Hoje completam-se trinta anos sobre um dos capítulos mais controversos da história da Formula 1, pois foi um dos momentos altos da guerra entre a FISA, a entidade que regulamentava o desporto automóvel e a Formula 1 em particular, comandada pelo francês
Jean-Marie Balestre, e a FOCA, associação de construtores, liderada pelo patrão da Brabham, o britânico
Bernie Ecclestone. Este episódio foi particularmente grave pois tratou-se de um boicote de algumas equipas à corrida, que levou depois a que ela não fosse reconhecida pela FISA. Já agora, quem a venceu foi o australiano
Alan Jones.
Os acontecimentos já se vinham acumulando desde há pelo menos um ano. Após a chegada ao poder de Jean-Marie Balestre, no final de 1978, e a Formula 1 a viver a era efeito-solo, inaugurada em 1977 pelo Lotus 78 e coroada com o modelo seguinte, o Lotus 79. Em 1979, o restante pelotão seguiu a formula, tornando-se numa norma. Mas Balestre, eleito em nome da segurança, queria fazer alterações regulamentares relacionadas com os carros, nomeadamente no final de 1979, quando a FISA decidiu a abolição das saias laterais, que ajudavam a colar o bólide ao solo. As equipas reagiram, afirmando que era uma medida arbitrária, que não tinha o acordo das equipas.
Para além disso, outros problemas apareciam no horizonte. Desde 1968 que a publicidade era permitida na Formula 1 e ao longo dos anos 70, a televisão tinha entrado em força, com as transmissões directas a cores, e claro, a publicidade nelas envolvida começava a ser um negócio lucrativo. As várias equipas, especialmente as com motor Cosworth, queriam uma fatia desses direitos comerciais, para tapar os seus orçamentos, cada vez maiores com a entrada em cenas das equipas de fábrica, como a Renault, Ferrari e Alfa Romeo. E ainda por cima, a era Turbo estava a começar, e a eficácia desses motores implicaria um maior investimento para igualar as preformances dessas equipas, já que nos últimos doze anos, os Ford Cosworth tinham sido reis e senhores do pelotão.
É aí que entra o britânico Ecclestone, um astuto homem de negócios, ex-piloto e ex-manager de
Jochen Rindt, em 1971 tinha comprado a Brabham a
Ron Tauranac, que tomara conta da equipa após a retirada do seu fundador,
Jack Brabham. Ajudou a formar a FOCA, Formula One Constructors Association, e no final da década já era o seu presidente, lutando pelos direitos comerciais da Formula 1 com os organizadores dos circuitos e com a FISA.
Os desacordos entre eles, com o episódio das "saias" a ser um pretexto para aprofundar mais o fosso entre as duas entidades, tinham levado a que inicio de 1980, a disputa se transformasse numa guerra de baixa intensidade, com os construtores a evitarem falar com Balestre ou a participarem nas iniciativas da FISA. Uma delas eram os “briefings” que a FISA declarou obrigatórias, mas que a FOCA decidiu boicotá-las na Bélgica e no Mónaco. Em retaliação, a FISA multou os organizadores em dois mil dólares, algo que a entidade dos construtores decidiu não pagá-las, a conselho dos advogados.
À medida que os dias passavam e se aproximava o GP de Espanha, em Jarama, a FISA decidiu tomar uma medida radical, suspendendo as licenças de todos os pilotos, excepto as duplas da Ferrari, Renault e Alfa Romeo. A FOCA reagiu, na tarde de quinta-feira, dia 29 de Maio, que iria boicotar o GP de Espanha, que aconteceria dali a três dias. A organização, vendo ameaçada a realização da corrida, ofereceu-se para pagar um depósito com o equivalente das multas dos pilotos. Em resposta, a FISA afirmou que só aceitaria, desde que viesse dos bolsos dos seus pilotos, o que para a FOCA, seria uma admissão de culpa.
As coisas pareciam feias, e o Grande Prémio de Espanha estava ameaçado. Contudo, a intervenção directa do Rei
Juan Carlos I fez com que a corrida prosseguisse. O GP de Espanha era organizado pela RACE, Real Automovil Club de España, que era um afiliado da Federacion Española de Automovilismo, que era o representante oficial de Espanha junto da FISA. Com a RACE a comprometer-se a organizar a corrida, contornando o veto que a organização de Balestre deu às equipas e aos pilotos, a corrida de Jarama iria para a frente como uma corrida extra-campeonato, não contando para o calendário.
O fim de semana do Grande Prémio foi tenso do principio até ao fim. Na sexta-feira de manhã, as equipas FOCA não saíram à pista, deixando apenas a Renault, Ferrari e Alfa Romeo em pista. A sessão foi interrompida após meia hora de duração, com a Guardia Civil a escoltar os oficiais da FISA, e esta a afirmar que iria haver mais sanções se as equipas não-FOCA participassem nelas. Assim sendo, pela tarde, acontecia o contrário: Ferrari, Renault, Osella e Alfa Romeo não participavam, enquanto que as restantes equipas, leais à FOCA, saiam à pista. No final do dia, as três equipas não-britânicas, leais à FISA, não voltaram a treinar.
