Já começa a ser menos raro ver mulheres a escrever e falar sobre autombilismo na blogosfera e noutros lados. No caso em particular de Julianne Cerasoli, o blog onde escreve, o Faster F1, tem pouco tempo, mas já alcançou notoriedade pelas suas análises pormenorizadas e analíticas sobre os carros e os fatos da categoria máxima do automobilismo. Isso é só ao alcance de poucos, e tal coisa vinda de uma mulher, mais notório ainda.
Aos 26 anos, Julianne escreveu-me no seu cartão de visita que “assisto a corridas de F1 desde que me dou por gente. Primeiro, porque queria fazer companhia a meu pai, depois os papéis se inverteram e hoje trabalho para que, quem sabe, ele ligue a TV ou fuce os jornais para me ver.” Depois de cursar jornalismo e a escrever na área desportiva num jornal de Campinas, o Correio Popular, decidiu fazer o que muitos apaixonados fazem: um blog sobre a categoria que se tornou rapidamente numa referência, tanto mais que foi uma das três convidadas a escrever no Blog do Ico (os outros dois foram Mike Vlcek e eu).
Hoje em dia, para além do blog e do jornal, também é uma das colaboradoras do sitio da Internet Pódium GP. Em suma, a entrevistadora de hoje é também uma das minhas colegas de trabalho…
1 – Olá Julianne, é um prazer ter-te aqui, neste humilde blog, a responder às minhas perguntas. Queres explicar, em poucas linhas, como surgiu a ideia do teu blogue?
Achava que havia uma lacuna nos blogs brasileiros, que costumam dar mais atenção à repercussão das notícias. Queria dividir os dados que encontrava pela internet, e abrir um espaço que não ficasse tão preso no factual. Também era uma oportunidade, é claro, de dividir minhas ideias a respeito de um tema do qual eu gosto muito.
2 – O nome que ele tem, foi planejado ou saiu, pura e simplesmente, da tua cabeça?
Como queria fazer algo diferente, tinha que ter um nome incomum. Acho que foi a parte mais difícil de iniciar o blog, mas acredito que a palavra “faster”, além de ter tudo a ver com a velocidade, tem um quê de superação, de inquietude. E é isso que eu busco.
Devo dizer também que o FasterF1 começou antes do GP da Alemanha de 2010...
3 – Antes de começares este blog, já tinhas tido alguma participação em outros blogues ou sites?
Nunca. Costumava ler, mas sequer comentava. Era um mundo completamente novo para mim.
4 – Em que dia é que começaste, e quantas visitas é que já teve até agora?
De 2 de junho de 2010 para cá, foram cerca de 55.000 visitas. Sei que não é muito, mas vamos crescendo aos poucos.
5 – De todos os posts que já escreveste, lembras-te de algum que te orgulhe… ou não?
Gosto dos posts em que mostro como foram as transmissões das corridas no Brasil, na Espanha e na Inglaterra. Trazer esse conteúdo exclusivo (tem mais algum maluco/a que assiste à mesma corrida três vezes só para escrever um post?) foi minha motivação central para começar o blog e, como jornalista, observar as diferenças é um ótimo exercício para tentar escapar ao máximo das imparcialidades.
6 – Como é que uma rapariga como tu vira uma “petrolhead”?
Não me considero uma “petrolhead” porque não me importo muito com os carros. Gosto de Formula 1 desde pequena porque sempre fui muito competitiva e perfeccionista. Além disso, os meandros políticos também me fascinam. Ou seja, não há mundo mais completo para mim que a Formula 1!
7 – Em que é que tu, escrevendo sobre Formula 1, consegues ser diferente dos outros blogs?
Seria mais fácil alguém de fora responder isso. Gosto muito de escrever em si, então a linguagem é algo que prezo bastante. Gosto de fazer o leitor pensar, não quero dar as respostas e isso é algo que sinto que falta em outros blogs.
Gosto de trazer para a discussão, como já citei, a maneira como os fatos são entendidos fora do Brasil, para tentar abrir o leque de compreensão das pessoas, além de rechear os posts com o maior número de dados possível.
