Como em 1913, a corrida iria ser uma volta inteira à volta da Sicilia, e a 31 de maio, um dia depois de, no outro lado do Atlântico, se terem realizado as 500 Milhas de Indianápolis, começava uma corrida exaustiva para máquinas e pilotos. Felice Nazzaro era o favorito, mas uma quebra na transmissão o viu obrigado a abandonar a competição.
isso foi a ocasião ideal para que Ernesto Ceirano, no seu SCAT, acelerasse para a vitória, conseguindo fazer a volta da ilha em 16 horas (!), com um avanço de quase duas horas sobre o De Vecchi de Mariano di Gloria e três horas sobre o Fiat de Luigi Lopez, numa prova onde oito carros chegaram até ao fim.
Enquanto que acontecem algumas destas corridas, todos se preparam para a grande corrida dessa temporada, que era o Grande Prémio de França. Com o sucesso da corrida em Dieppe, nos dois anos anteriores, dezenas de cidades queriam acolher a corrida, e após cuidada deliberação, escolheu a cidade de Lyon, que tinha prometido, em caso de acolhimento, mais de dez mil libras em ouro em subsidios. Com a cidade escolhida, o circuito foi delineado nas estradas nos arredores da cidade, e a data marcada para o dia 4 de julho.
O ACF acolheu 36 inscrições de equipas francesas
e estrangeiras. Dos franceses, a grande destaque era a Peugeot, a campeã, que ia correr
com Georges Boillot, Jules Goux e Victor Rigal, acompanhada por outras duas
marcas, a Delage (que tinha Albert Guyot e Paul Bablot, bem como o belga Arthur
Duray) e a Alda, com Ferenc Szisz, Maurice Taubeteau e Petro Bordino. A Fiat
tinha três carros, para os italianos Alessandro Cagno e Antonio Fangnano, bem
como o inglês John Scales. Outra italiana, a Nazzaro, tinha Jean Poporato e
Felice Nazzaro, enquanto que a inglesa Sunbeam colocava três carros, para
Kelheim Lee Guiness, Jean Chassaigne e o americano Ralph De Palma. Outra marca
inglesa, a Vauxhall, tinha dois carros, para W. Watson e John Hancock.
A Alemanha representava-se pela
Opel, que tinha Franz Breckheimer, Carl Jörns e Emile Erndtmann, mas o maior
perigo vinha da Mercedes. De regresso à competição, depois de alguns anos ausentes, decidiram que iriam investir tudo nesta corrida, no sentido de
repetir o feito de 1908. Inscreveram cinco carros, quatro oficiais,
para os alemães Max Sailer, Christian Lautenschlager e Otto Salzer, bem como o francês
Louis Wagner, e um não oficial para o belga Theodore Pilette, que era o representante da marca no
seu país.
Os carros eram montados em Estugarda e enquanto eram construídos, durante a Primavera, decidiram visitar o local da corrida e estudar em detalhe o circuito. Montaram o seu
quartel-general na cidade e usaram profusamente os dois dias de treinos para afinar
a melhor estratégia possível. Tinham até uma arma secreta: os novos pneus
Continental, que eram bem mais resistentes do que os da concorrência,
especialmente os Peugeot, que tinham pneus Dunlop. Chegou-se até a noticiar que
a Mercedes colocou este aviso na ordem do dia:
“Por razões de propaganda, a
Mercedes decidiu ganhar este ano o Grande Prémio”. Para a marca alemã, a vitória em terras francesas era fundamental, especialmente contra os Peugeot dominantes.
A PRIMEIRA BATALHA DE UMA FUTURA GUERRA EUROPEIA
Como já foi dito, o “Grand Prix
de France” estava marcado para o dia 4 de Julho. Contudo, poucos dias antes, a
28 de Junho, a politica entra em cena: o Arquiduque herdeiro da Áustria,
Francisco Fernando, é morto na cidade de Sarajevo pelo anarquista sérvio
Gavrilo Princip. A partir de então, a crise instala-se na Europa e todos sabiam
que caso o sistema de alianças então vigente entrasse em vigor, milhões de
pessoas pegariam em armas numa questão de dias… Agora, já não era mais uma
corrida, mas sim a primeira batalha de uma futura guerra europeia.
