Caro Jim Clark:
Deve ser pelo facto da morte nos dar um efeito de absolvição, mas não lembro de ninguém falar mal de ti. Pelo contrário: só elogios perante o teu talento e perante a tua maneira de ser, muito modesta. Eras tímido, e fazias aquilo porque gostavas, porque tinhas talento. Acho que se tu aparecesses hoje em dia, 44 anos depois de teres desvanecido naquela recta de Hockenheim, não reconhecerias, ou se calhar, não conseguirias ter o sucesso que tiveste. Digo isto porque é um mundo altamente profissionalizado, altamente competitivo, onde quem tem a melhor maleta de dinheiro, é que entra. Tu provavelmente, se viesses como vieste, no final da década de 50, terias provavelmente voltado para a tua quinta escocesa e dedicado à agricultura. Aliás, é aquilo que tens gravado na tua pedra tumular: em primeiro lugar, eras agricultor, e a seguir foste piloto.
Foste a pessoa certa no tempo certo. Um piloto discreto, modesto no trato, mas gigante na pista. Dominavas os carros como ninguém, fazias a pole-position e depois disparavas, para que os teus adversários nunca mais te vissem em corrida, ou se preferires, só te vissem depois da bandeira de xadrez, no lugar mais alto do pódio. Evidentemente, foste o modelo de piloto para muita gente, mesmo depois de morreres. Foste o modelo de piloto para Colin Chapman, o homem que queria ter os carros mais velozes e mais leves possível, num equilíbrio perigosamente delicado naqueles tempos.
Acho que ficarias abismado com os tempos que vivemos. Não há praticamente mortes na Formula 1, os carros são incrivelmente rápidos e incrivelmente seguros. Mas também irias ver o preço que foi pago: a Formula 1 globalizou-se, televisionou-se. É provavelmente um dos desportos mais seguidos do mundo, e corre em toda a parte, da Austrália ao Brasil, onde se corre cada vez menos na Europa e cada vez mais na Ásia e no Médio Oriente. Já não há Tasman Series, por exemplo, mas corre-se "onde está o dinheiro", ou seja no Médio Oriente. Corre-se de noite e de manhã, e os carros estão cheios de publicidade, dependentes dessa matéria que o teu patrão e amigo viu logo o seu potencial, quando colocou as cores da Gold Leaf no teu carro, naqueles teus últimos meses de vida, na Tasman Series.
Quando tu te foste, naquela fria tarde alemã, em Hockenheim, é certo que todos sofreram pela tua perda. Simplesmente não acreditavam que isso acontecesse a ti. Parecia que isso aconteceria aos outros, e muitos duvidaram se queriam continuar. O teu patrão, Colin Chapman, pensou seriamente em abandonar, e só continuou porque o teu companheiro de equipa, Graham Hill, juntou toda a gente e levou a equipa ao título de pilotos e de Construtores. Hill foi bicampeão, mas toda a gente está convencida, até aos dias de hoje, que aquele campeonato era teu.
44 anos é muito tempo, uma geração. Eu, que venho de uma geração posterior, que nunca te viu correr em pista, ao ouvir aqueles que falavam de ti com entusiasmo, fui ver as fotos, os artigos e os vídeos das tuas corridas, dos teus carros e das pessoas que foram os teus rivais e adversários. E descobri um excelente piloto, o melhor do seu tempo e somente palavras elogiosas dos teus rivais. De facto, marcaste uma época e muita gente, ainda hoje, sente a sua falta. Ninguém te esqueceu de ti, Jim Clark.
Não sei - e nesta altura, francamente não me interessa saber - o que há para além desse Grande Desconhecido. Mas decerto que se tu e o Colin Chapman se encontraram depois disso, tenho a certeza que te pediu desculpa por teres dado um carro defeituoso. E estou certo que terias perdoado. E estou certo que o Graham Hill, caso se tenham cruzado nesses dimensões ainda desconhecidas para nós, ter-te-ia dito que fez o seu trabalho da melhor maneira que pode. A Lotus prosseguiu sem ti, vencendo títulos com outros pilotos, e sobreviveu ate hoje, mesmo depois de Colin Chapman ter ido embora. Mas isso é outra história, do qual não vale a pena desenterrar hoje. Porque agora é altura de te recordar e te dizer que eles, os mais antigos tinham razão: foste o melhor do teu tempo.
Obrigado Jim, por teres feito o que fizeste. Precisaste apenas de 32 anos para teres uma boa vida, e de não seres mais esquecido, porque nas gerações seguintes, haverá sempre alguém que te irá descobrir, ver as tuas fotos e tuas filmangens, e dirá a mesma coisa que digo agora.
Adeus, e espero que onde estejas agora, tenhas uma boa existência.