Se alguém fala sobe americanos a triunfar na Europa, em máquinas americanas, o primeiro pensamento vai para 1966, os carros da Ford e gente como Carrol Shelby, Dan Gurney, A.J. Foyt, e Ken Miles, em triunfos que encheram páginas de jornais e revistas e ajudaram a vender milhões de carros com a marca da oval nos anos seguintes. E claro, fazer do GT40 um bólido mítico. Mas há um pequeno problema nesta história: não era a primeira vez que os americanos faziam isto. Aliás, já tinham feito 45 anos antes, também em Le Mans, mas por alguém que hoje em dia quase ninguém ouviu falar. Foi num Dusenberg, e o piloto chamava-se Jimmy Murphy.
Nascido a 12 de setembro de 1894, em São Francisco, a vida dele foi marcada pelas dificuldades e tragédias pessoais. Orfão de mãe, vitima do terramoto de 1906, o seu pai desapareceu de cena pouco depois, e foi criado por um tio, que o desenvolveu a sua paixão pela mecânica, pelos automóveis e motocicletas. Aos 22 anos, descobriu a cultura dos "motordromes", ovais feitos de madeira espalhados pela Califórnia do Sul, onde os pilotos, quer de motos, quer de carros, disputavam vitórias em curvas de 33 graus, as antecessoras de lugares como Daytona ou Talladega e outros "superspeedways", onde todos desafiavam a morte, porque ali, um erro e não havia qualquer segurança.
Em 50 corridas, Murphy venceu 36 e foi descoberto pela Duesenberg, que o esolhou para ser seu piloto de fábrica, e quando receberam o convite para participar no GP de França de 1921, o mais prestigiado do mundo, e a ser corrido no circuito de La Sarthe, em Le Mans - as 24 Horas nasceram para poderem utilizar esse circuito fora do Grande Prémio - a equipa americana inscreveu Murphy e o seu compatriota Joe Boyer, bem como os franceses André Dubonnet e Albert Guyot. Aquela era a primeira grande corrida depois da I Guerra Mundial, e queriam fazer as coisas bem feitas, esperando uma vitória francesa, pois gente como a Ballot e a Talbot-Darracq estavam presentes.
Murphy não estava em forma. Estava ainda em convalescença de um acidente, semanas antes - tinha quatro costelas fraturadas e era içado para poder entrar no carro - e os solavancos da pista de terra não ajudavam muito. "Era uma experiência exaustiva e ainda sofria das minhas lesões", explicou mais tarde.
A corrida foi numa segunda-feira e começou pelas nova de manhã, debaixo de nuvens ameaçadoras. Murphy e Boyer foram logo para a frente, seguido por Jean Chassagne, num Ballot, e outro americano, Ralph DePalma, também num Ballot. Foi um duelo entre Duesenberg, com melhores travões, e os Ballot, que eram melhores no seu manejo. Ernie Olson, o seu mecânico, disse que "as pedras que levamos no caminho pareciam rajadas de metralhadora". Contudo, ao fim de quatro horas e trinta voltas, ele saia como vencedor do mais prestigiado Grande Prémio do mundo e o primeiro americano a ganhar na Europa, numa máquina americana.
E por incrível que pareça... isto foi apenas o começo. Poucos meses depois, conseguiu a pole-position nas 500 Milhas de Indianápolis e liderou até ao final, sendo o primeiro a alcançar tal feito. Por essa altura, todos falavam que era dos melhores, senão o melhor, piloto americano. Um feito para alguém então com 27 anos.
Contudo, nesses tempos, eram frequentes os acidentes mortais, e infelizmente, a sua carreira teve um final abrupto a 15 de setembro de 1924, três dias depois de completar 30 anos. Nesse dia, Murphy estava em Syracuse, em Nova Iorque, numa prova de "dirt track" e competia pela liderança a doze voltas do fim quando perdeu o controlo do seu carro e bateu contra uma vedação de madeira. Um pedaço de madeira dessa vedação acabou por se espetar no peito de Murphy, matando-o instantaneamente.
Passam-se hoje cem anos sobre o primeiro grande feito americano na Europa. Quase ninguém se lembra de Murphy, um dos melhores pilotos da sua geração, ou da Duesenberg, que ficou mais conhecido pelos seus carros luxuosos e se extinguiu na década seguinte, na Grande Depressão, mas os registos ficam aí, para podermos descobrir e redescobrir.