Os acontecimentos da semana que passou em Melbourne, com todas as suas controvérsias com a Sauber e os problemas dos carros de Formula 1 no inicio de mais uma nova temporada, com dois carros a pararem no meio da pista ainda antes da corrida começar, e os Manor-Marussia, que aparentemente por causa de um problema de software, não conseguiram colocar os seus motores Ferrari a funcionar, deram ao mundo uma ideia do que é esta Formula 1 atual. Dos vinte carros inscritos, quinze carros largaram realmente, pois ainda por cima tivemos um piloto lesionado ainda antes da corrida começar.
Eu sei que o adepto comum, aquele que ama a Formula 1, deve ter metido as mãos à cabeça quando viu tão poucos carros alinhados na grelha, ainda mais depois das polémicas e dos azares mecânicos e físicos. Mas eu dei por mim a pensar se isto poderá ter sido um sinal de um futuro próximo, um futuro sem Bernie Ecclestone. Como sabem, ele têm 84 anos e já não viaja mais à Austrália porque o seu corpo já não aguenta viagens tão longas, especialmente uma de meio dia até ao sul daquele país. E quando falo da Austrália, falo também de alguns sítios da Ásia, pelo mesmo motivo.
Apesar das polémicas e da aparente desorganização, notei que o "paddock" estava tranquilo, mas essa era uma calma aparente. E essa aparência terminou na segunda-feira, quando o Christian Horner "explodiu" por causa dos seus motores Renault, que reclama serem cem cavalos inferiores aos da Mercedes. Uma coisa sei: os motores franceses foram durante algum tempo pouco potentes e caros, por serem feitos em França e porque os custos laborais são superiores que os da Grã-Bretanha. E com o congelamento do desenvolvimento dos motores, realmente é difícil apanhar os alemães neste campo, apesar das tentativas de reverter a situação.
Fico sempre a pensar do que seria uma Formula 1 pós-Bernie, mas tenho a sensação de que numa situação como esta, facilmente chegaria a um caos. E uma eventual morte, numa alturas destas, poderia acontecer na pior altura possivel. As razões são imensas,
e o Flávio Gomes escreveu nesta semana sobre algumas delas, mas permitam que acrescente mais algumas.
Uma delas é a concorrência. Quando Max Mosley se tornou no presidente da FIA, no final de 1991, a formula 1 tinha a concorrência do Mundial de Sport-Protótipos. e que tinha muitas fábricas lá presentes, como a Sauber-Mercedes, Jaguar, Toyota, Nissan, Peugeot, entre outros. Pouco tempo depois, colocou-se um novo regulamento que obrigava os motores a terem 3.5 litros de capacidade, os mesmos da Formula 1, entre outras coisas. Na temporada seguinte, a maioria das equipas de fábrica foi embora e o Mundial de Endurance só voltaria vinte anos mais tarde.
Três anos depois, a CART, que era uma competição que prosperava nos Estados Unidos e que tinha olhos para o resto do mundo - especialmente depois de atrair
Nigel Mansell e
Alex Zanardi, para além de criar as carreiras de
Juan Pablo Montoya e
Jacques Villeneuve - dividia-se em dois, depois de
Tony George, o dono de Indianápolis, ter brigado com a organização sobre dinheiros e direitos televisivos, para além de tentar criar uma competição "americana", pois nessa altura, os estrangeiros eram mais do que os americanos no pelotão. A cisão durou treze anos, mais do que suficientes para diminuir o interesse pela competição, beneficiando a NASCAR. Curiosamente, George acolheu no "Brickyard", entre 2000 e 2007, o GP dos Estados Unidos de Formula 1.
Em suma, se quisermos colocar as coisas nos últimos 20 anos, a Formula 1 dominou sozinha. E claro, cresceu e expandiu-se, transformando-se numa empresa global, capaz de arrecadar cerca de 1,7 mil milhões de euros. O chato é a parte da distribuição, onde Ecclestone, sozinho, arrecada cerca de 15 por cento dessas receitas...
Só que os tempos mudam. Grande parte das transmissões televisivas são agora em sinal fechado, a organização não quer saber das redes sociais, menosprezando o seu poder, os videos no Youtube são arbitrariamente retirados, mesmo aqueles que filmam nos circuitos com as suas câmaras nos telemóveis. E isso têm consequências: a nova geração não vê mais a Formula 1. É claro que a Net, as redes sociais, estão cheios de sites e blogs sobre Formula 1 e sobre o automobilismo em geral, mas as fraquezas da Formula 1 estão a ser aproveitadas por outras modalidades, que olham para esta competição como algo a não fazer ou a não seguir.
Para além disso, a figura de
Jean Todt, apesar de não ser hostil a Bernie e ao Grupo de Estratégia, as suas relações são geladas, para dizer o mínimo. E desde que está no poder, ele decidiu reavivar o Mundial de Endurance, o WEC, com a colaboração do ACO, o Automobile Club de L'Ouest, e promove a formula E, deixando a gestão para
Alejandro Agag. E pelos vistos, conseguem atrair muita gente que, algo desiludida com a Formula 1, mas que adora automobilismo em geral, assiste à corridas, mesmo nas redes sociais. Algumas dessas corridas são transmitidas em direto nos seus sitios da Net, sabendo que no futuro, vai ser dessa maneira que os fãs irão ver as corridas.
Em suma, "o rei vai nu", mas parece que ele não se importa. E as equipas, que viveram anos na atitude de "Piranha Club" continuam a viver numa bolha, especialmente os da frente. Já vos contei que a Ferrari recebe cem milhões de dólares por ano só por estarem lá, e a Red Bull. McLaren e Mercedes recebem um pouco menos, mas recebem. Mas quando a aposta é neles, deixando as equipas do meio à sua sorte (Lotus, Sauber, Force India) contratando pilotos pagantes para sobreviverem e torcendo por um mau dia dos da frente, é mais um exemplo de que as coisas vão muito más.
E para piorar as coisas, todos esperam pelo dia da morte de Bernie Ecclestone para fazer alguma coisa. Só que o meu temor é que após isso, todos briguem por um pedaço desse dinheiro de tal forma que veremos mais situações como esta, onde quem fica a perder é a Formula 1.
Para minha felicidade, gosto de automobilismo. Mas mesmo com todos os defeitos, continuo a querer seguir a Formula 1. Mas não posso deixar de dizer que desejo ver este circo a arder, para ver o que dali sairá. E claro, o funeral do Bernie Ecclestone.