Há dez anos, fiz provavelmente o que deve ser uma das matérias que mais me marcou: a cronologia dos eventos do Grande Prémio de San Marino de 1994, um dos fins de semana mais negros da história do automobilismo. No seu final, dois pilotos morreram, um deles um dos melhores da sua geração, que chocou uma nação e o mundo. Uma semana mais tarde, em São Paulo, um milhão de pessoas assistiram ao seu cortejo fúnebre, para prestar homenagem a alguém que, mais do que vencer corridas e campeonatos, simbolizava o orgulho de ser brasileiro numa altura em que não havia muita coisa para comemorar num país continental como aquele.
Contudo, ao ler aquilo que escrevi naquele tempo, poderei dizer que não mexia quase nada, significando que até gostei do que escrevi, e os elogios que recebi quer na altura, quer nos anos seguintes, mostram que consegui alcançar o meu objetivo.
Mas aquelas linhas foram escritas há uma década, e também passou uma geração desde aqueles eventos funestos. E entre esse tempo e agora, houve uma série de acontecimentos que fizeram mudar o automobilismo, a Formula 1 e fez solidificar o mito de
Ayrton Senna para uma nova geração e se calhar, o tornou imortal.
Nas linhas seguintes, tento explicar o que se passou nesta última década, a partir de excertos do original de 2009.
Primeiro - A segurança em primeiro lugar, mais que nunca
"Desde esse dia, ninguém mais morreu ao volante de um Formula 1. A segurança é ainda maior do que existia antes, pois agora os pilotos têm protecções laterais nos seus carros e usam obrigatoriamente o dispositivo HANS (Head And Neck Support), um dispositivo agarrado ao capacete, que os prende em caso de uma desaceleração brutal, evitando qualquer fatalidade devido às fracturas na base do crânio. Curiosamente, foi após o acidente fatal de Dale Earnhardt Sr, nas 500 Milhas de Daytona de 2001, na NASCAR, que todos acordaram para a ideia do HANS e da sua potencialidade para salvar vidas. À medida que este desporto elimina as suas ameaças de morte e se torna numa modalidade seguida por centenas de milhões de pessoas, espalhadas pelos quatro cantos do mundo, as pessoas tendem a esquecer que o perigo faz parte do desporto. De quando em quando, o Destino encarrega-se de lembrar aos mais velhos, para que lembrem aos mais novos para que este desporto, para além de ser altamente veloz e altamente tecnológico, e agora a tender para o politico, ainda é perigoso"
Na madrugada do dia 5 de outubro de 2014, decorria o GP do Japão. Era uma corrida contestada desde o seu inicio, por causa da passagem do tufão Phanfone pela zona de Mie, onde fica situado o circuito de Suzuka. Tentativas de antecipar ou adiar a prova foram rejeitadas - aparentemente - pela organização do GP japonês, alegando que no verso dos bilhetes estavam os horários dos comboios que os espectadores poderiam apanhar para chegar a tempo ao circuito.
Diante de 142 mil pessoas, que desafiaram o tempo, a corrida começou por volta das 15 horas locais. Debaixo de chuva intensa, a bandeira vermelha foi mostrada na volta quatro, para voltar a correr vinte minutos mais tarde, pois nessa altura, a chuva tinha amainado. Contudo, na volta 43, depois de mais uma amostragem de bandeiras amarelas, o Marussia do piloto francês Jules Bianchi - sobrinho-neto de Lucien Bianchi, vencedor das 24 Horas de Le Mans em 1968 - despistou-se na curva Dunlop e embateu fortemente no trator que estava na escapatória para retirar o Sauber do alemão Adrian Sutil. O embate direto ao trator destruiu o arco de segurança do carro, aliado a uma força G calculada em 254 vezes, fez com que o jovem piloto de 25 anos entrasse de imediato em coma. Transferido para Nice, a sua terra natal, acabaria por morrer a 17 de julho de 2015, sem nunca recuperar a consciência.
A Formula 1, depois de 21 anos, voltava a ter um acidente mortal. Poucos dias depois, na igreja de Nice, o pelotão da Formula 1 estava em peso para se despedir de mais um dos seus, desde Lewis Hamilton a Pastor Maldonado, passando por Nico Rosberg e Sebastian Vettel.
O automobilismo, e a FIA em particular, tiveram de reagir. Cinco anos antes, durante os treinos livres para o GP da Hungria, uma mola vinda do Brawn de Rubens Barrichello atingiu o Ferrari do seu compatriota Felipe Massa, deixando-o inconsciente. No meio do azar, a sorte: a mola - com cerca de um quilo de peso, atingiu lateralmente o seu capacete. Caso tivesse atingido a viseira em cheio, como aconteceu com Helmut Marko durante o GP de França de 1972, o destino teria sido bem pior que o infeliz piloto austríaco.