O resto dos treinos decorreu normalmente, com os Ligiers de
Jacques Laffite e
Didier Pironi a serem os mais rápidos durante todo o fim de semana. No final, Laffite foi o melhor, seguido por Alan Jones e Didier Pironi e
Carlos Reutmann, fazendo com que as duas primeiriras filas fossem um duopólio Williams-Ligier.
Sem Ferrari, Renault e Alfa Romeo, aconteceram algumas coisas fora da normalidade.
Nelson Piquet foi o quinto, seguido pelo McLaren de
Alain Prost e o segundo Brabham de
Ricardo Zunino, o Lotus de
Mário Andretti, o ATS de
Jan Lammers e o Osella-Ford de
Eddie Cheever. Com 22 carros na grelha, os dois Shadow iriam participar pela primeira vez este ano numa corrida. E havia algumas novidades no pelotão, com a substituição na Ensign, onde o britânico
Tiff Needell cedeu o lugar ao francês
Patrick Gaillard. E um terceiro Williams, inscrito pela RAM, estava presente para o espanhol
Emílio de Villiota.
A corrida começou pelas 16 horas locais, após algum tempo de espera, pois tentara-se até ao último momento uma solução de compromisso entre os organizadores, a FISA e a FOCA, e as equipas leais à FISA, Ferrari, Renault e Alfa Romeo, permaneciam no “paddock”, esperando poder participar na corrida espanhola. Contudo, tal não aconteceu e antes da corrida começar, as três equipas abandonaram o circuito espanhol.
Na partida, Reutmann consegue surpreender os Ligier e passa para a frente da corrida, seguido por Laffite, Jones e Pironi, com Piquet no quinto posto. Nas voltas seguintes, o Ligier de Pironi começava a ter problemas de direcção, devido ao facto de ter pneus mais duros no lado direito, que providencia maior desgaste no circuito espanhol, e começava a atrasar-se. Na volta cinco, Prost tinha se retirado devido a problemas de motor e na volta treze, o Fittipaldi de
Keke Rosberg e o Tyrrell de
Derek Daly tinham retirado devido a problemas com os travões.
Por essa altura, Jones falha uma mudança de caixa, quando tentava passar o seu companheiro Reutemann e perdeu três posições. Este, depois de ter chegado à liderança, era agora pressionado por Laffite, mas conseguia defender-se dos ataques do piloto francês. O quarto era agora o holandês
Jan Lammers, no seu ATS, mas pouco depois teve de abandonar devido a problemas com os travões.
Na volta 35, os lideres chegam a Emílio de Villiota, que iria perder uma volta. O piloto espanhol colocou-se de lado para deixar passar Reutemann, mas Laffite aproveitou a oportunidade para matar dois coelhos de uma cajadada só. Tentou a sua sorte, mas com resultados desastrosos. Tentou passar os dois, mas tocou no Williams do espanhol, que por sua vez tocou no Williams de Reutemann. Os três carros acabaram na gravilha, abandonando de imediato, apesar de De Villiota ter levado o carro á boxe, onde viu que tinha a suspensão quebrada, sem qualquer hipótese de reparação.
Quem herdou a liderança foi Nelson Piquet, com Pironi em segundo e Jones em terceiro, com cerca de metade da corrida, metade do pelotão já tinha abandonado, devido a falhas nos travões, motores partidos e acidentes. Na volta 42, o brasileiro abandonava devido a uma quebra na caixa de velocidades, cedendo a liderança a Pironi. O terceiro classificado era agora o Arrows de
Jochen Mass.
Na volta 49, o McLaren de
John Watson iria dobrar o Ensign de Patrick Gaillard, mas Watson desentendeu o local onde o francês iria travar e bateram. O irlandês retirou-se na hora, enquanto que Gaillard foi às boxes para reparar o carro e continuar.
Na volta 65, Pironi começou a sentir vibrações fortes no seu carro, abrandando o suficiente para ver uma das rodas a soltar-se do seu carro. Com isto, Jones ficou ainda mais solitário na liderança, já que Mass estava a mais de um minuto de distância. No final, ele cortou a meta, seguido do piloto da Arrows e de
Elio de Angelis, o piloto da Lotus. O Tyrrell de Jean-Pierre Jarier, o carro de
Emerson Fittipaldi e o Ensign de Gaillard chegaram nos restentes lugares pontuáveis. E foi por pouco, pois apenas seis carros chegaram ao fim.
Contudo, no dia seguinte, em Atenas, a FISA reuniu-se de emergência para debater o “caso Jarama” e decidiu que a corrida seria declarada como ilegal e que não iria contar para o campeonato daquele ano. Para além disso, todos os envolvidos seriam multados em três mil dólares cada um, para além das multas anteriormente mencionadas. A coisa durou algumas semanas, até que a FOCA cedeu, pagando-as a tempo do GP de França, no inicio de Julho. Mas as coisas não iriam acabar por ali, pelo menos nos dois anos seguintes. A FOCA iria contra-atacar no final do ano, ameaçando constituir uma série paralela, com um campeonato próprio.