O começo de tudo.
Em 1894, nos anos finais do século XIX, Já havia automóveis a circular. Oito anos antes, na Alemanha, Carl Benz tinha construído o "Patent-Motorwagen", com três rodas, e tornara-se no primeiro automóvel viável. A sua mulher, Bertha, tinha pegado nos seus filhos e foi de viagem de Mannheim a Pforzheim, a 5 de agosto de 1888, e o sucesso da empreitada, especialmente quando foi mostrado na Exposição Universal de Paris, em 1889, foi ao ponto de outros começarem a fazer os seus automóveis, alguns sob licença do próprio Benz, outros por eles mesmos.
E como se conta na história, a competição automóvel surgiu no dia em que surgiram dois carros um ao lado do outro, para saber quem era o mais rápido.
A realidade, porém, foi outra.
Em meados de 1894, o diretor do "Le Petit Journal", Pierre Giffard, decidiu organizar uma corrida de automóveis entre Paris e Rouen, 122 quilómetros dali, para despertar o interesse no automóvel e claro, criar uma industria francesa, que já aparecia. O "Le Petit Journal", de pequeno, não tinha nada: nesse ano, era dos jornais mais lidos do mundo, com dois milhões de exemplares por dia.
As regras foram as seguintes: os automóveis tinham de ser fáceis de guiar, não fossem perigosos, e fossem baratos de consumir durante a viagem. A propulsão poderia ser a que quisessem: vapor, petróleo, elétrico, ar comprimido...
E o "prize-money" era chorudo: 10 mil francos-ouro, dos quais cinco mil eram destinados ao vencedor. Mas o vencedor era condicionado às regras, não era necessariamente o primeiro a cortar a meta. E seria esse critério que regressaria mais tarde.
O entusiasmo foi grande: 102 carros pagaram os 10 francos de inscrição, mas a 18 de julho, dia em que os carros seriam expostos em Neully-sur-Seine, nos aredores de Paris, antes da corrida, apenas 26 apareceram. Boa parte eram Peugeots, mais existia um Benz Victoria, Panhards & Levassor, mas sobretudo, existia um carro a vapor guiado pelo Conde De Dion.
Personagem interessante, esse De Dion. Então com 40 anos, e formado em engenharia, Jules Félix Philippe Albert de Dion de Wandonne abraçou entusiasticamente a causa automóvel no inicio de 1882, construindo dois anos depois o "La Marquise", que hoje em dia é o carro mais antigo que ainda funciona. 140 anos a trabalhar é muito!
Mas em 1894, a De Dion já é uma marca respeitada nessa nova coisa do automóvel, e De Dion, um notório duelista, polemista, e mais tarde fundador de jornais, sabia que esta competição era ideal para ele e para a sua marca.
A 22 de julho, um sábado, a partir das oito da manhã, os 21 carros qualificados - cinco ficaram pelo caminho, eliminados por irregularidades ou não tinham a potência suficiente para fazer a distância - os carros arrancaram da Porte Maillot, num intervalo de 15 segundos, debaixo de uma enorme multidão que os seguiu ao longo do caminho. A partir dali, foram via o Bois de Boulogne (Bosque de Bolonha), Neuilly-sur-Seine, Courbevoie, Nanterre, Chatou, Le Pecq, Poissy, Triel-sur-Seine, Vaux-sur-Seine e Meulan, até Mantes, onde houve uma paragem para... almoço, do meio dia até às 13:30, e a partir dali, arrancaram para Vernon, Gaillon, Pont-de-l'Arche, até à chegada, no 'Champ de Mars', em Rouen.
No final de seis horas e 48 minutos de corrida, o vencedor foi De Dion, a uma velocidade média de 19 km/hora, mas... ele não ficou com o primeiro prémio. Sendo um carro a vapor, não tinha um acompanhante para ajustar a caldeira, e atirar o carvão para o alimentar, logo, era esse um dos critérios para ser selecionado. Assim sendo, Albert Lemâitre, num Peugeot, foi o vencedor, embora tenha chegado três minutos e meio depois de De Dion.
Mas De Dion conseguiu o segundo prémio, de dois mil francos, afirmando que o seu modelo a vapor era um "interessante trator a vapor que funciona como um cavalo e oferece velocidade absoluta e força de tracção nas subidas". Para Lemâitre e o seu Peugeot, os cinco mil francos foram... partilhados entre ele e os carros da Panhard & Levassor porque "os seus carros eram próximos do ideal". Curiosamente, eram a gasolina...
Contudo, o impacto foi grande, e descobriu-se que uma competição entre veículos desse novo meio, o automóvel, não só poderia ser interessante e entretido para as massas, como poderia ser o melhor laboratório para as inovações tecnológicas, no sentido de fazer evoluir o automóvel para depois se vender para as massas, beneficiando dessa competição. No ano seguinte, uma corrida ainda mais ambiciosa, até Bordéus, era estabelecida e o automobilismo nascia ali, com os seus primeiros heróis, alimentados pelos jornais de então.
E eis o começo de tudo. Há precisamente 130 anos.
Sem comentários:
Enviar um comentário