Desde essa altura que se falava de um dispositivo para proteger a zona da cabeça. Já não bastava o HANS, não bastava uma viseira reforçada. Tinha de ser mais e melhor. Em 2016, a FIA decidiu que a partir da temporada seguinte, iria haver o HALO, um dispositivo para proteger os pilotos. Semelhante às havaianas brasileiras, é uma barra curva que protege a cabeça do piloto de outros carros, pneus e até de capotamentos, evitando que o piloto toque a cabeça no chão.
Os adeptos odiaram-o por motivos estéticos, e colocaram dúvidas sobre a sua eficácia. Contudo, apesar de alguns exemplos onde os pilotos se salvaram de possíveis ferimentos graças a esse dispositivo, a discussão continua entre os tradicionalistas e os modernistas. E hoje em dia, a grande excepção continua a ser a IndyCar, já que todas as provas FIA usam deste dispositivo, desde as formulas de promoção.
Segundo - Os novos donos da Formula 1
Em 1994, o presidente da FIA era o britânico Max Mosley, que estava no cargo desde 1991. Quem tomava conta das finanças, fazia os contratos para acolher os circuitos, e distribuía os dinheiros para as equipas era outro britânico, Bernie Ecclestone. Antigo empresário de pilotos como Jochen Rindt, e depois proprietário da Brabham, estaa a controlar as finanças desde 1978 numa associação chamada FOCA, Formula One Constructors Association.
Ecclestone, que vendera a Brabham em 1986 para tomar conta da FOM (Formula One Management) estava a controlar a Formula 1 com mão de ferro, e Mosley, antigo fundador da March e depois, advogado de Ecclestone, limitava-se a dar o "sim" às decisões feitas pelos construtores em relação ao calendário.
Contudo, em 2009, havia movimentações. Os construtores tinham-se associado no final do ano anterior numa organização, a FOTA (Formula One Teams Association) e pretendiam uma fatia maior dos lucros e sobretudo, um maior mando nos regulamentos. Decidiram afrontar Mosley ao ponto de quase ruptura, durante o fim de semana do GP da Grã-Bretanha desse ano. Bernie Ecclestone interviu, chegou a novo Acordo da Concórdia e Mosley retirou-se a favor do francês Jean Todt, que de 1993 a 2007 tinha sido o diretor desportivo da Ferrari. Todt, depois de uma eleição contra Ari Vatanen, é desde esse ano o presidente da FIA.
As partes decidem ficar, cada um, no seu canto. Até que em 2017, Ecclestone e a CVC Capital Partners decidiram vender a FOM à firma americana Liberty Media, por um valor próximo dos dois mil milhões de dólares. Parecia que aos 87 anos, Ecclestone iria gozar a reforma e os milhões. Mas o "anão tenebroso" não tem esse nome por capricho. Os novos donos da Formula 1, os americanos Chase Carey e Sean Bratches, acompanhados pelo britânico Ross Brawn, apesar de terem dado maior frescura à competição, desde a abertura para as redes sociais até à criação de um canal pago por um valor baixo - 25 dólares por ano - têm dificuldades em arranjar novos circuitos, e um calendário mais de acordo com os seus gostos. E pior: a perda de espectadores, parcialmente devido à migração da Formula 1 para canais pagos em países como a Grã-Bretanha e a Itália. O Brasil é das poucas nações onde a Formula 1 ainda é vista por sinal aberto.
As ideias são boas, é verdade, mas depois de um dominio tão duradoiro de alguém como Ecclestone, haverá uma natural tendência para a decadência. Não é fácil calçar sapatos como esses. E provavelmente, Bernie conseguiu sair no momento certo. E uma das razões explico no parágrafo seguinte.
Terceiro - Bem-vindo ao século XXI, automobilismo
Quem via o automobilismo em 2009 parecia que estava tudo como era quinze anos antes, em 1994. Havia algumas alterações na hierarquia da Formula 1. A Brawn GP, qual furacão, dominava o pelotão, com Rubens Barrichello e Jenson Button a guiar máquinas imbatíveis. Acabaram por dar à equipa o título de Construtores, e Button foi campeão do mundo, com Barrichello a ser terceiro e a vencer em Monza, numa vitória bem emocionante para o piloto brasileiro. Seria a sua última na Formula 1. Ele ficaria até 2011, correndo na Williams e tendo uma retirada algo melancólica. Depois de uma passagem efémera pela IndyCar, agora está na Stock Car Brasil, gozando os prazeres da condução e não deixando de ser competitivo.
