Pessoalmente, nem queria escrever nada sobre este dia. Já fartei de escrever ao longo dos anos que tenho este blog. Acho que quando escrevi a série de artigos sobre o fim de semana de Imola, há dez anos, tinha escrito tudo o que tinha a escrever sobre isso, e tudo o que viria depois seria supérfluo. Confesso que estou cansado sobre esse dia, mas é algo do qual tenho de suportar. Não é uma dor privada, milhões viram isso, e esses milhões, nos dias das redes sociais, têm de falar publicamente sobre esse dia. São variações do mesmo, mas são testemunhos pessoais e temos de respeitar isso. Incluindo as "viuvas" e as "anti-viuvas".
A primeira razão porque não queria escrever sobre esse dia é porque não tinha nada mais para acrescentar. Mas ontem à noite, quando lia sobre o que acabei por batizar de "Os Três Dias de Imola", há precisamente dez anos, reli esta parte:
"Quando assisti pela primeira vez ao minuto e meio que seguiu entre o recomeço da corrida e o impacto de Senna na (falsa) Curva Tamburello, veio à minha mente outro evento que tinha visto oito anos antes: a explosão do vaivém Challenger, a 28 de Janeiro de 1986. Ambos os eventos têm o seu paralelismo: foram transmitidos em directo, perante milhões de pessoas pelo mundo inteiro. E as câmaras captaram os momentos do impacto. E ver um desastre a acontecer, nessa altura (e tive a mesma sensação sete anos mais tarde, quando dos eventos do 11 de Setembro de 2001), fica-se com uma sensação estranha de que tudo está a acontecer, és testemunha, mas não podes fazer nada. Sentes-te impotente, é só."
De uma certa maneira, a razão porque todos temos de falar sobre isto, vezes sem conta, está bem sintetizado neste parágrafo. Todos temos um evento traumático que vai marcar a tua vida. Todos vamos saber onde estávamos quando tudo isto aconteceu, quando perdemos a inocência, digamos assim. A geração anterior fala disso quando mataram o John F. Kennedy, em 1963, e se calhar muitos ainda te dizem onde estavam quando os aviões bateram nas Torres Gémeas, naquela terça-feira de setembro.
Hoje, está um dia sem nuvens. É isso que me lembro, quando se fala desse dia. Acho irónico, porque certo dia, Alfred Hitchcock, quando lhe perguntaram qual era a sua definição de felicidade, respondeu que era "um horizonte sem nuvens". E era precisamente esse céu sem nuvens que pairava nas cabeças daqueles que estavam em Imola e Nova Iorque, naqueles dias que mudaram os mundos de tanta gente. Para mim, se os "primeiros de maio" calham com um tempo desses, então, lembro-me de 1994.
Mas depois, lembrei-me de outra coisa. Eu escrevi um livro de ficção sobre esse tempo. Não é um livro sobre ele. É um livro sobre o meu tempo, embora não seja uma biografia. Garotos de 17 anos, a idade que tinha nessa altura, que terminavam o liceu e queriam ir para a Universidade, que viveram esse tempo, e passaram as coisas que passaram nesse ano. E foi um ano do qual não houve só isto. Tenho livros sobre outros eventos que passaram nessa altura, como por exemplo, o genocídio do Ruanda. E o suícidio do Kurt Cobain. E o cerco a Sarajevo. E as primeiras eleições multiraciais na África do Sul, etc, etc...
Não me lembro durante quanto tempo andei a escrever, só sei quando é que acabei. Foi a um 31 de julho, e menos de um ano depois, publiquei-o. Gostei, tenho algum orgulho de o ter escrito, mas não o fiz com o título em mente. Fiz mais para recordar aquele tempo, porque para mim, é a única coisa original que tenho para falar sobre esse dia e esse tempo. Em relação ao resto, é um "chover no molhado". Mas entendo as razões. Não posso fazer disto uma dor privada. Disto, não se pode. E sei que as dores dos outros podem ser insuportáveis, mas tenho de aceitar e a atitude do "esperar que a tempestade passe". Afinal de contas, se acontece isso com os saudosistas do Jim Clark, porque teria de ser diferente com Ayrton Senna?
Enfim, no final, a única coisa que posso dizer é que fiz disto algo criativo. E não foi sobre ele, foi sobre o tempo dele, sobre garotos da minha idade que crescerem nesse tempo. Se quiserem voltar a ler (para os que têm, claro) ou estiverem curiosos e quiserem ler, o link para o comprar pela Amazon está aqui.
E pronto, a vida continua. É um dia que pertence à História, que vai ressoar, não pelos anos, mas sim pelos milénios. E esta geração está a fazer tudo por isso.
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