8 – Daqueles blogues que conheces sobre automobilismo, qual(is) dele(s) é que tu nunca dispensas uma visita diária?
Curiosamente, não sou uma grande leitora de blogs! Costumo ficar no twitter e visito os links que me interessam. Um blog que visitava diariamente, mas infelizmente não existe mais, é o FormulaUK, pela maneira particular que o Mike Vlcek tem de explicar as coisas. Gosto da maneira de entender F1 do James Allen e do Andrew Benson também.
9 – Falamos agora de Formula 1. Ainda te lembras da primeira corrida que assististe?
Minha primeira memória é a minha revolta com o título do Prost de 1989. Do alto dos meus 5 anos, achava que o Senna era perseguido!
10 – E qual foi aquela que mais te marcou?
É lógico que a de San Marino de 1994 me traz memórias fortes. Mas prefiro me lembrar de emoções boas. O melhor foi ser testemunha ocular daquela eletrizante final de campeonato de 2008. E, antes que me pergunte, sim, eu estava torcendo por Hamilton.
11 – Fittipaldi, Piquet e Senna. Qual dos três é aquele que mais agrada, e porquê?
Os três foram grandes campeões, cada um com seus méritos. Tenho um carinho especial pelo Fittipaldi, pela coragem de recomeçar inúmeras vezes e um respeito por Piquet nunca ter deixado de ser quem ele é. Mas Ayrton é, muito provavelmente, a razão de eu estar escrevendo estas linhas. Não acho que ele era perfeito, ou um semi-deus, como muita gente o vê no Brasil. Ele era esperto e sabia se colocar de maneira a conseguir o que queria. Contudo, a sua determinação e a autoconfiança sempre foram uma grande inspiração, além de seus feitos na pista.
12 – E Felipe Massa? É outro que pode ser campeão ou vai ser um irreversível segundo, algo que os brasileiros parecem odiar…?
Não vejo demérito algum em chegar na Formula 1 e se deparar com alguém melhor do que você. Estando lá, você já mostrou que é superior a milhares de rivais! De qualquer maneira, não me lembro de uma corrida em que o Massa tenha me enchido os olhos. Das 11 provas que ele venceu (lá vou eu com meus dados!), só em 3 vezes não largou da pole (uma delas é aquele presente do Hamilton na Bélgica). Queria vê-lo vencendo com um carro não tão bom.
13 – Tirando os brasileiros, qual é para ti o piloto mais marcante da história da Formula 1, e por quê?
Claro que houve pilotos que ganharam mais títulos e que merecem toda a reverência, mas tenho que citar Sir Jackie Stewart. Sou uma grande admiradora do escocês, por ter usado sua posição como um grande campeão do mundo para lutar pela segurança numa época em que ligava-se um risco quase irracional à valentia.
14 - Quem é que tu achas que é o favorito para a temporada de 2011?
Pelo carro (que deve ter) e pelas lições do ano passado (dele e da equipe), Vettel.
15 - Achaste bem o adiamento/cancelamento do GP do Bahrein?
Temia que, para manter a Formula 1, fariam uma carnificina. De qualquer maneira, a ânsia em cavar uma data à fórceps no calendário para a remarcação da prova mostra onde realmente dói para quem rege o esporte.
16 - Qual é a tua opinião sobre a confusão entre a Lotus Cars e Tony Fernandes pelo direito a usar o nome “Team Lotus”?
Digamos que veja a recente queda das ações da Proton com bons olhos. Estão começando a ver que os planos de Bahar não se sustentam. Não é pelo nome Lotus em si, o problema é a sequência de buracos negros na gerência de num time tão importante, 4 vezes campeão do mundo, como o de Enstone. Uma empresa com base em Luxemburgo se une a uma montadora deficitária malaia, com planos exorbitantes, e todo mundo aplaude a volta da Lotus, enquanto Tony Fernandes, com experiência em criar uma estrutura pequena e eficiente na Air Asia, monta um time do zero e é colocado para escanteio? Não faz muito sentido para mim.