Mas desde há dez anos para cá, o panorama do automobilismo mudou quase radicalmente. Como em 1004, em 2009, a electricidade era ainda uma fição. Mas depois surgiu um americano de origem sul-africana, de seu nome Elon Musk, um dos milionários de Sillicon Valley, que teve a ideia de fazer do automóvel uma aplicação eletrónica. Co-criador da Tesla, como Steve Jobs, na Apple, tinha o dinheiro e os engenheiros para construir carros elétricos com potência e capacidade para ameaçar o domínio dos automóveis de combustão interna. De piada em 2009, dez anos depois, tornou-se admiração e ameaça. Prevê-se que se vendam um milhão de automóveis graças à sua marca, e as suas fábricas, nos Estados Unidos e na China, são das maiores do mundo.
Aliado ao dia-a-dia, o automobilismo iria inevitavelmente entrar no barco da eletricidade. Em 2011, foi anunciada a criação da Formula E, com chassis iguais, mas com as equipas capazes de desenvolver os seus próprios sistemas de propulsão. Liderados pelo espanhol Alejandro Agag, antigo dono da equipa Audax, que correu na GP2, cedo atraiu algumas marcas, e em 2014, tinha uma competição com vinte carros e alguns dos melhores pilotos do pelotão. Nicolas Prost, filho de Alain Prost, Nelson Piquet Jr, filho de Nelson Piquet, e Bruno Senna, sobrinho de Ayrton Senna, eram três dos pilotos presentes na temporada de inauguração. Os pilotos trocavam de carro a meio da corrida, por causa da limitação das baterias, mas as corridas eram emocionantes.
Hoje, cinco temporadas depois, a nova geração dos carros corre em pistas como o Mónaco e a Cidade do México. Foi a primeira competição a correr em terras suíças, sessenta anos depois da última vez, e também corre na Arábia Saudita, outra terra pouco conhecida pelo seu cosmopolitanismo. E marcas como a Audi, Nissan, BMW, DS, Jaguar, entre outros, estão presentes na competição. E na próxima temporada, Mercedes e Porsche irão se juntar à competição. A Formula 1 nunca teve tantos construtores na sua longa existência.
Os tradicionalistas arrepiam, e a competição ganha adeptos a cada prova, especialmente numa altura em que a Formula 1 vive o domínio da Mercedes. A electricidade veio para ficar, e a Formula 1 reconhece que a Formula E será a sua concorrente, talvez a mais séria da sua história. Agag esfrega as suas mãos de contente, e já anda a dizer... não dizendo, que o seu objetivo é mandar na Formula 1. Ele detêm o monopólio da Formula E até 2039, altura em que provavelmente, o panorama do automobilismo mudou para sempre.
É que para além disso, outras competições estão no horizonte. A Roborace é uma ideia de carros a competirem... sem piloto. Uma ideia que neste momento está a ser liderada pelo brasileiro Lucas di Grassi, que o faz depois de correr pela Audi nos fins de semana da Formula E. Uma "temporada Alpha" está a ser arranjada, um ensaio para a primeira temporada a sério, perante espectadores, provavelmente em 2020. E mesmo as mulheres, uma classe que até há muito pouco tempo eram vistas como uma decoração nos paddocks, ganhou em 2019 uma competição só para elas, apesar do natural cepticismo dos observadores e o ódio dos tradicionalistas. E o objetivo é óbvio: voltar a meter uma mulher na Formula 1.
O século XXI chegou ao automobilismo. Os tradicionalistas sabem disso e odeiam estes novos tempos até à medula, preferindo entrincheirar-se num passado que não volta mais.
Quarto - O destino dos que estiveram em Imola e marcaram uma geração
"Sem Senna pelo caminho, Michael Schumacher tornou-se no rei incontestado da Formula 1, um trono que não conheceu grandes adversários, excepto quatro: Mika Hakkinen, Jacques Villeneuve, Fernando Alonso e… Damon Hill."
No final de 2009, o mundo da Formula 1 ficou surpreso com duas noticias. A primeira, que a Brawn GP, toda vencedora, tinha sido adquirida pela Mercedes para ser a sua equipa oficial. E a segunda, que o seu piloto seria Michael Schumacher. Aos 41 anos, e depois de três anos a gozar a reforma, o piloto alemão voltava perante uma nova geração de pilotos que eram crianças quando ele pegou o volante pela primeira vez, dezoito anos antes, em Spa-Francochamps.
