Desde que recomecei esta secção de entrevistas, tive sempre em mente entrevistar o Mike Vlcek, um sujeito que conheci virtualmente há cerca de dois anos, e depois nos termos tornado bons amigos, ao ponto de termos feito algumas colaborações, nomeadamente os vídeos do Youtube no final do ano passado. Só que de súbito, no dia 1 de Março, coloca uma mensagem no seu blog, o Formula UK, de que iria o suspender por tempo indeterminado, pois afirmava não conseguir conciliar isso com a sua outra paixão: a de produtor musical.
De origem checa, Mike nasceu no Rio de Janeiro e cursou jornalismo por lá. Depois, em 2000, ainda a estudar na Universidade, foi trabalhar na revista LANCE! durante quatro anos, onde escreveu sobre desportos motorizados. Contudo, o seu sonho da musica estava sempre presente, e largou tudo para o seu estúdio musical. Voltou em 2007 e um belo dia, em Setembro desse ano, resolveu fazer um blog sobre Formula 1. Após isso, em 2008, mudou-se para Londres, perseguindo o seu sonho musical num dos maiores e talvez um dos melhores, mercados do mundo. No inicio de 2010 lançou o seu primeiro álbum, “UK Sounds”, seguido por um EP, “Aka Ukelele”, no mesmo ano. Para terem uma ideia, vão ao seu site musical,
http://www.mikevlceksongs.com/
O seu blog, agora “congelado” até nova ordem, tornou-se numa roda viva entre internautas, com uma média de cem respostas por cada “gotinha”. Os seus aforismos e citações do dia, a busca pelas “excrusivas” por parte da turma que andava por lá, fizeram com que Mike criasse por lá uma legião de seguidores que, após terem passado pelo choque inicial do congelamento das atividades do blog, juntaram-se e decidiram criar outro “boteco”, o F1 Social Club.
Esta sexta-feira, o Continental Circus apresenta Mike Vlcek, na sua primeira entrevista que dá após o final do Formula UK, onde fala um pouco de si e mais alguma coisa.
1 – Olá Mike! Seja bem-vindo a este canto e a responder às minhas perguntas. Como toda a gente, fui apanhado de surpresa no 1º de março pela tua decisão de fechar o blog. Queres explicar o porquê?
R: Fala Paulo. É um prazer estar aqui conversando contigo. Como eu escrevi por lá no Formula UK, basicamente decidi focar meus esforços na carreira como compositor e produtor musical. Tocar um blog de Formula 1 em ritmo diário é muito desgastante e toma muito tempo, tempo este que anda cada vez mais escasso. Não descarto, porém, passar a escrever uma coluna semanal ou após cada GP, para manter o Formula UK em ritmo lento enquanto esta for a condição para que ele continue existindo. Vamos ver o que acontece.
2 – Já tiveste tempo de refletir naquilo que alcançaste durante o seu período de existência?
R: Não, mas vi que a galera do blog se mexeu e criou um novo site, o
http://f1socialclub.wordpress.com/. Isso me dá muita satisfação, porque é um sinal de que o sentimento de união e amizade do grupo segue mais vivo do que nunca. De repente era isso que faltava para o Formula UK. Quem sabe no futuro não vamos todos escrever juntos?
3 – Que achaste da reacção dos teus seguidores quando decidiram fazer um novo canto?
R: Ih, sem querer respondi sobre isso acima...
4- Agora queria ir um pouco atrás, falar da história do teu projeto agora suspenso. Queres explicar, em poucas linhas, como surgiu a ideia do blogue?
R: Eu trabalhava no LANCE! em 2007, e foi lá que o blog surgiu. Quando me mudei do Rio de Janeiro para UK, surgiu a idéia de batizar o blog com o nome Formula UK. Nunca teve muito mistério, não. A idéia sempre foi fazer um blog de F1 com humor e uma boa dose de sarcasmo, porém tratando todos os leitores como iguais. Nunca me coloquei como dono da verdade ou sabedor de tudo, e acho que é isso que sempre tornou o Formula UK simpático.
