Fui esta manhã surpreendido por uma entrevista que o jornal português "A Bola" fez ao presidente da FIA, Jean Todt, onde se falou um pouco de tudo, desde a Formula 1 aos ralis, e que futuro ele quer dar a ambas as modalidades, num futuro em mudança, agora que as construtoras automóveis estão a apostar em combustíveis e energias do futuro, como os híbridos e os elétricos, por exemplo. Como sei que a grande maioria dos que me visitam não leram, ou vão ler esta entrevista em papel, achei por bem transcrever para aqui esta conversa que ocupa duas páginas do jornal, feita na sede da FIA, em Paris, pelo jornalista João Sena.
«A FORMULA 1 TEM DE DAR O EXEMPLO À SOCIEDADE»
Filho de um médico, Jean Todt nasceu em Pierreforte a 25 de Fevereiro de 1946. EDucado em Paris, foi o seu pai que lhe emprestou o seu primeiro carro para correr, um Mini Cooper S, mas a falta de talento fê-lo abandonar a carreira de piloto. Formou-se em gestão e administração de empresas, e o seu passatempo era reconstruir carros. Na juventude era fã de pilotos como Jim Clark e Dan Gurney.
Em 1966 passou para o banco do navegador e em 1969 estreou-se no campeonato do mundo. Foi navegador de Jean-Pierre Nicolas, Ove Andersson, Hannu Mikkola e Guy Frequelin, entre outros. Apurado sentido estratégico, metodologia e muita organização tornaram-no num dos melhores navegadores, tendo ganho quatro ralis do mundial e conquistado o título (co-pilotos) de Construtores, com a equipa Talbot Sport.
No ano seguinte retira-se da competição e assumiu o cargo de diretor desportivo da Peugeot Sport. A sua capacidade de organizador garante à marca francesa a conquista de dois Campeonatos do Mundo de Ralis, duas vitórias nas 24 Horas de Le Mans e ainda quatro triunfos no Rali Paris-Dakar. Na Ferrari, foi responsável pela conquista de sete títulos mundiais de construtores e seis de pilotos. Tudo isso valeu o título de 'Napoleão'.
P - A FIA introduziu este ano alterações no regulamento técnico da Formula 1 com o objetivo de tornar as corridas mais emocionantes e espectaculares. Esta satisfeito com o que tem assistido até ao momento.
R - A asa traseira móvel foi a grande novidade técnica, uma vez que o sistema de recuperação de energia nas travagens KERS foi introduzido há dois anos, só que as equipas decidiram não o utilizar em 2010. As alterações melhoraram o espectáculo, e, por isso, estou satisfeito. No entanto, as alterações foram apenas uma chamada de atenção para o que vem a seguir.
P - O regresso da Pirelli ajudou a tornar as corridas mais interessantes?
R - Sem dúvida. Os pneus Bridgestone eram de tal forma eficazes que podiam fazer uma corrida inteira. A Pirelli teve a coragem de apresentar pneus mais ousados que melhoraram o resultado e obrigaram a diferentes estratégias por parte das equipas. Porém, acho que quatro paragens não é a melhor opção. O ideal é haver duas ou três paragens nas boxes.
P - O "plano verde" com motores de quatro cilindros 1.6 Turbo, de injeção direta, é para avançar em 2013?
R - Sem dúvida. Nos anos 50, Alberto Ascari foi campeão do mundo com a Ferrari, e tinha um motor de quatro cilindros. Mesmo o expoente máximo da competição automóvel não pode passar ao lado da realidade actual. Não podemos aceitar que um F1 gaste 80 litros para fazer 100 quilómetros. AS pessoas não irão compreender, mesmo que seja em nome do desporto e do espectáculo.
P - Quais as principais vantagens do futuro regulamento?
R - Os reabastecimentos continuarão proibidos, e deverá haver uma economia de combustivel de 40 por cento ao passar dos motores V8 de 2.4 litros para os quatro cilindros 1.6. Temos de reduzir custos, aumentar o espectáculo com a implementação de novas tecnologias e fomentar a ligação entre o desporto e a mobilidade. A mensagem é clara: a F1 tem de dar o exemplo à sociedade.
P - Os contrutores concordam com as alterações?
R - Os regulamentos estão feitos e foram aceites pelas equipas. Não sou adepto de fazer mudanças sem haver uma razão e toda a gente percebeu isso.
P - Os pilotos tem reagido bem à utilização de motores menos potentes?
R - Os pilotos não estão diretamente implicados na escolha dos motores, mas sabem que há uma margem de progresso muito grande. Sabem também que vão ter carros rápidos, com muita tecnologia e uma boa dose de potência para mostrar o seu valor.
P - Os motores híbridos são uma opção para a F1?
R - Estamos a trabalhar no sentido de surgirem soluções híbridas em 2013, com base nos motres a gasolina e eléctricos. Em relação à F1 totalmente eléctrica, isso é impensável.
P - E há lugar para uma competição com monolugares eléctricos?
R - Isso sim, é viável. Há um grupo de trabalho que está a desenvolver monolugares com motor eléctrico para competições de suporte às grandes provas internacionais.
P - A segurança dos pilotos e público vai ser melhorada?
R - Temos feito grandes progressos, sobretudo depois dos acidentes mortais de Roland Ratzenberger e Ayrton Senna no GP de Imola, em 1994, mas na área da segurança aquilo que fazemos nunca é demais. Os acidentes nunca vão acabar, por isso estamos a desenvolver programas para reforçar a segurança.
P - Em que aspectos?
R - Há muitas coisas a fazer em termos de concepção dos carros, na adaptação dos circuitos e na inclusão de equipamento que possa ajudar aos pilotos.