Contudo, a idade e a fome de vencer da nova geração vulgarizou o alemão. Muitos pensavam que ele seria capaz de os ombrear, mas apenas conseguiu um pódio e uma volta mais rápida, ambos em 2012. E nunca foi capaz de superar Nico Rosberg de forma consistente. No final desse ano, com quase 44 anos, pendurou o capacete de vez, substituido por Lewis Hamilton. O seu regresso decepcionou quem pensava que iria lutar por um inédito oitavo título mundial, mas não amolgou aquilo que tinha feito no passado.
Parecia que Schumacher iria gozar a reforma e cuidar do seu filho mais velho, Mick. Mas quaisquer planos ficaram congelados a 30 de dezembro de 2013. Nesse dia, a familia estava em Méribel, nos Alpes Franceses, gozando o Ano Novo quando, durante um passeio de ski, Schumacher escorregou, saiu de pista e embateu contra uma pedra, causando um traumatismo craniano muito grave. Transferido para Grenoble, Schumacher entrou em coma, foi operado de urgência e lá ficou durante seis meses, até ter acordado, sendo depois transferido para Lausanne, e para Gland, a sua vivenda, onde é cuidado por uma equipa de enfermeiros, protegido fortemente pela família de olhares indiscretos. Até hoje, Schumacher não foi mais visto.
A sua familia apenas saiu da sua privacidade quando Mick entrou em força no automobilismo. Depois de ter vencido a Formula 3 europeia em 2018, agora está na Formula 2, e já andou em testes, em carros da Ferrari e da Alfa Romeo, que no mesmo ano de 2018, ficou com os restos da Sauber. Muitos falam que Mick pode ser como o pai, mas aos 20 anos, não parece que seja a máquina dominadora que foi o seu pai, um quarto de século antes. Mas 2020 poderá ser o ano em que o filho de Schumacher poderá estar na Formula 1. E a sua mãe, Corrina, poderá vê-lo no muro das boxes, e certamente, em casa, o seu pai poderá vê-lo, orgulhoso por ver o seu rebento a seguir os seus passos.
De todos os outros, após as suas carreiras competitivas, tiveram reformas dignas do nome. Milionários, vivem dos rendimentos publicitários que os seus nomes dão, e alguns, como Hill, tornam-se comentadores televisivos. Mas nesse campo, o mais bem sucedido é Brundle, que ironicamente, nunca venceu um Grande Prémio e foi rival de Senna na Formula 3 britânica.
Mas há uma notável excepção: o espanhol Fernando Alonso. Provavelmente por ser o mais novo dos que bateram Schumacher, a sua carreira foi longa, mas frustrante por não ter conseguido mais títulos que aqueles dois alcançados em 2005 e 2006. Algumas más decisões na sua carreira - primeiro, em 2007, quando foi atrapalhado por um excepcional Lewis Hamilton, depois na Ferrari, por um Sebastian Vettel que varreu tudo com o seu Red Bull, e depois, no seu regresso à McLaren, por um péssimo motor Honda - Alonso decidiu que iria tentar ser feliz noutros lados. Pela Toyota, venceu as 24 Horas de Le Mans em 2018 e vai tentar a sua sorte nas 500 Milhas de Indianápolis. Caso consiga vencer, será o segundo piloto a alcançar a Tripla Coroa, juntando-se ao britânico Graham Hill, pai de Damon.
Quinto - A segunda vida de Ayrton Senna
Em abril de 2010, o Top Gear, mítico programa britânico de automóveis, decidiu fazer uma matéria sobre Senna, pois se estivesse vivo, estaria a comemorar o seu cinquentenário. A matéria, com mais de vinte minutos de duração, foi apresentada por Jeremy Clarkson - um declarado apoiante de Gilles Villeneuve - e feita com a qualidade da BBC. Ali, teve depoimentos de Martin Brundle, seu rival na Formula 3 e se tornou comentador de Grandes Prémios, calçando os sapatos de James Hunt, e de Lewis Hamilton, então piloto da McLaren e teve a chance de rodar no modelo MP4/4, que ele e Alain Prost dominaram em 1988. No final, a matéria tornou-se num dos mais populares da história de um programa que começou em 1977, Clarkson tornou-se fã do brasileiro e mostrou aquele que provavelmente se tornou no piloto que mais deseja seguir as suas passadas.
