A vida é injusta, nós sabemos disso neste mundo. Mas no teu caso, nem chamo de injustiça, tenho outro nome a dar: sacanagem. Deverias estar hoje a comemorar o teu 20º aniversário, provavelmente devias estar a combinar a festa com os teus amigos, a receber as imensas mensagens de parabéns no Facebook e no Twitter. Não sei onde é que tu estarias a competir, se estivesses por lá. Talvez estivesses no Bahrein, na GP2 Asia Series, a ver o que se passava da janela do teu hotel. Não sabemos. Aquele maldito pneu, naquela tarde de Domingo em Brands Hatch, impediu-te de sabermos o que estarias a fazer agora.
Eras o filho de uma lenda. Se calhar cresceste a olhar e admirar os troféus do teu pai, de leres e ouvires as histórias contadas por ele e depois teres encontrado dentro de ti o teu "bichinho" de competição. Não sei se ao correres, sentias a pressão das pessoas que te olhavam e esperavam que fizesses os mesmos feitos do teu pai, ele que tinha feito um pouco de tudo, até, imagina tu! Construir a sua equipa de Formula 1.
O teu pai disse, depois de teres ido embora, o seguinte: "O Henry seguiu o seu coração desde o momento em que se sentou num kart pela primeira vez. Ele conseguiu equilibrar de forma séria a vida escolar com o automobilismo, tendo recentemente terminado os seus exames. O mundo acenava-lhe e ele estava a ter sucesso na liberdade para se concentrar no automobilismo.
"Apesar do azar na carreira, ele revelou ser um dos [jovens] com maiores possibilidades de chegar ao topo. Apesar da sua idade, ele mostrou maturidade, perspicácia técnica e rapidez. Mais importante do que tudo isso, ele era uma boa pessoa e um filho e irmão carinhoso. A sua perda será sentida profundamente".
De uma certa forma, ele tinha razão: quando li os teus feitos pela primeira vez, creio que ainda andavas na Formula Renault, achei que tinhas potencial para acabar na Formula 1 e andares ao lado de Sebastien Vettel ou de Lewis Hamilton. Ou então, se acabasses na Indy Car Series, ao lado de um Ryan Briscoe, Scott Dixon ou um Hélio Castro Neves, numas 500 Milhas de Indianápolis, a disputar taco a taco pela vitória. Enfim, agora é tudo um grande "e se..." no qual só poderemos imaginar.
Eis a grande ironia deste Universo no qual cada vez mais acredito que joga dados a todo o momento: o teu pai andou em tudo que tinha rodas, duas e quatro. Foi campeão em todas e foi um herói de uma geração. Admirado na Grã-Bretanha e em Itália. Um dos poucos no qual Enzo Ferrari respeitava (espero que ele te tenha contado que fazes anos no mesmo dia que ele...) e passou por um periodo dificil da história do automobilismo, onde era algo parecido com uma guerra. Quase todas as semanas se lamentava uma morte em pista, e ele viu desaparecer de súbito alguns dos seus rivais, que respeitava: Wolfgang Von Trips, Jim Clark, Lorenzo Bandini, Bruce McLaren, Ludovico Scarfiotti, Jocjen Rindt... e envelheceu para contar a história.
Depois viu-te a ti a nascer, a crescer, a ver-te apaixonado pelos automóveis e a quereres continuar o legado do teu pai, e depois viu-te naquele Sábado à tarde, no pódio de Brands Hatch, um circuito onde uma das curvas tem o seu nome. E no dia seguinte, tudo acabou. Por mais um segundo ou menos um segundo, estarias aqui a comemorar o teu aniversário, mais uma década onde, quem sabe, poderias estar na Formula 1 ou na Indy, a continuar o legado do teu pai. Foi um tremendo azar, aquele dado que resultou que só pudesses andar por este mundo durante dezoito breves anos. Fico com a sensação que esse foi o preço a pagar pelo fato do teu pai ter sobrevivido para contar a história.
Agora? Bom, só poderemos honrar-te e dizer que um dia, houve um piloto que prometia ser bom, mas teve muito pouco tempo para o demonstrar. Fazes-me lembrar a história de Roger Williamson, que nos anos 70, toda a gente o via admirado na Formula 3 britânica, a ganhar campeonatos atrás de campeonatos e prometia ser grande até ter morrido na sua segunda corrida da sua carreira, em Zandvoort... Para mim, ao olhar para as tuas fotografias nos anos em que me restarem neste planeta, não farei sem sentir algum desgosto no meu coração. Afinal terás dezoito anos para todo o sempre...
Pode ser um dia nos vemos por aí, Henry. Caso aconteça... até lá!
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