P - Os novos circuitos são seguros, mas não favorecem o espectáculo. Vai haver alterações?
R - Nâo tem a ver com a segurança. Há circuitos novos que são extremamente seguros e são espectaculares. Por essa razão, há um grupo de trabalho que estuda os traçados, analisa as hipóteses de ultrapassagens e se for caso disso, sugere alterações na pista.
P - O continente africano já teve um Mundial de Futebol, mas continua a faltar-lhe a F1. Porquê?
R - Porque não tem condições. Faltam-lhe circuitos modernos. Era preferivel ter um bom rali do Campeonato do Mundo, mas também não existe.
P - O futuro dos ralis passa por uma (re) aproximação do público ou por ser um espectáculo para a televisão?
R - Os ralis serão sempre para o público, mesmo que haja transmissões em directo de uma classificativa. Para mim, os ralis continuam a ser sinónimo de aventura, resistência física e mecânica e de milhares de espectadores na estrada. É um ambiente completamente diferente das pistas. Estamos a trabalhar para mudar o formato das provas e torná-las mais exigentes para os pilotos e máquinas, mas também mais interessantes para o público. Provas que começam às nove da manhã e terminam Às 17 não são rali. Fico contente por encontrar uma reacção positiva quando falo em recuperar um pouco o conceito dos ralis de outros tempos.
P - Que medidas vão ser tomadas para evitar que um piloto penalize de propósito para não ser prejudicado no dia seguinte ao abrir a estrada?
R - Ainda não decidimos o que fazer, mas a Comissão do WRC está a estudar uma solução para evitar que isto volte a acontecer.
P - A FIA realizou uma conferência em Portugal, no Estoril, onde a segurança rodoviária e a mobilidade foram temas principais. Qual a importância do evento?
R - A reunião que realizou em Portugal teve a ver com a mobilidade. É um tema muito vasto, que engloba serviços de apoio ao condutor em todo o mundo, turismo, assistência em viagem, a defesa do meio ambiente e a aplicação de novas tecnologias nos automóveis de série.
P - Quais as iniciativas a implementar no futuro?
R - A nossa prioridade é sensibilizar a opinião pública e os governos para reduzir o numero de acidentes e mortos nas estradas. Em 2010, os acidentes rodoviários causaram 1,3 milhões de mortos e 50 milhões de feridos um pouco por todo o mundo, sendo que 90 por cento das vitimas vivem em paises em vias de desenvolvimento. Foi a nona causa de morte e se nada for feito, as estimativas apontam para que, em 2020, haja 1,9 milhões de mortos. Devem ser criadas melhores infraestruturas rodoviárias, a segurança dos veículos deve ser melhorada e os condutores devem ter melhor educação cívica.
P - A FIA e a ONU trabalham em conjunto para reduzir a sinistralidade. Os governos tem sido sensíveis ao problema?
R - A ONU estabeleceu que a próxima década será um período de acções com o objectivo de, em primeiro lugar, estabilizar e, depois, reduzir a sinistralidade e salvar cinco milhões de pessoas. A FIA está empenhada nesta cruzada, e os governos, globalmente, são sensíveis e estão dispostos a trabalhar connosco para aumentar a segurança rodoviária. Nos países desenvolvidos tem vindo a diminuir, como é o caso de Portugal, mas não podemos aceitar que em Africa, Asia e Médio Oriente, o numero de mortes aumente de forma alarmante.
P - A defesa do meio ambiente é outra prioridade da FIA. Tem havido pressão para baixar os consumos e as emissões de gases poluentes?
R - Esse é um dominio dos construtores. A nossa obrigação é criar regulamentação técnica que defenda o meio ambiente, e possa a ser usada mais tarde nos automóveis de série.
P - Que balanço faz dos primeiros 18 meses da presidência da FIA?
R - Sou um eterno insatisfeito. Trabalho com uma equipa de pessoas apaixonadas por aquilo que fazem, e penso que estamos a desenvolver um trabalho razoável para atingir os objectivos traçados no inicio do mandato.
P - Isso abre as portas da recandidatura?
R - É uma questão que responderei dentro de dois anos.
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AS IDEIAS DE JEAN TODT EM RELAÇÃO A:
- FORMULA 1: "Com a futura regulamentação técnica, que entrará em vigor em 2013, a Formula 1 continuará a ser referência em termos de desporto mundial"
- RESISTÊNCIA: "As provas de resistência estão a despertar o interesse dos grandes construtores, do público e da imprensa, pelo que poderão ter o estatuto de campeonato do mundo brevemente"
- CONDUÇÃO SEGURA: "Os circuitos permanentes não devem ser usados apenas para realizar corridas. Podiam servir para os condutores aperfeiçoarem a sua condução antes de irem para a estrada"
«RALI DE PORTUGAL ERA UMA AVENTURA»
Jean Todt faz parte do "Dream Team" francês que, nos anos 70 e 80, fez furor no Mundial de Ralis. Destacou-se pelo seu enome talento como navegador de alguns dos melhores pilotos dessa altura e pelo seu calculismo. O agora presidente da FIA viveu por dentro os "anos loucos" do Rali de Portugal, que foi considerado por diversas vezes o melhor do mundo e ercordou, com alguma saudade, desse tempo.
"Era uma prova fantástica, uma grande aventura, muito bem organizada pelo César Torres. Merece fazer parte do património do Campeonato do Mundo de Ralis. O público, sempre muito exuberante, criava um ambiente extraordinário. O formato da prova também era muito completo. Hoje em dia não há provas assim. Os ralis no futuro deviam seguir o exemplo do anterior rali de Portugal, uma prova que exigia muito dos carros e dos pilotos"