Alto, algo desengonçado e amante do cricket. Chamavam-lhe "tio" e tinha num negócio de madeiras que sustentava o seu "hobby" de final de semana. Até que certo dia, a sua paixão tomou conta da sua vida, especialmente quando encontrou um jovem escocês no qual lhe deu fama e glória e no ficaram amigos para sempre. Esse homem chamava-se Ken Tyrrell e morreu faz hoje dez anos.
Muitos o apanharam provavelmente no final da sua carreira, como o velhinho simpático que tinha uma equipa muitas das vezes no final do pelotão. Eu pessoalmente tinha um certo fascinio por essa personagem, porque simbolizava de uma certa forma aquele espírito garagista britânico: copnstruir uma equipa pela sua paixão dos automóveis, não tanto para conseguir resultados. Mas por causa dele e da sua persistência que a sua equipa ficou na Formula 1 durante 28 temporadas, inspirando muitos outros, como Giancarlo Minardi ou Frank Williams. Minardi por nunca ter subido ao pódio, e Frank Williams viveu imensos momentos de glória, mas ambos tiveram - e têm - o espírito de Tyrrell.
A sua equipa era aquela onde todos queriam estar nos anos 70. E ele acolheu enormes talentos em inicio de carreira, porque tinha olho para eles. O primeiro foi Francois Cevért, mas depois veio Jody Scheckter, Patrick Depailler, Didier Pironi, Mike Thackwell, Michele Alboreto, Martin Brundle, Stefan Bellof, Ivan Capelli, Jean Alesi, Mika Salo. Mas também acolheu pilotos pagantes, cujo talento era inversamente proporcional ao tamanho da carteira. Slim Borgudd, Ricardo Zunino, Desireé Wilson, Julian Bailey, Olivier Grouillard, Ukyo Katayama, foram alguns dos pilotos que passaram por aí, dando o dinheiro que Tyrrell bem precisava no final da sua carreira.
Tyrrell meteu-se no negócio dos chassis por necessidade. Afinal de contas, era feliz com o negócio que tinha com a Matra, que lhes providenciou um fabuloso chassis em 1969, o MS80, que colocou na perfeição o seu motor Ford Cosworth, um dos dois elementos mais valiosos que tinha. O outro elemento valioso era um disléxico escocês chamado James Young Stewart. Jackie para os amigos. Só que no final de 1969, a Matra pediu-lhe para abandonar os Cosworth e aceitar os Matra V12. Stewart testou-o e não gostou. E como o "Tio Ken" gosta de ouvir o que os amigos lhe dizem, decidiu aceitar o conselho.
Depois descobriu um bom engenheiro, Derek Gardner. Tinham comprado um chassis March, mas achavam que poderiam fazer melhor e não ficar dependentes dos outros. Convencido, ele, Gardner e Stewart lançaram-se no Secret Project, montado na garagem da casa de Gardner. O veículo estava pronto em setembro de 1970, e tornou-se no chassis 001. E ano seguinte deu ambos os títulos a Jackie Stewart e à Tyrrell, e deu a Francois Cevért a sua unica vitória na Formula 1.
Depois do final da "era Stewart" e da trágica morte de Cevért em Watkins Glen, deu lugar a uma nova dupla, totalmente nova. Este novo começo pode não ter sido tão bem sucedido como o anterior, mas foi nessa altura que surgiu o carro mais original e mais revolucionário que a Formula 1 jamais conheceu: o P34 de seis rodas. Conta-se que Gardner contou a novidade a Tyrrell durante um vôo transatlântico, e após o terceiro copo de "whisky"... o chassis correu durante duas temporadas e deu uma vitória para Scheckter - irónicamante, odiava o carro - e capturou a imaginação de toda uma geração.
Contudo, o fato da Goodyear não querer desenvolver pneus de dez polegadas para as rodas da frente do P34 fez com que a Tyrrell se desinteressasse pelo desenvolvimento do carro, e tembém pela saída de Gardner da equipa. Apareceu depois Maurice Philippe, o primeiro de bons desenhistas e engenheiros que a equipa teve, e que culminou com a entrada de Harvey Postlethwaithe, que em 1990 desenhou o 019, o primeiro carro de bico levantado da história da Formula 1, e como acontecera 14 anos antes com o P34, capturou a imaginação de todos e inaugurou uma tendência.
Nos anos 80, resistiu terminantemente aos Turbo, perdendo competitividade a olhos vistos. Agarrado aos Cosworth, ainda vencia corridas em 1982 e 83, graças a Michele Alboreto nos circuitos citadinos de Las Vegas e Detroit. Em 1984, decidiu apostar numa dupla totalmente nova e inexperiente - Martin Brundle e Stefan Bellof - mas resistia aos Turbo, ficando inevitavelmente na última fila da grelha. Mas incrivelmente, conseguia pontuar quando a oportunidade surgia. No meio do ano, descobriu-se o "segredo": corria abaixo do peso regulamentar, que compensava, enchendo-o de água, que servia de lastro. Resultado: a Tyrrell foi a primeira equipa a ser excluida do Mundial de Formula 1, e os seus pontos conquistados anteriormente - que incluia um pódio de Stefan Bellof no Mónaco - foram retirados retroativamente.
No ano seguinte, rendeu-se às evidências: arranjou um motor Turbo, neste caso a Renault. Mas quando se anunciou a abolição desses mesmos motores, em 1986, foi o primeiro a colocar motores aspirados nos seus chassis no ano seguinte.
Ao longo dos anos 90, e com a chegada de cada vez mais dinheiro e de um outro tipo de organização, a Tyrrell parecia ser cada vez mais anacrónica, com dificuldades em arranjar dinheiro para sobreviver. Cada vez mais velho, e vendo que não havia mais ninguém capaz de colocar o barco para a frente após a sua partida, rendeu-se às evidências e decidiu vender a sua equipa à British American Tobacco em 1998. Esta virou BAR em 1999, que por sua vez deu a Honda em 2006, depois da Brawn GP e agora é a Mercedes. Longa viagem isto deu...
Depois da Tyrrell, a comunidade automobilistica britânica não o esqueceu. Elegeu-o como presidente do BRDC, o British Racing Drivers Club, e lá ficou por um ano até que lhe foi detetado o cancro que acabou por o matar, a 25 de agosto de 2001. Quem o sucedeu no BRDC foi o seu bom amigo Jackie Stewart, que por essa altura já tinha escrito a sua página na história como construtor. Mas o seu legado no automobilismo como construtor tinha ficado, e hoje em dia muitos consideram que a sua parceria com Stewart e Cevért uma das mais perfeitas da história da Formula 1.