Na Argentina, o seu nome é sinónimo de lenda. Num pais onde se vive imenso o automobilismo, os ralis fazem parte da existência porque afinal de contas, é o unico país da América do Sul a receber regularmente o Mundial WRC. A figura de Jorge Recalde, o "Condor de Traslasierra", é fora da Argentina, uma das mais respeitadas na categoria, pois provêm de um tempo onde estes ralis eram mais conhecidos pela sua endurance do que pela velocidade ou concentração, e a carreira de Recalde se estendeu por mais de vinte anos. No seu pais natal, na Argentina, é uma lenda, tanto mais que a sua morte foi recebida em choque por todo o pais. Hoje, a data da sua morte é comemorada como o "Dia Nacional do Rali", e aqui recorda-se a vida e carreira de Jorge Recalde.
Nascido a 9 de Agosto de 1951 em Mina Clavero, uma quinta na zona de Córdoba, a 800 quilómetros a noroeste de Buenos Aires, Recalde era o terceiro de sete filhos. O seu fascinio por automóveis começara na sua adolescência quando viu provas de circuito na zona de Córdoba. O seu pai tinha-lhe ensinado a conduzir nos terrenos da sua quinta, mas não sentia muito fascinio pelas corridas em circuito fechado. Começou a sua carreira em 1970, num Renault Gordini que tinha sido emprestado, e pouco depois vencia uma corrida de montanha, num Fiat 600.
Em 1972, a Fiat decidiu fazer um rali para publicitar a entrada do modelo 125 na Argentina, e convidou Recalde numa corrida entre a Vila Carlos Paz e Mina Clavero, e volta. A marca batizou o evento como "Desafio de los Valientes" e correu contra alguns dos melhores pilotos de então, como Simo Lampinen e Henry Kallstron. Para surpresa de todos, foi o vencedor. Quando soube do que tinha feito, perguntou qual era o prémio, e esse era o carro que tinha acabado de conduzir. Recalde, então com 21 anos, que tinha guiado carros emprestados até então, ficou maravilhado.
Ao longo da década de 70, Recalde entrou em tudo que eram máquinas, quer em estrada, quer em pista. Guiou em Protótipos e em carro da Turismo Carrera, com algumas vitórias e bons resultados em pista. Por essa altura, conhece duas personagens que o iriam impulsionar para a sua careira fora de Cordoba: Domingo Marimon e Juan Manuel Fangio. Domingo vivia em Córdoba e era filho de Onofre Marimon, morto durante os treinos do GP da Alemanha de 1954, e em muitos aspetos, fazia coisas quando Fangio, que vivia em Buenos Aires, não podia fazer. Mas ambos sabiam do talento e das ambições de Recalde em ser piloto profissional. E à medida que a década de 70 chegava ao fim e Recalde conseguia bons resultados no Rali da Argentina, sendo regulamente o melhor local, a bordo de um Renault 12, ambicionou em dar o salto para o estrangeiro.
Após alguns contactos lá fora, com a ajuda de outro argentino, Carlos Reutemann, conseguiu uma oportunidade de competir, em 1980, no Rali de Portugal, onde aluga um Ford Escort RS. Não foi uma tarefa fácil, pois primeiro tinha de arranjar dinheiro para patrocinios, algo que tinha sido dificil, e depois, Recalde estava pouco adaptado quer às exigências europeias - o seu inglês era básico - bem como desconhecia o fato de existirem vários tipos de pneus. "Quando verificamos que os outros carros furavam pouco e nós muito, descobrimos o porquê de haver tantos tipos de pneus!", disse Recalde. Contudo, correu o suficiente para chegar ao fim no oitavo lugar. A sua segunda experiência na Europa no Rali da Acrópole, onde acabou no 12º posto.
Poucas semanas depois, Recalde tem a sua grande chance de brilhar contra os estrangeiros no Rali da Argentina, e graças a Fangio. Sendo ele diretor da Mercedes Argentina, convida-o para conduzir um dos seus carros, o modelo 500SLC. "A Mercedes queria inicialmente o Carlos Reutemann, mas este queria colocar publicidade sua nos carros dele, algo que recusaram. Então, Fangio lembrou-se de mim", conta. O rali não foi bem sucedido para ele, pois tinha-se retirado, mas pouco depois, é convidado para participar com o mesmo modelo no Rali da Costa do Marfim. Dito e feito, a marca de Estugarda consegue a dobradinha num rali absolutamente desgastante, com o sueco Bjorn Waldegaard a vencer, e Recalde em segundo.
