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Aquilo que sabia neste momento é que voltaria à Formula 1 em solo britânico. Antes de ir espairecer numa esplanada no centro da cidade, foi a uma banca de jornais no sentido de comprar publicações para ler. O jornal do dia e umas revistas. A banca pertencia a uma senhora já idosa e da sua filha, que mantinham o negócio há anos, Conhecia-as há muito tempo, pois era nessa banca que o seu avô comprava os jornais, especialmente os vindos de Coburgo. Nessa quinta-feira, Alexandre demorou um pouco mais a ver o que estava pendurado na banca, quando a filha lhe disse:
- Alexandre? A minha mãe quer vê-lo.
Ele ficou espantado. Conhecia as duas, mas em relação à mãe, não trocaram muito mais do que meros cumprimentos, algo que no caso da filha, que tinha a mesma idade dele, chegando até a cruzarem-se na escola primária, a coisa era um pouco mais intima. Mas não muito.
- Estranho, porquê?
- Diz que gostaria de te ver.
- Quando?
- Quando puderes, de perferência hoje.
Se já estava intrigado pela conversa, mais intrigado ficou. Toda a gente ia a aquele quiosque na praça central da cidade, que tinha a sede da Alcadaria Municipal, e não muito longe do antigo palácio dos Monfortes, agora convertida na sede do Automóvel Clube local, e onde passa a avenida principal, antiga meta do circuito de Monforte, que naquele ano, na última semana de Setembro, iria acolher a Formula 2. Aquilo que ele esperava que fosse uma tarde descansada, já não seria mais, pois era pessoa muito educada e solicita, sempre que fosse possivel.
- Está bem. Ela está em casa?
- Está sim.
- Então vou visitá-la, afirmou.
Saiu dali, rumo a casa dela, depois das indicações dadas. Sem adquirir os jornais e as revistas que queria, pegou no Boca de Sapo da sua mãe e rumou até lá. Quando chegou, estacionou o carro a uma distância confortável, para fazer o resto do percurso a pé, pois aquela zona era estreita para um carro daqueles. Andou até à porta, e quando chegou, hesitou um pouco. Olhou para a casa, como que a ver onde estava, e de repente abriu-se a porta de madeira, com uma senhora de negro a dizer:
- Venha, estava à sua espera.
Intrigado, Alexandre hesitou um pouco. Vinha ali à aventura, movido pela sua curiosidade intrinseca, mas desconhecendo-se no que se iria meter ou qual seria o resultado daquela tarde. Mal entrou, olhou para a senhora e a sua mente trabalhava fervorosamente, pois tinha ideia de que já tinha visto a cara de algum lado, sem ser no quiosque. Quando ela abriu a boca, lembrou-se:
- Caro Alexandre, esperei toda a minha vida por este encontro. Você é o terceiro membro da familia que acolho nesta humilde casa.
- Então é você a tal... mas porquê eu?
- Porque agora, és um ilustre filho da terra.
Alexandre sorriu com essa expressão. Incomodava-lhe a coisa, pois ainda não tinha realizado nada de relevante. O relevante, para ele, tinha sido o seu avô. E ele descobriu também que os rumores eram verdadeiros: a senhora do quiosque sabia ver o futuro.
- Vai ser bom ou mau?
- Vai depender de como reagirás ao que tenho a dizer.
- Então sabe que é uma profissão de risco.
- Sei, sim senhora. Mas vai deixá-lo de ser um dia.
- É bom saber disso, mas até lá...
- ...até lá, serão precisos mais alguns sacrificios. Mas vamo-nos sentar. Tem alguma foto sua?
Alexandre e a senhora moveram-se para a sala ao lado, onde numa mesa de madeira, sentaram-se em lados opostos. Entretanto, uma porta abre-se e era a filha a chegar, para ver como é que as coisas se passavam. Ele tirou da carteira uma foto sua com Teresa, tirada há coisa de três semanas e a foi buscar naquele dia ao estudio de fotografia, onde fora revelado. Entregou-a e disse:
- E agora?
- Agora pode sair da sala. Daqui a bocado vou ter consigo.