17 - A grande ausência de 2011 vai ser Robert Kubica. Qual foi a tua reacção quando soubeste do acidente e o que achas dos pilotos de Formula 1 poderem fazer outras atividades, como ralis?
Pulei da cama para o computador e só saí de lá quando o risco de morte foi afastado. O que me incomodou muito foi a velocidade com que os rumores de amputação viraram verdade e a torcida instantânea por Bruno Senna. Logo aqui, onde as pessoas têm mania de julgar o caráter dos outros...
É lógico que a primeira coisa que você pensa é “o cara foi brincar de rali logo agora?”, mas isso não faz sentido. Se não precisassem flertar com o perigo, fariam outra coisa da vida. E perderíamos a chance de ver um piloto à prova de balas, como o Kubica. Além disso, ele tinha a permissão pelo contrato. Então, caso encerrado.
18 - Achas que Nick Heidfeld é um bom substituto?
Era a escolha segura. Eles precisam de dinheiro, ou seja, de pontos no mundial de construtores, e tinham um carro com saídas pouco convencionais. Então, tiveram que apostar na eficiência e experiência não vejo ninguém mais indicado. Se bem que imagino que isso não tenha agradado em nada ao Kubica.
19 – Que impressão ficas da Hispânia?
Sem um projeto bem traçado e com Colin Kolles no comando, não precisa dizer muita coisa.
20 - “Correr é importante para as pessoas que o fazem bem, porque… é vida. Tudo que fazes antes ou depois, é somente uma longa espera.” Esta frase é dita pelo actor americano Steve McQueen, no filme “Le Mans”. Concordas com o seu significado? Sentes isso na tua pele, quando vês uma corrida, como espectador?
Acho que isso é algo difícil de experimentar pela TV ou mesmo assistindo a uma corrida ao vivo. Só vivendo mesmo. O que sei é que, quando fico horas assistindo vídeos onboard, só com o som das máquinas, me sinto quase em outra realidade.
21 – Já agora, tens alguma experiência automobilística, como karting? Se sim, ficaste a compreender melhor a razão pelo qual eles pegam num carro e andam às voltas num circuito?
Só andei de kart até hoje, e não sou nenhuma Bia Figueiredo! Sou suspeita para falar porque amo praticar qualquer tipo de esporte. Entendo quem fica correndo em círculos num circuito, quem fica indo e voltando numa piscina, quem corre por quilômetros e mais quilômetros sob um sol escaldante. Só tenho dificuldade em entender quem fica no sofá assistindo TV.
22 - Tens algum período da história do automobilismo que gostarias de ter assistido ao vivo?
Teria que escolher ser adolescente nos anos 1960, e então poderia tanto ter visto o Jim Clark correr, quanto ter aproveitado ao máximo a efervescência cultural daquela época.
23 – Que impressão ficas quando vês os vídeos de Antti Kalhola?
Só o conheci por meio do Continental Circus, acredita? Minha impressão é de que a FOM tem que contratá-lo imediatamente e parar de vez com essa castração ditatorial com os vídeos no You Tube e afins. Que tomem como exemplo o WRC e vejam como a internet é a ferramenta de divulgação mais rica que existe, quando bem trabalhada.
24 – E já agora, viste alguma vez o Top Gear? Se sim, que impressão tens sobre o programa?
Não vejo todos os programas porque, como disse anteriormente, não são exatamente os carros que me fascinam. Gostei muito do que vi, tanto em termos de edição, quanto de linguagem, com aquele humor britânico delicioso. Imagino que Clarkson e companhia sejam o que os pilotos são na realidade, sem toda aquela capa que têm que usar nesse mundo moderno em que a imagem vale mais que o conteúdo: uns malucos.
25 – Para finalizar, que planos tens para o teu futuro próximo?
No momento, continuo com o FasterF1 e o PodiumGP na internet, além de uma coluna sobre F1 no jornal Correio Popular, de Campinas-SP. Tenho alguns projetos sendo encaminhados, com o objetivo, que acredito ser o seu e o de muitos, de conseguir viver escrevendo sobre o que eu amo. Será que é pedir muito?