Uma pessoa que é piloto e consegue um palmarés consigo é um ser humano como nós. Tem uma família atrás de si, e se tiver filhos, se calhar o seu sonho é imitar a profissão do pai. Afinal de contas, ele é o nosso primeiro herói. Todos podem sonhar com isso, mas poucos são os que seguem a profissão do pai. Ainda menos são os que ganham corridas. E até aos dias de hoje, só conheço dois campeões do mundo cujos filhos também se tornaram campeões. E há pilotos que ganharam corridas cujos filhos se tornaram campeões do mundo. Se juntarmos essas categorias... temos quatro. Contamos pelos dedos de uma mão e ainda sobra.
Há 30 anos, o filho de um piloto triunfava em pista. Era uma vitória desejada no paddock, especialmente após as circunstâncias da corrida anterior, na Alemanha, onde um furo roubou essa vitória mais que certa. E então com 32 anos, Damon Hill celebrava a sua primeira vitória, depois de ter mostrado que tinha andamento para um carro como o Williams FW15C. E era porque, antes, tinha sido piloto de testes, e aquele lugar tinha sido uma recompensa pelos seus serviços.
Nascido a 17 de setembro de 1960, Damon era filho de Graham Hill. Há uma foto famosa dele, rodeado da fina flor do automobilismo, dentro de um carrinho. Gente como Stirling Moss, Jim Clark, Jo Bonnier, Dan Gurney e outros, muito provavelmente, todos pensariam que o seu destino iria ser aquele. E o pai sabia, tanto que pretendia que fizesse outra coisa, em vez de se meter num desporto tão perigoso que tinha matado muitos dos seus colegas e amigos.
Então, chegou o dia 29 de novembro de 1975. Ele tinha 15 anos, o seu pai estava no sul de França, numa sessão de testes com a sua equipa, seguindo o mesmo caminho de Jack Brabham, Bruce McLaren ou Dan Gurney, e parecia que existiam boas noticias sobre o carro que testavam para a temporada de 1976. Sabiam que ele regressaria para Londres porque havia compromissos para tentar arranjar patrocinios para completar o orçamento. E então, pelas seis da tarde daquela fria tarde de novembro, a BBC deu a noticia da queda de um pequeno avião nos arredores da cidade, ao pé de um campo de golfe.
Estava a assistir ao final de parte da sua vida. A confortável.
Graham Hill não tinha feito seguro das pessoas que estavam no seu avião - os mecânicos, o projetista Andy Smallwood, que projetou o GH2, e o seu piloto, Tony Brise - e praticamente ficaram sem património por causa das indemnizações que tiveram de pagar. Com o tempo, Hill tornou-se entregador de pizzas, e começou a correr em motos. A mãe, Bette, achou que, arriscar por arriscar, preferiria que fosse para as quatro rodas.
O garoto tinha talento, mas para prosseguir na escada automobilística, passou pelo mesmo calvário que o pai: arranjar patrocínios que dessem para um lugar na Formula 3, depois na Formula 3000, tentando chegar lá acima, a Formula 1. Chegou até a pedir 100 mil libras emprestados para correr na Formula 3, onde conseguiu bons resultados. Quando chegou, em 1992, tinha 31 anos e sentara numa Brabham no seu estertor final. A sua primeira qualificação foi em Barcelona, mas a sua primeira corrida foi em Silverstone, onde acabou na 16ª posição, a quatro voltas do vencedor.
Por essa altura, já era piloto de testes da Williams, ajudando a desenvolver o fabuloso FW14. E em 1993, quando correu ao lado de Alain Prost, foi uma recompensa para o piloto, mas de uma certa forma, ajudou a tapar duas necessidades. A primeira, de um piloto britânico, e a segunda, de evitar que gente como Ayrton Senna ficasse com o lugar vago por Riccardo Patrese. E claro, com isso, existia uma terceira coisa: Hill não faria qualquer sombra para o francês, que ia rumo ao quarto título mundial.
Até à corrida alemã, Hill tinha 28 pontos e o quarto lugar do campeonato. Um bom resultado como estreante, mas os pilotos que estavam acima de si estavam bem distantes: Alain Prost tinha 77, Ayrton Senna 50, Michael Schumacher 36.
Na corrida húngara, Hill partia de segundo na grelha, mas teve a sorte do seu lado. Prost ficou parado na volta de aquecimento, e ele teve de partir do fundo da grelha. Hill arrancou na frente, e ficou por lá até à meta. A concorrência teve problemas: os McLaren desistiram cedo por causa de aceleradores avariados, e Schumacher teve um problema na bomba de combustível, e a sua corrida terminou na volta 26. E no meio das coisas, Alain Prost tinha ainda mais problemas por causa da asa traseira, perdendo sete voltas. Mesmo com o melhor carro do pelotão, o resto da corrida só serviu para testar.
Assim, sem os seus oponentes na pista, Damon Hill ficou na frente sem obstáculos, rumo à história. A primeira de 22 na história da Formula 1. O pai Graham, onde quer que estivesse, teria ficado orgulhoso do seu filho. E um certo caminho das pedras chegou ao fim.