quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Grand Prix (numero 65, Brands Hatch, a reunião)

(continuação do capitulo anterior)

No final do dia, todos rumaram a um dos mais emblemáticos hotéis de Londres, o Mayfair, no sentido de ter uma conversa séria. E quando se diz todos, referia-se a pilotos e proprietários de equipas, que numa estranha sintonia, decidiram reunir-se para discutir a actualidade.

Essa reunião tinha acontecido como o resultado de uma conversa entre Pete Aaron e Alexandre de Monforte, poucos dias após o regresso às actividades da equipa, a lamber as feridas da morte de John O'Hara. A conversa alastrou como se fosse fogo em palha seca e no espaço de dois dias, Bruce Jordan e o director desportivo da Matra tinha acordado nesta reunião em Londres, no fim de semana do Grande Prémio britânico. Parecia que as coisas iriam ser discutidas de modo pacífico, mas o acidente de Bob Bedford, algumas horas antes, agitou os fantasmas que tinham sido mal enterrados nas suas cabeças.

Os pilotos mais antigos, como Bob Turner, Patrick Van Diemen e Teddy Solana, decidiram arrastar os novatos, que com a ajuda de Monforte, foram "obrigados" a assistir à reunião, sem quaisquer excepções. No final do dia, estavam todos na sala de conferências do hotel, com a imprensa fora dela, mas avisada a seu tempo. E ao habitual grupo se juntou muitos outros, de rádios, jornais e TV's inglesas e americanas. A expectativa era grande, especialmente depois de dois elementos terem dito que "poderiam sair decisões bombásticas". Quando Teresa perguntou ao seu namorado o que isso significava, ele, enigmático, deu-lhe um beijo na boca e disse: "Acho que vais ficar espantada."

Depois das portas fechadas e guardadas por uma pessoa, a reunião começou. Numa mesa, Bob Turner, Pete Aaron e Patrick Van Diemen estavam sentados e Pete tomou a palavra:

- Boa tarde a todos. Creio que todos vocês sabem o motivo da reunião: a segurança nos circuitos. Estamos a passar por uma péssima fase, em que já vimos demasiados amigos nossos mortos. Em três semanas foram três de nós, o Bruce, o John e agora em Rouen o jovem Alvaro Ortega. Os circuitos, como sabem, avançaram muito em termos de segurança, mas sentimos que isso não chega. Precisamos de mais, queremos mais. Queremos a FIA ao nosso lado no capitulo da segurança, queremos circuitos seguros, carros seguros. E acho que temos de tomar medidas fortes, com impacto, para mostrar não que temos medo, mas que queremos correr sem pensar constantemente em morrer na próxima esquina.

Os presentes aplaudiram as palavras de Pete, pois tinha sido um ex-piloto e sabia daquilo que todos estavam a passar. Depois, Patrick Van Diemen tomou a palavra:

- Meus caros colegas. Escuso de dizer que estamos a sofrer, pois vimos demasiados amigos nossos mortos em acidentes. Confesso que pessoalmente ando farto de ir de duas em duas semanas, ou mesmo menos, a um cemitério algures na Europa para ver enterrar amigos nossos. Neste mês, eu e muotos de nós estivemos numa igreja em Londres, vimos milhares de pessoas em Dublin e enfrentamos o calor de Sevilha, tudo isso para dizermos adeus a amigos nossos que tiveram o azar de se despistar. Ainda tivemos mais um jovem francês, creio eu, que acabou os seus dias totalmente queimado quando o seu carro explodiu ao embater um guard-rail.

O silêncio na sala era sepulcral. Van Diemen prosseguiu:

- Meus amigos, creio que agora é uma altura para tomar medidas sérias e de impacto. Dentro de algumas semanas iremos correr mais uma vez em Nurburgring. Escuso de dizer que aquele circuito é demasiado grande e demasiado perigoso para nós. Escuso de dizer que temos medo de o percorrer. Se nada fizermos, receio que dentro de algumas semanas iremos a outro funeral, provavelmente de um de nós que está aqui nesta sala. Pode ser o meu próprio funeral ou do companheiro que está exactamente à minha frente.

