Em suma, em nome do dinheiro, afastamo-nos do "povo". Podem não ligar nenhuma, por causa do fluxo de dinheiro que aí vêm, mas isso só vai durar uma geração. Daqui a vinte anos, a industria entrará em crise e o dinheiro escasseará. Mas nessa altura, essa gente toda será múmia, a conversar com Lucifer sobre a melhor maneira de organizar o GP do Inferno...
Em breve vou falar mais sobre este assunto, quer aqui, quer lá no Motordrome.