Contudo, no final desse ano, a Mercedes decide sair dos ralis e ele vai correr num Datsun 160J nos ralis da Argentina e do Brasil, obtendo bons resultados. Na sua terra, tinha sido terceiro enquanto que em terras brasileiras terminou na quarta posição. Por essa altura, corria no campeonato nacional de ralis com o Renault 18 GTX, de onde iria conseguir três títulos nacionais até 1985, participando regularmente no rali local. Em 1984, ao volante de um Audi oficial, acabou no terceiro posto no Rali da Argentina, e dois anos depois, fora quarto ao volante de um Lancia Delta S4.
Em 1987, com a entrada em cena dos Grupo A, Recalde arriscou a novas saídas no Mundial. Com o seu navegador de sempre, Jorge del Buono, correu primeiro num Fiat Uno Turbo no Rali de Portugal, passando por um Audi Coupe na Acrópole, acabou a correr no Lancia Delta oficial, onde foi segundo classificado no Rali da Argentina.
Em 1988, Recalde foi correr com o mesmo modelo, mas no Grupo N, onde conseguiu bons resultados, mas o seu maior feito foi no Rali da Argentina, onde correu pela equipa oficial. Ali, usou o seu carro da melhor maneira como pode, em classificativas que conhecia como ninguém, e conseguiu um feito inédito: vencer o rali, a primeira - e até agora unica - vitória de um argentino mo Mundial de Ralis. Foi o seu ponto alto na sua carreira.
No ano seguinte correu pela equipa oficial em algumas provas, tendo conseguido um terceiro lugar na Argentina, para depois voltar ao Grupo N em 1990. Em 1991, foi correr de novo na equipa oficial e conseguiu ser mais regular, com mais um pódio no Rali Safari, algo que repetiu em 1992. Em 1993, o último ano da Lancia a nivel oficial, Recalde participou em cinco ralis, mas não chegou ao fim em todos eles.
Com a Lancia de fora, Recalde passou para o Grupo N, onde corre num Mitsubishi Lancer entre os Mundiais de 1994 e 96 Mundial. O seu melhor resultado é um quinto lugar no Rali da Argentina de 94. A partir de 1997, decide correr mais na sua Argentina natal, participando sempre no rali até 2000, altura em que correrá num Ford Escort WRC.
Em 2001, Recalde já tem 49 anos, mas continuava com a mesma vontade de correr, desta vez no campeonato nacional. Veterano respeitado e admirado por todos, não pensava em retirar-se tão cedo. Nesse ano, tinha recebido um Ford Escort WRC, vindo de Itália, e do qual tinha testado pouco. O primeiro rali do ano era em Vila Dolores, e Recalde era um dos favoritos.
Liderou no inicio do rali, mas aos poucos, o seu pouco conhecimento da máquina fez com que fosse passado pelo seu rival Roberto Sanchez, no seu Subaru Impreza. Para piorar as coisas, a caixa de velocidades do seu carro começou a falhar, e ao chegar à meta, no dia 10 de Março de 2001, teve de empurrar o seu carro nos últimos 300 metros, pois a sua caixa tinha definitivamente quebrado. Recalde teve de sair do seu carro e empurrá-lo até á meta, debaixo de um sol escaldante de 38 graus, no Verão austral argentino. Isso lhe foi fatal para o seu coração, que desfaleceu quando ia descansar para a sua motorhome. Apesar de ter sido levado de imediato para o hospital, os médicos limitaram a confirmar o óbito. Tinha 49 anos.
A morte de Recalde fora sentida no seu pais e entre os afficionados dos ralis. Na sua terra natal, Mina Clavero, o elevou à condição de herói. Nos anos seguintes, os seus amigos e vizinhos trataram de fazer com que Recalde fosse reconhecido, e assim apresentaram uma iniciativa em que declarariam o dia 10 de Março de 2001 como o "Dia Nacional do Rally" e a sua vila natal como "Capital Nacional do Rally". A iniciativa culminou a 4 de Maio de 2005, quando a lei 26.030, foi aprovada por unanimidade pelo Senado argentino. E hoje em dia, Recalde continua a ser venerado e acarinhado como uma das lendas do automobilismo portenho.
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