Van Diemen está de pé, e a pessoa que estava sentada exactamente à sua frente era o francês Philippe de Beaufort, o líder do campeonato. Todos absorveram cada palavra do belga da Ferrari, esperando que aquilo que tinha dito não se tornasse numa profecia. Parou de falar, tomou um gole de água e prosseguiu:

- A ordem de trabalhos são duas, muito simples. A primeira trata-se da reactivação de uma Associação de Pilotos. A segunda, discutida de forma informal entre eu e o Bob, com a aprovação do Pete e dos restantes directores de equipa, seria o chumbo de circuitos que consideremos "inseguros". Quanto à associação de pilotos, acho por bem que deveríamos escolher uma comissão, com um presidente e mais dois adjuntos, que iriam inspeccionar os circuitos e ser o representante junto dos organizadores dos circuitos e da FIA.
- E quem seriam esses representantes? perguntou Brian Hocking.
- Seriam pessoas com experiência, respondeu Van Diemen. Como o Bob, por exemplo.
- E os adjuntos? questionou Hocking de novo
- A mesma coisa, respondeu.
- Então a escolha é simples, afirmou Alexandre. É o Bob, o Philippe e tu. Já está.

Todos começaram a conversar entre si, dando a sua opinião. Quando Van Diemen ia voltar a ter a palavra, Alexandre levantou a mão e disse:

- Patrick, não é por nada, mas nós, os mais novos, achamos que devemos ter uma palavra nessa comissão. Eu estou aqui a conferenciar com o Antti e o Gilles Carpentier, e entre nós levantamos esta questão. É que provavelmente ficaremos por aqui mais uns anos largos, enquanto que se escolhermos os mais velhos como o Bob, temos um bocado de medo de não ficarmos bem representados caso ele se vá embora no final do ano. Bob, não me leves a mal, disse, dirigindo-se a Bob Turner.

- Eu não levo, desde que não venhas pedir emprego no futuro à minha equipa...

Risada geral na sala.

- Acho que o Alex tem a sua razão. Temos de escolher pessoal que defenda os nossos interesses agora e no futuro. Daqui a dois ou três anos os mais velhos estão a gozar a reforma e os mais novos é que serão os os candidatos ao título. Um elemento mais novo na nossa Comissão de Pilotos seria bom.

Pete Aaron tomou a palavra.

- Então façamos assim: cada um de vocês escolhem três pilotos que gostariam de ver na liderança da associação. Os que tiverem mais votos serão os escolhidos, e o mais velho será o presidente. Se estão de acordo com esse método, ponham o braço no ar.

O voto foi unânime.

- Agora, peguem numa caneta e num pedaço de papel, e cada um de vocês escolhe os vossos três. Um dos novos, um dos velhos e uma outra pessoa para a comissão. Não votem em mim, que já não faço parte, OK?
- E também não votem em mim, respondeu Dan Gurney, provocando algumas risadas.
- Estás tramado, Bob, respondeu Teddy Solana.
- Desejava já estar na pele do Pete, respondeu Bob.
- Serias bem vindo, desde que partilhasses as minhas cicatrizes... retorquiu Pete.
- Dessa parte, agradeço, mas passo.

Os pilotos faziam a suas escolhas, que demoraram algum tempo. Pete preparou uma folha de papel com o resultado das escolhas, enquanto que Van Diemen andava com um chapéu na mão a recolher os votos, o que não deixou de ser alvo de algumas piadas.

- Estás a pedir mais dinheiro ao Comeendatore? Nâo sei se te vai dar...
- Se ele for forreta, sempre podes ir para a equipa do Turner...
- Serias bem vindo, Patrick, respondeu Bob. Seria melhor que a selva da BRM.
- Engraçadinhos...

Após a recolha de votos, Patrick começou a contá-los, com Pete a apontar os resultados. O primeiro papel a ser desdobrado dizia:

- Turner, Van Diemen (obrigado!) e Monforte.

Depois veio o segundo.

- Beaufort, Turner e Carpentier.

E o terceiro.

- Beaufort, Turner e Reinhardt.

Com o passar dos vinte e cinco votos, via-se que dos mais velhos, Turner era eleito por unanimidade. Quanto ao do meio, o escolhido estava entre Beaufort e Van Diemen, mas o belga foi eleito por um voto. Nos mais novos, o vencedor tinha sido o sildavo, com alguma folga. Pete Aaron anunciou os resultados.

- E pronto, eis a troika: Bob Turner, Patrick Van Diemen e Alexandre de Monforte. Acho que é um excelente trio, um da BRM, outro da Ferrari e outro da Apollo.
- E a Matra de fora, respondeu Beaufort. Ainda bem que lideramos em pista...

Risos na sala.

- Alex, és capaz de vir para a mesa? afirmou Pete.

Alexandre levantou-se da cadeira e a traz para se sentar ao lado de Turner e de Van Diemen, a representar a nova geração. Pete ia se levantar para ir para a plateira, quando Alex disse:

- Não, sentas-te na ponta, afinal precisamos de um construtor.
- Ele tem razão, retorquiu Bob. A segunda parte da ordem de trabalhos precisa da opinião de um construtor, e tu sofreste, meu caro amigo.
- Assim seja.

(continua)

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