O cineasta Manoel de Oliveira, o mais velho em atividade, morreu esta manhã aos 106 anos na sua casa, na cidade do Porto. As causas da sua morte não foram reveladas, mas sabia-se que no ano passado esteve alguns dias internado depois de uma falha cardíaca e uma pneumonia. O seu último filme, um média-metragem de seu nome "O Velho do Restelo", foi estreado no ano passado no festival de Cinema de Cannes.
A sua cinematografia é conhecida e bem extensa, desde os tempos do cinema mudo. "Douro, Faina Fluvial" é de 1931 e constitui a sua primeira obra cinematográfica, e onze anos depois, fez "Aniki-Bobó", uma história hoje constituída como um dos percursores do cinema neo-realista, rodado no Porto, mas com crianças como protagonistas. Na altura um fracasso de bilheteira, hoje em dia é considerado um marco no cinema português.
A sua carreira lançou-se verdadeiramente após os seus 60 anos de idade, quando filmou "Amor de Perdição", e passou os quase 40 anos seguintes a fazer filmes, uma vez por ano, não só com os melhores atores portugueses, como também alguns internacionais, como John Malkovich ou Catherine Deneuve. Filmes como "Non, ou a Vã Glória de Mandar" ou "Os Canibais", são filmes dessa última parte da vida bem preenchida, com o reconhecimento internacional, especialmente em França.
Mas entre o reconhecimento como realizador, há uma segunda carreira que fez na juventude. Um atleta de eleição, era o irmão mais novo de Casemiro de Oliveira, um dos maiores pilotos de automóveis da primeira metade do século XX português. Foi uma carreira curta, com cerca de cinco anos, mas foi por causa disso que fez a sua segunda obra cinematográfica. Um documentário chamado "Já Se Fabricam Automóveis em Portugal". E nesse documentário, mostra o processo de fabrico do Edfor, um chassis baseado num Ford A, com um motor V8 de 3 litros, mais de trinta anos antes do Cosworth DFV...
No ano de 1937, ele e Casemiro, seu irmão, participam no Circuito da Gávea, onde contra Alfa Romeos e Auto Unions, conseguem ser respectivamente, quinto e sexto classificados, numa participação internacional digna desse nome. Antes disso, esteve em Vila Real e no Estoril, onde acabou por vencer. A II Guerra Mundial e a paixão pelo cinema foram mais fortes, para além do seu casamento em 1940 com a mulher que esteve do seu lado até aos seus últimos dias. Mas no final da II Guerra Mundial, ainda fez participações discretas em ralis, que terminaram em 1953. E guiou até aos 95 anos de idade.
Era seu desejo filmar até ao fim, e que tinha a cabeça cheia de projetos. De uma certa maneira, cumpriu esse objetivo, e apesar de ter sido uma paixão tardia, ainda teve tempo para ser consagrado como um dos grandes da Sétima Arte. Ars lunga, vita Brevis.
1 comentário:
Do Facebook do Luis Miguel Oliveira, diretor da Cinemateca agora a pouco: "Quantas pessoas tiveram tantas vidas como o Oliveira? Das vezes que convivi com ele, recordo especialmente um jantar, numa ocasião em que ele veio à Cinemateca apresentar qualquer coisa. Durante esse jantar, não disse uma palavra sobre cinema. Mas desfiou memórias dos seus tempos de pilotos de automóveis, e em particular de uma corrida, que ele descreveu ao pormenor, em que por astúcia estratégica conseguiu impôr-se aos pilotos oficiais da Alfa Romeo, que tinham carros mais rápidos do que o dele. "Haviam de ver a cara do Tazio, no fim" - e riu-se, como se ele ainda estivesse a ver "a cara do Tazio". Precisei de três segundos para que me batesse quem era este Tazio de quem ele falava com tanta naturalidade: era só o Tazio Nuvolari, porventura o nome mais mítico das primeiras décadas do automobilismo.
Tanta vida, tantas vidas: mais uma vez, chapéu, caro Manoel."
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