A nossa geração recorda-se bem dos acontecimentos de Imola, em 1994. Mas trinta e quatro anos antes, em Spa-Francochamps, existiu um outro fim de semana negro do automobilismo, tão grave como foi o de Imola, onde dois promissores pilotos britânicos acabaram por morrer, no mesmo dia, separados por poucos minutos. E as circunstâncias de uma dessas mortes rondaram o bizarro...
A razão porque os acontecimentos de Spa-Francochamps, em 1960, se encontram algo esquecidos hoje em dia, provavelmente tem a haver com os pilotos envolvidos, pilotos relativamente desconhecidos. Mesmo que se possa dizer que houve mais dois pilotos gravemente feridos, e um deles foi Stirling Moss. Provavelmente o facto da televisão ainda estar na sua infância, ou que a atitude das pessoas envolvidas perante a Formula 1 não ser como é agora, talvez fez esquecer aquele negro fim de semana de 18 e 19 de Junho de 1960.
Ao chegarem máquinas e pilotos ao circuito de Spa-Francochamps, na sua extensão de 14 quilómetros, não havia grandes novidades na lista de inscritos. A Ferrari trazia, para além dos habituais pilotos, o alemão Wolfgang Von Trips e o americanos Phil Hill, o local Willy Mairesse, que fazia aqui a sua estreia na Formula 1, e correria no lugar de Richie Ginther. Na Lotus, a equipa oficial era constituída pelos escoceses Innes Ireland e Jim Clark, para além do inglês Alan Stacey. Havia mais dois pilotos inscritos com carros da Lotus, Stirling Moss, com a inscrição da Rob Walker Racing, e Mike Taylor, inscrito pela Taylor-Crawling Racing Team.
A BRM também tinha três carros inscritos, para o inglês Graham Hill, o sueco Jo Bonnier e o americano Dan Gurney, mas a Cooper trazia oficialmente somente dois carros, para o australiano Jack Brabham e o neozelandês Bruce McLaren, enquanto que pela privada Yeoman Credit estavam os ingleses Chris Bristow, Tony Brooks e o belga Olivier Gendebien. Ainda havia mais um Cooper privado, inscrito pela Ecurie Nationale Belge, para o local Lucien Bianchi.
Por fim, a americana Scarab também estava presente, com dois carros para Lance Reventlow e Chuck Daigh.
Os acontecimentos daquele fim de semana fatidico começaram, tal como iria acontecer 34 anos mais tarde, nos treinos. Nos treinos de sexta-feira, o eixo traseiro do Lotus 18 de Moss quebrou-se e perdeu o controlo do seu carro, sendo cuspido para fora. No acidente, o piloto britânico partiu as duas pernas e ficava fora de combate, embora vivo. Nessa mesma tarde, um outro Lotus 18, o de Mike Taylor, sofreu também um acidente, onde os seus ferimentos foram ainda mais graves, pois sofreu fraturas multiplas por todo o corpo. Mais tarde, recuperaria dos ferimentos, mas a sua carreira como piloto terminaria nesse dia.
Apesar dos acidentes, a sessão continuou, com o Cooper oficial de Jack Brabham a fazer a pole-position, tendo a seu lado outro Cooper, mas privado, de Tony Brooks. A completar a primeira fila estaria o Lotus de Stirling Moss, mas sem poder competir, no seu lugar ficou o Ferrari de Phil Hill. Na segunda fila estava outro Cooper privado, o de Gendebien, e o BRM de Graham Hill, enquanto que na terceira fila estaria outro BRM, o de Jo Bonnier, e os Lotus de Ireland e Bristow. A fechar o "top ten" estava o terceiro Lotus de Jim Clark.
Quando os carros alinhavam para a pista, naquele dia 19 de Junho de 1960, não se poderia adivinhar que para dois deles, Chris Bristow e Alan Stacey, este iria ser a sua última corrida das suas vidas. Num espaço de minutos, eles estariam mortos em acidentes separados, e num deles, a roçar o bizarro. Mas quando foi dada a partida, Jack Brabham tomava o comando após fazer o Radillon, para não mais o largar até à 36ª e última volta. Mas entre um e outro momento, iria se assistir a momentos negros do automobilismo.
Com Brabham na liderança, e sem adversários à altura, os motivos de interesse aconteciam atrás. O local Gendebien ficou com o segundo posto, mas cedo foi passado pelo Lotus de Ireland, que andou na perseguição a Brabham, mas na volta treze, sofreu um pião devido a problemas de embraiagem e não conseguiu voltar à corrida. O lugar voltou a ser ocupado por Gendebien, mas cedo foi ultrapassado por Bruce McLaren.
Por esta altura, Chris Bristow e Willy Mairesse lutavam pelo sexto posto, o ultimo lugar pontuável. Conhecidos pelo seu estilo agressivo, nenhum deles cedia e corriam nos seus limites. Até que na volta 18, quando ambos os carros passavam pela curva Bruneville, o Cooper de Bristow perdeu o controle e bateu forte na berma, matando-o instantaneamente.
As circunstâncias da sua morte parece que foram tiradas de um filme de terror, pois naquele sitio, havia um banco com um metro e 20, e três metros mais adiante existia a vedação com arame farpado. Quando Bristow perdeu o controle do seu Cooper, a berma serviu de impulso para que o carro caísse na rede e no impacto, decepasse a cabeça do jovem piloto de 22 anos. Era a primeira fatalidade do dia.
Na volta 25, quando tudo estava mais ou menos decidido, acontecia a segunda fatalidade do dia. E teve tanto de horrível como de bizarro. Perto da temível Masta Kink, uma sequências de curvas à esquerda de direita, feitas em alta velocidade, Stacey foi atingido por um pássaro enquanto rolava a mais de 260 km/hora. Perdeu o controlo do seu carro, bateu na rampa, não muito longe do sitio onde morrera poucos minutos antes o seu compatriota Bristow, e o carro, um Lotus 18, pegou fogo. Até agora não se sabe bem se ele já estaria morto quando foi a colisão com o pássaro ou se quando foi projectado para fora do carro, mas uma coisa era certa: aos 26 anos, a sua vida chegara ao fim.
No final, houve mais confusão: se Brabham e McLaren fderam à Cooper uma dobradinha bem merecida, a atribuição do terceiro lugar foi confusa: Graham Hill parou na última volta devido a problemas de motor, quando estava no terceiro posto, mas como ele não puxou pelo carro até à meta, não foi considerado, e esse lugar ficou nas mãos do Cooper privado de Olivier Gendebien. O Ferrari de Phil Hill conseguiu o quarto posto, enquanto que Jim Clark conseguia os seus primeiros pontos da carreira com o seu quinto posto, e a fechar os pontos estava outro belga: Lucien Bianchi.
Contudo, dadas as circunstâncias daquela tarde sombria, não houve celebrações no pódio belga. E algum tempo depois, um os feridos, Mike Taylor, processou Colin Chapman num tribunal britânico pelo facto do seu chassis lhe ter causado a sua invalidez. O processo demorou algum tempo, mas no final, Mike ganhou e a Lotus foi obrigada a pagar uma indemnização. A fama dos seus chassis, no pior sentido, já começava a surgir...
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