5 – O nome que ele tem, foi planejado ou saiu, pura e simplesmente, da tua cabeça?
R: Tive a idéia quando procurava um nome para o blog e estava me mudando do Rio para UK. Acho que é isso.
6 – Em que dia é que começaste, e quantas visitas é que já teve ao longo da sua carreira?
R: O blog começou em setembro de 2007, pouco antes do término daquela temporada que consagrou o Kimi-Matias campeão. Difícil dizer quantos acessos tive, mas na época de LANCE! girava em torno de 1.500 views/dia, média que se manteve na época do wordpress.com. Uma vez no wordpress.org e com servidores próprios, essa média subiu um pouco no começo de 2011. Nunca liguei muito para pageviews, e sim para a qualidade dos leitores. Os muitos comentários, sim, me agradavam.
7 – De todos os posts que já escreveste, lembras-te de algum que te orgulhe… ou não?
R: Ah, alguns. “Sobre as cocotinhas de Knightsbridge e a Sociedade do Espetáculo” é um clássico. O que fiz o papel de advogado do diabo (acho que o título é esse) também foi muito interessante. Esses dois são da época do LANCE! ainda. Fiz um mais recentemente sobre os desafios de pais e filhos, e foi um dos que mais mexeram com as pessoas. Também me orgulho da série Falando Difícil e dos vídeos de humor, estes feitos contigo, Paulo. É difícil lembrar de tantos textos... Foram mais de mil nesses três anos e meio...
8 – Em que é que tu, quando escrevias sobre Formula 1, conseguias ser diferente dos outros blogs? Aforismos e não só…
R: O segredo é a paixão pela troca. O blog só tinha sentido para mim porque não apenas eu adoro escrever sobre F1, mas também ouvir e aprender com as pessoas. Sempre tive na cabeça que o Formula UK tinha que ser uma via de mão dupla, e sempre estimulei o debate entre todos, valorizando a opinião de cada um. Acho que, se há um segredo, é respeitar, escutar e aprender com cada um que passava por lá.
9 – Daqueles blogues que conheces sobre automobilismo, qual(is) dele(s) é que tu nunca dispensas uma visita diária?
R: Vou te dizer onde costumava entrar diariamente: Autosport, blog do Joe Saward e Pitpass.com. Só. Acredite. Os demais eu ia dia sim, dia não. Há muitos blogs excelentes (como o teu). Gosto do texto do Flávio Gomes, apesar de geralmente discordar do que ele escreve e da forma como ele conduz a casa dele. Gosto do blog do Rafael Lopes, gosto do Adam Cooper, gosto do Blog do Ico e do GPUpdate.net. Há, porém, muitas opções e muita gente boa por aí. Dificil ler tudo que é produzido em um único dia!
10 – Antes disto, tu tiveste experiência na revista Lance! Queres explicar como foste parar?
R: Entrei no LANCE! em 2000, quando ainda estudava jornalismo. Me formei no começo de 2001 e fui contratado como jornalista. Lá fiquei até outubro de 2004, quando me desliguei da empresa e fui cuidar do meu estúdio. Em 2006, topei um convite do Lopes para cobrir o GP do Brasil de F1 pelo Globoesporte.com. De lá, recebi um convite do Fred Sabino para voltar ao LANCE! e assim, no começo de 2007, estava novamente na nova casa. Lá permaneci até agosto de 2008, quando me mudei para UK com o intuito de cair de cabeça na minha carreira musical.
11 – O teu nome não tem origem portuguesa… queres aproveitar a deixa e contares a tua vida desde pequenino?
R: Meu pai se chama Michael também, e a pronúncia em tcheco (país de origem dos meus avós paternos) é parecida com a alemã: mirraél. É por isso que meu nome não tem origem brasileira ou portuguesa. Sempre fui apaixonado por música, isso é basicamente tudo que as pessoas precisam entender quando se perguntam porque diabo estou largando o jornalismo de vez. Sempre quis trabalhar com música, viver de música, respirar música, e acho que agora este objetivo está enfim se tornando uma coisa real.
