sexta-feira, 18 de junho de 2010

The End: José Saramago (1922-2010)

Por aqui, recebemos a noticia à hora do almoço. Os telejornais interromperam o seu rumo normal, mas só depois de falarem sobre o dia português no Mundial. José Saramago morreu esta manhã, aos 87 anos, na sua casa de Lanzarote, nas Ilhas Canárias.

Hoje quero recordar essa personagem do lado pessoal. Não sou fã das obras dele, pois acho as suas obras como pessimistas, sombrias de um futuro que se calhar o desiludiu, pois era um comunista convicto. Mas tendo acreditado num outro tipo de utopia, nunca um ateu se dedicou tanto a estudar Deus e a Biblia. Se a ideia de o desconstruir, foi boa, mas claro, não foi neutra.

Quando tinha os meus sete, oito anos, passava longos fins de semana na casa dos meus avôs, quer o materno, quer o paterno. Gramava mais o materno, mas do paterno recordo de um livro do Circulo de Leitores, chamado "Viagem a Portugal". Para uma criança, a leitura de uma mistura de guia turístico com o "Viagens na Minha Terra", século XX, descobri uma obra fascinante. Mas não liguei um ao outro até uns mais tarde, na parte do meu velho avô Thomaz Saboga.

Sendo da Marinha Grande, local "vermelho" mas pessoalmente mais "à direita" do que o normal naquele sitio, ele costumava ir às sessões de autógrafos do Saramago. Tenho em casa o "Memorial do Convento", o "Evangelho Segundo Jesus Cristo" e o "In Nomine Dei", entre outros, todos do meu velho avô, assinados pelo punho do próprio. Mas confesso que estive mais preocupado em ler Jorge Amado ou Gonzalo Torrente Ballester ("La Reina Desnudada" é genial) antes deles morrerem do que ler o senhor de Azinhaga do Ribatejo. Lá consegui lê-los, mas tinha relutância de o ler, até que as circunstâncias me obrigaram.

Isso foi em Janeiro de 1998, poucos meses antes do tal Nobel. Fiquei no hospital devido a uma chata apendicite, que se transformou numa peritonite e grande parte do Inverno no hospital, dois meses. Aproveitei para ler imenso, e um deles foi o "Memorial do Convento". Achei (e ainda acho) difícil de ler, mas se conseguirem penetrar para além da sua própria linguagem, fala de uma excelente história de amor entre o Bernardo e a Blimunda, a Passarola do Bartolomeu de Gusmão e a maneira como um dos mais imponentes edifícios de Portugal, o Convento de Mafra, foi construído... com o ouro do Brasil, diga-se.

Continuei a ler os livros posteriores dele. Ensaio Sobre a Cegueira, O Homem Duplicado, A Viagem do Elefante e o mais recente, Caim. Continuou a ser, pessimista, polémico. Escreveu noutros meios, até foi "Blogger", com os seus cadernos, que foi a sua contribuição para este século que ainda não terminou a sua primeira década. Mas se formos para além disso, verificamos que é um homem incansável, de memória fértil e que o deseja colocar para papel as suas ideias, e as suas histórias. E manteve-se activo, enquanto que no resto do mundo, todos lhe renderam homenagem.

O Prémio Nobel da Literatura, único dado até agora a um escritor de língua portuguesa, é apenas a cereja no topo do bolo. Reconhecidissimo em Espanha, que o considera como um dos seus, mereceu todas as homenagens.

Como o considero? Já o considerava como um dos maiores. Mas o que fica na minha mente é o de um homem incansável. Mesmo muito idoso, e em vez de gozar a plenitude da reforma, continuou a escrever até ao final do seus dias, preocupando-se em publicar pelo menos uma vez por ano. E ter vivido até aos 87, 26 dos quais ao lado de Pilar del Rio, a sua actual mulher, quase 30 anos mais nova do que ele, foi um feito. Ele reconheceu que foi ela que lhe deu anos de vida. Quem dera que todos os escritores e aspirantes a tal tenham as suas musas inspiradoras.

E agora, senhoras e senhores, aplaudamos a sua saída de cena, pois pela sua vida e obra, bem o merece. Ars lunga, vita brevis.

1 comentário:

Tohmé disse...

se foi o maior de todos.