Na alvorada do dia da corrida, já
mais de 300 mil espectadores espalhavam-se ao longo do circuito, esperando pela
partida, que se iria verificar às oito da manhã. Os carros iriam partir de dois
lado a lado, com intervalos de 30 segundos. O primeiro carro a passar foi o
Peugeot de Boillot, mas quando se somaram os tempos, verificou-se que o líder
era… o Mercedes de Max Sailer, com 18 segundos de avanço. A táctica da Mercedes
era simples: iriam lançar um dos seus carros para a frente, levando-o ao limite
das suas capacidades, como um “isco” para que os Peugeot pudessem morder, já
que ali, com a fama que tinham, iriam correr com o orgulho nacional presente. E
eles morderam!
Sailer imprimiu um ritmo
alucinante durante cinco voltas, até que os rolamentos da cambota do seu carro
griparam. Com isto, Jules Goux e Georges Boillot ficaram então na frente, mas
logo atrás de si tinham os outros Mercedes, de Lautenschlager e de Wagner, que
andavam perto dos Peugeot, mas sem forçar muito o ritmo. Na sexta volta, era
Boillot que estava na frente, mas o segundo, a menos de um minuto, era
Lautenschlager, que já tinha passado Jules Goux. Otto Saltzer e Louis Wagner
não estavam muito atrás, na quarta e quinta posições, respectivamente.
A partir dali, foi um duelo
épico: nas onze voltas seguintes, Boillot tentou se distanciar de Lautenschlager,
mas este não se descolava. Para piorar as coisas, sempre que se distanciava,
isso fazia com que os pneus se desgastassem, obrigando-o a trocá-los. Boillot
fez oito paragens, em contraste com uma única por parte de Lautenschlager. Na
volta 18, a
duas do fim, uma nova paragem fez com que perdesse o comando para o piloto
alemão, e a partir dali, tentou fazer a recuperação da sua vida. Tinha que ser:
a honra da França estava em jogo.
RECEBIDOS EM SILÊNCIO
Por essa altura, a Mercedes deu
ordem para Lautenschlager no sentido de aumentar o ritmo, pois a diferença
entre eles tinha caído para 23 segundos, no início da última volta, os últimos 36 quilómetros até à
meta. Boillot, nessa altura, estava a levar o carro até ao limite, e para além
dele. Toda a França estava de olhos postos nele, como a última esperança contra
os alemães, pois todos queriam que os eventos de 1908 não se voltassem a
repetir.
Mas tal não aconteceu: a 23 quilómetros da
meta, uma das válvulas do motor Peugeot partiu-se e Boillot é obrigado a
abandonar. Inconsolável, ele e os espectadores assistem ao triunfo total da
Mercedes e de uma estratégia que resultou pleno: os carros alemães
monopolizaram o pódio, com Lautenschlager como vencedor, Louis Wagner em
segundo e Otto Salzer em terceiro. Jules Goux foi o melhor francês, e o melhor
dos Peugeot, no quarto lugar, a nove minutos e meio.
Os vencedores foram recebidos com
um silêncio gelado no pódio da corrida, e voltaram para Estugarda para serem
recebidos como heróis. Vinte e quatro dias depois, o Império Austro-Húngaro
declarava guerra à Sérvia e seis dias mais tarde, a 2 de Agosto, o sistema de
alianças estava a funcionar em pleno, mobilizando dezenas de milhões de jovens
para uma guerra que parecia ser curta. Na realidade, tinha acabado naquele
momento uma era importante, que na vida das pessoas, quer no automobilismo, e
enquanto uma geração inteira se matava nas trincheiras da Flandres, as corridas
de automóveis ficaram suspensas na Europa até 1919.
(continua no capitulo seguinte)