12 – E como foste parar a Londres?
R: Para estudar produção musical, composição e entrar de cabeça no mercado de trabalho britânico, um dos mais fortes do mundo na música.
13 – Falamos agora de Formula 1. Ainda te lembras da primeira corrida que assististe?
R: Não... Na verdade eu só fui começar a me interessar por Formula 1 no fim de 1991, ano do tricampeonato do Silva. Me lembro de estar em Brasília junto com o coral de flautistas do Conservatório em que eu tocava violão (Pro-Arte, nas Laranjeiras) e estávamos todos acordados de madrugada vendo o GP do Japão. Aquela é a primeira corrida de que me lembro, e eu não estava dando muita bola, não. Em 1992 comecei a acompanhar, e de cara o GP de Mônaco, aquele do Mansell babando atrás do Silva, me marcou. Daí para frente, nunca mais parei de assistir. A morte do Senna não teve nenhum impacto negativo no meu interesse pela Formula 1, ao contrário do que aconteceu com a maior parte dos brasileiros. Eu gostava mesmo era dos carros e da tecnologia, nunca liguei muito para os pilotos.
14 – E qual foi aquela que mais te marcou?
R: Um GP que não esqueço? Cara, eu acho que fico com a primeira vitória do Rubens, naquele GP da Alemanha debaixo de chuva. Foi muito emocionante, era uma coisa entalada não só na garganta dele, mas de todo mundo que gosta dele. Foi muito bonito.
15 – Fittipaldi, Piquet e Senna. Qual dos três é aquele que mais agrada, e porquê?
R: Dos três, fico fácil com Emerson. Não só por ter sido o primeiro, mas também porque depois foi aos EUA e repetiu tudo. Vibrei muito com a vitória dele nas 500 Milhas de 1993. Um exemplo dentro e fora das pistas. Fittipaldi é o cara. Mas, claro, todos os três merecem o nosso respeito.
16 – E Felipe Massa? É outro que pode ser campeão ou vai ser um irreversível segundo, algo que os brasileiros parecem odiar…?
R: Difícil dizer, né? Em 2008 ele chegou tão perto... Acredito que 2011 seja o ano da verdade. Se ele conseguir acompanhar e até mesmo superar o Alonso em um número razoável de GPs, há futuro. Caso contrário, receio que seu futuro na Formula 1 seja nebuloso.
17 – Tirando os brasileiros, qual é para ti o piloto mais marcante da história da Formula 1, e por quê?
R: Dos que eu vi correr, a resposta é Michael Schumacher. Fácil. Ou ainda Alain Prost, dono de uma classe que nunca vi igual. Ele era suave e preciso como Jenson Button, porém com a velocidade de um Luisinho e um Alonso somadas. Dos que não vi correr, fica difícil opiniar, mas acredito que Juan Manuel Fangio é uma escolha óbvia. Ou então Jim Clark, ou Gilles Villeneuve. Há muitos nomes...
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8 - Quem é que tu achas que é o favorito para a temporada de 2011?
R: Pelo que temos visto na pré-temporada, o RB7 parece ser outro canhão de Adrian Newey. Se for mesmo, Vettel começa o ano como favorito. Porém, os nomes de sempre não podem ser descartados: Alonso, Luisinho, Button etc. Mesmo o Felipe, se começar o ano bem, assim como Mark Webber, podem entrar nesse bolo. Vamos ver.
19 - Achaste bem o adiamento/cancelamento do GP do Bahrein?
R: Sim, mas não concordei com a histeria coletiva que tomou conta da imprensa que cobre a Formula 1, que ficou chorando pelo twitter. Não tinha mesmo como a corrida acontecer lá, mas foi colocada uma pressão desnecessária sobre os dirigentes do esporte. No fim das contas, a postura de Bernie Ecclestone foi perfeita. Quem tinha de cancelar o evento era mesmo o Rei.
20 - Qual é a tua opinião sobre a confusão entre a Lotus Cars e Tony Fernandes pelo direito a usar o nome “Team Lotus”?
