Já fiz uma referência durante a semana que passou sobre as declarações de Luca de Montezemolo sobre o terceiro carro e a sua visão do que deveria ser a Formula 1. Referi que tudo aquilo que tinha dito não era mais do que uma tomada de posição - a sua - sobre as regras existentes. E que depois da abolição da proibição das ordens de equipa, uma medida que Stefano Domenicali a considerava como "hipócrita", achei que o discurso de Montezemolo era uma forma de pressão sobre Jean Todt, o seu ex-empregado da Scuderia, para que modelasse as regras segundo os ditames vindos de Modena.
Mas indo para além das suas declarações sobre o terceiro carro, em vez de alargar o pelotão para novas equipas, e o respectivo "lobby" que quer fazer para que o seu desejo seja real, existe outro, mais fundo e do qual ouvimos um pouco nesse mesmo discurso: a ameaça de uma série paralela. Este tipo de discurso era aquele que estava à espera que acontecesse agora. A razão? O actual Pacto de Concórdia.
Ao longo deste ano, sempre que Bernie Ecclestone abria a boca para avisar as equipas para que não se metese com ele, sabia que tudo isso tinha a ver com o dinheiro que as construtoras recebem actualmente da Formula One Management (FOM). Como é sabido, cerca de 50 por cento desse valor cai nos bolsos das equipas, repartidos agora por doze, e o resto nas mãos da FOM, que é gerida pela CVC Capital Partners, que em 2002, por 325 milhões de euros, fez um contrato centenário com a FIA em relação aos direitos televisivos e outros da marca "Formula 1". Claro, esse contrato foi assinado nos tempos de Max Mosley, aliado de Ecclestone nos tempos da FOCA.
Com esse contrato, Ecclestone conseguiu o seu maior sonho: controlar a Formula 1. É ele que elabora o calendário e negoceia com os promotores, para além de fazer contratos com as cadeias de televisão, e é sempre ele que dita o preço que quer. E como os unicos que são capazes de pagar são os países da Ásia e do Médio Oriente, o calendário é moldado segundo esses ditames.
Agora, Bernie tem 80 anos. Está velho, mas não amorfo. Sabe e tem a consciência de que, apesar das lutas de 2009 terem sido contra Max Mosley e as suas ideias de fixar os custos a um nivel baixo, o facto da escalada dos eventos entre as duas partes ter ficado à beira da rutura - durante uns dias tivemos duas séries - alertou Ecclestone de que em 2011, quando voltariam a negociar um novo Pacto da Concórdia, o próximo alvo seria ele. Porquê? Não há Max Mosley, mas sim Jean Todt.
As noticias sobre o alegado golpe de estado, no inicio de Outubro, apesar de terem sido prontamente negadas, deixou a ideia de que foi um teste de Bernie Ecclestone para saber como andariam as coias do lado das equipas, como também pode ser entendido como um aviso a Jean Todt que o seu poder se baseia nas associações e não nas equipas de Formula 1. E Todt já deixou no ar a ideia de que quer modificar certos previlégios abusivos por parte de Ecclestone. O contrato centenário acima referido, bem como uma maior verba à GP2 e GP3 - criações de Ecclestone e Flávio Briatore - foram assuntos comentados nas últimas semanas.
Contudo, ainda não tenho ideia de como é que anda a relação de Montezemolo com Jean Todt. Será cordial, calorosa ou fria? Gostaria de ficar com uma ideia, e creio que antes do inicio do campeonato, isso será esclarecido, mas sei que o patrão da Ferrari não gostou muito da história dos motores 1.6 Turbo que irão entrar na Formula 1 a partir de 2013. Provavelmente, ter os mesmos motores que tem o WTCC, os ralis é algo que não lhe agrada, mas as noticias de que algumas marcas como a Honda e a Volkswagen, por exemplo, terem ficado agradadas com a ideia, talvez o possam ter refreado os seus impetos.
Mas isto tem pano para mangas, no próximo ano. Não ficaria admirado, por exemplo, se nas próximas semanas voltasse a ouvir falar da FOTA, cujos últimos sinais de vida datam do inicio de 2010, quando acordaram com o novo sistema de pontuação. Afinal, foi após o GP de Itália de 2008 que foi criada e que criou a maior parte da briga de 2009. Em 2011, caso se foquem totalmente em Bernie Ecclestone e ele se tornar hostil para todas as equipas, poderiamos ver algo semelhante. Mas as pontas soltas, especialmente na questão dos regulamentos, me deixam um pouco de pé atrás. E Ecclestone não é burro, é um excelente homem de negócios, está na Formula 1 há mais de quarenta anos e a sua trajectória é de sucesso.
Aos poucos, as nuvens negras aproximam-se. Resta saber se a nova tempestade será ou não mais forte do que a anterior. E que tipo de estragos irá causar.