E no final, Clarkson avisava: "vêm aí um filme sobre ele, eu peço-vos para que vão aos cinemas e o vejam". O que estava a anunciar era "Senna", um documentário realizado por Asif Kapadia, e que seguia a vida do piloto desde o seu inicio até ao final. Estreou-se no verão de 2011 e foi um sucesso mundial: três nomeações para os BAFTA britânicos, dos quais venceu dois e vitórias no Festival de Sundance. A película mostrou Senna a uma nova geração, e esta ficou vidrada nele, descobrindo alguém e entendo porque os seus pais falavam maravilhas de alguém que nunca tinham visto, ou eram muito pequenos quando ele morreu.
E foi com "Senna" que Hollywood descobriu o automobilismo. Documentários e filmes sobre a modalidade foram feitos durante esta última década. Em 2013, surgiu "Rush", de Ron Howard, sobre a temporada de 1976 e o duelo entre Niki Lauda e James Hunt, interpretados respectivamente pelo alemão Daniel Bruhl e o australiano Chris Helmsworth. Recebeu criticas positivas e de bilheteira, bem como duas nomeações para os Globos de Ouro americanos. No ano seguinte, "1" também se estreou nos cinemas, com criticas positivas. E para o final de 2019, irá estrear "Ford vs Ferrari", realizado por James Mangold, onde Christian Bale será Ken Miles e Matt Damon será Carrol Shelby. Os dois nomes da Ford que derrotaram Enzo Ferrari em 1966 com o GT40.
E sobre Ferrari, outro realizador, Michael Mann, está a filmar um "biopic" sobre o Commendtaore, ainda sem data marcada. O papel está a cargo de outro australiano, Hugh Jackman.
E não é só Hollywood que descobriu o automobilismo. As várias plataformas de "streaming", como o Netflix e a Amazon Prime, passam séries sobre a modalidade, e as redes sociais, como o Youtube, passam incontáveis videos sobre as corridas do passado, montagens feitos por amadores sobre os seus ídolos. Desses, destacam-se os "slow motions" realizados pelo alemão Matthias Mannizer e os feitos pelo finlandês Antti Kalhola, incluindo um documentário de 45 minutos sobre o piloto brasileiro.
Hoje em dia, Senna está mais vivo que nunca. Não é só porque os seus fãs ou o Brasil não o deixaram morrer. O mundo inteiro redescobriu-o e viu o tipo de piloto que era. Biografias sobre o piloto existem às centenas, em dezenas de línguas. A Playboy japonesa colocou-o na sua capa, em maio de 2004, no décimo aniversário da sua morte. Esta semana, os jornais recordaram-no, mesmo após estes anos todos. E também recordaram de Roland Ratzenberger, o outro piloto que morreu no fim de semana fatídico de Imola. Do atual pelotão da Formula 1, aquele que mais faz para seguir o legado de Senna é o britânico Lewis Hamilton. Aos 34 anos de idade, tem cinco títulos mundiais, o seu capacete é inspirado nas linhas do brasileiro e foi desenhado por outro brasileiro: Raí Caldato.
E de um pelotão do qual metade nasceu depois da morte do brasileiro, o fã mais improvável é o monegasco Charles Leclerc. Tem 22 anos, mas quando há umas semanas, a brasileira Juliane Cerasoli lhe pediu um depoimento sobre ele, foi surpreendida pela sua fervorosidade. A resposta veio simples: "era o ídolo do meu pai". Antigo piloto de Formula 3 em França durante os anos 80, Hervé Leclerc morreu em 2017 aos 54 anos, vítima de um cancro.
E não só só sobre ídolos que o nome de Senna continua. A McLaren batizou em 2018 um dos seus supercarros de estrada com o seu nome, por exemplo.
De uma certa forma, neste mundo hipermediatizado, Senna está a caminhar para a imortalidade. Ao ser descoberto por uma nova geração e ao ver os seus feitos em pista, em velhos vídeos, substitui os que assistiram ao vivo à sua carreira, que estão a envelhecer e inevitavelmente, morrer. Dentro de 50 anos, serão poucos, e chegará o dia em que o último sobrevivente passar à história.
Mas por coincidência, hoje é o 500º aniversário da morte de Leonardo da Vinci, o autor de quadros como o Mona Lisa. Em Itália e França estão a decorrer imensas celebrações da sua vida e das suas obras, embora de saiba que a última testemunha morreu há mais de 400 anos. Mas ainda falamos dele como se ainda estivesse vivo e os seus quadros tinham sido pintados no ano passado. Isso mostra até que ponto as suas obras ficaram marcadas na humanidade. Senna nunca foi pintor, escritor, arquiteto ou construtor, mas aquilo que fez nas pistas é o equivalente aos quadros que pintaram, as máquinas que construíram, os livros que se escreveram ou os edifícios que desenharam. Tudo é legado, e é isso que sobrevive, séculos fora, enquanto existir civilização humana.