R: Dany Bahar é um fanfarrão e sua máscara cairá em pouco tempo. No dia 21 de março começaremos a saber o destino da novela, e acredito que o Team Lotus de Tony Fernandes irá manter na Justiça o direito de usar o nome Lotus na Formula 1. Aí será o começo do desmoronamento do castelo de cartas da Proton. A conferir.
21 - A grande ausência de 2011 vai ser Robert Kubica. Qual foi a tua reacção quando soubeste do acidente e o que achas dos pilotos de Formula 1 poderem fazer outras atividades, como ralis?
R: Foi de tristeza, claro. Kubica é um cara simpático, além de velocíssimo. Acho natural os pilotos de Formula 1 se arriscarem em outros esportes ou corridas quando estão de férias. Esses caras têm adrenalina no sangue. Não faz sentido proibí-los de manter seus instintos e reflexos apurados durante um terço do ano. Foi uma fatalidade.
22 - Achas que Nick Heidfeld é um bom substituto?
R: Heidfeld não fede nem cheira. Vai fazer o feijão com arroz, mas nunca entregará uma vírgula além do que se espera dele. Não surpreende ninguém. Eu preferia ver o Bruno Senna na vaga, pois sangue novo sempre pode trazer resultados inesperados. Paciência.
23 – Que impressão ficas da Hispânia? A propósito, tu deste um nome de “batismo” interessante…
R: HPV foi um apelido feliz, né? Nunca consegui chamar o time de Hispania ou HRT, nomes feios para burro! Espero que consigam mesmo colocar o carro novo na pista, mas estou achando que a regra dos 107% irá degolá-los sem piedade, ao menos no começo do ano. E, se isso acontecer, vai ser dureza manter o moral de todos e também os patrocinadores...
24 - “Correr é importante para as pessoas que o fazem bem, porque… é vida. Tudo que fazes antes ou depois, é somente uma longa espera.” Esta frase é dita pelo actor americano Steve McQueen, no filme “Le Mans”. Concordas com o seu significado? Sentes isso na tua pele, quando vês uma corrida, como espectador?
R: Sendo bem sincero, sim e não. Eu amo velocidade, já pratiquei off-road de motocicleta e quadriciclo, e adoro a sensação de risco. Porém, cada vez mais estou voltando minha cabeça para outras coisas. Coisas como constituir uma família, ou perseguir meu objetivo na música. Então, acho que se você me fizesse essa pergunta há uns anos atrás, eu diria que sim. Hoje, porém, não mais...
25 – Já agora, tens alguma experiência automobilística, como karting? Se sim, ficaste a compreender melhor a razão pelo qual eles pegam num carro e andam às voltas num circuito?
R: Sempre gostei de andar de kart, mas nunca pude praticar muito. Dei poucas voltas na vida. Tenho muito mais experiência fazendo travessuras com motociclietas em trilhas de lama, terra e pedras. Adoro.
26 - Tens algum período da história do automobilismo que gostarias de ter assistido ao vivo?
R: Sim, os anos 80 desde o surgimento de Piquet.
27 – Que impressão ficas quando vês os vídeos de Antti Kalhola?
R: Muito bem produzidos, o cara tem um talento nato para a coisa. Dá gostinho de quero mais.
28 – Tu costumas ver por aí o Top Gear. Que impressão ficas sobre o programa?
R: Sensacional. Não me canso de rir, especialmente por conta do tom jocoso dos apresentadores, que não são nada politicamente corretos, algo que aprecio. O Top Gear não é mais apenas um programa sobre carros, virou um way of life. De certa forma, o Formula UK se espelhava nesse way of life despojado.
29 – Agora que “fechaste a loja” do blog, que planos tens para o teu futuro próximo?
R: Nunca irei parar de escrever. Acho que em no máximo um ano, estarei de volta em inglês, falando não de F1, mas de tudo que tiver vontade, só que sem essa obrigação de publicar diariamente. Afinal, escrever é preciso, viver não é preciso.