Os dois sairam de casa e foram apanhar o ar fresco daquele dia de Julho. Ele foi para um muro proximo dali e sentou-se, enquanto que a rapariga está a seu lado. Sem muito com que fazer, mostrou-lhe as fotos do seu convivio com Teresa, algumas semanas antes.
- Há quanto tempo é que namoram?
- Desde há um mês. Ainda estamos a habituar-nos.
- E ela é de?
- Coburgo. Trabalha num jornal, cruzei com ela em Espanha, porque a mandaram para fazer a cobertura do GP de Espanha, em Abril.
- Foi rápido.
- Pois foi. Não sei, engracei com ela no primeiro momento. No que vai dar? Não sei e perfiro não saber, confesso.
Passado um instante, voltou à conversa:
- Quem é que já veio aqui?
- Não posso revelar.
- Porquê?
- É assim mesmo. A minha mãe perfere que se saiba por si mesmo.
- Mas isso não será tarde?
- Veremos...
- E não conta nada do que se passa aqui?
- Nem sempre. Umas vezes sim, outras não...
- E já agora, não é daquelas que sabe os numeros da Lotaria da semana seguinte, pois não?
Ela riu-se.
- Não. Isso ela não sabe.
- Mas perguntam?
- Ela não funciona assim. Não é do género "amanhã vai haver uma tempestade". Ela precisa de sentir as coisas para depois dizer.
- É assusador, não é?
- Nâo sei, já deve estar habituada...
- Eu se tivesse um dom desses, ficaria assustadíssimo. O que é que acontecem às pessoas a quem lhes conta o futuro? Aceitam bem?
- Quando lhes contam tudo, não aceitam muito bem. Mas isso é raro. Ela não conta o fim, ou se conta, e generalizado. Nâo te preocupes, decerto vai te dizer que chegas a velho.
- No desporto que escolhi, é como jogar à roleta russa... em cada corrida que ando, parto sempre com cinquenta por cento de chances de morrer. Este mê vi morrer quatro colegas meus, e a dois deles, devo ter sido dos últimos a conversar antes das suas mortes horriveis. Vi-os a agonizar, terrivelmente queimados, com os outros a rezarem por um milagre que nunca aconteceu, nem acontecerá. É triste, sabes...
- Um dia isso passa.
- Ahh... acredito, mas a que preço?
De repente, a porta abre-se, e ela diz:
- Podem vir.
Alexandre começou a caminhar devagar. Sabia agora quem era, e dentro de si, temia o que ela tinha por dizer. A fotografia que tinha dado era qualquer uma daquele álbum que tinha ido buscar naquela manhã no estudio de fotografia. Entrou de forma hesitante, sentou-se na salinha e ouviu o que tinha a dizer.
- É uma bela moça, a sua. Como se chama?
- Teresa.
- Vejo que já encontrou a sua mulher.
- Quero acreditar que sim.
- Eu não acredito, eu sei. Vocês acabarão por se casar e serão muito felizes.
- É bom saber que acabarei por casar.
- E terão filhos. Dois, pelo menos.
- É bom, é bom... ver que isto terá final feliz.
- Vi que se conheceram numa grande cidade... mas não é Coburgo.
- Deve ser Madrid, conhecemo-nos lá. Ela é jornalista no Liberal.
- É uma bela moça. Vai durar, e terão muito amor para dar, acredite.
- Tenho de acreditar, não é?
Ambos calaram-se. O ar grave da senhora manteve-se durante todo o tempo, e ele perguntou:
- Há mais alguma coisa?
- Você conduz carros estranhos, caro Alexandre.
- Sou piloto de automóveis. Pensava que já soubesse disso.
- Saber, sei. Mas vê-los... ainda não me habituei a isso.
- Acredito. Nem toda a gente se habituou, a minha mãe é uma delas...
Ela olhou uma ultima vez para o seu retrato, e disse:
- Não tenho boas noticias.
- Já desconfiava...
- Há um preço a pagar por tudo isto, sabe? Aliás, temos todos por pagar o preço por andarmos neste mundo.
- Acredito que sim.
- E uns pagam um preço maior do que os outros. E para seres totalmente feliz, tiveste de ceder algo. Estas contas foram saldadas antes de tu nasceres, antes de todos nós termos nascido. Foi isso que os teus amigos pagaram, infelizmente.
- Vou acabar como eles?
Não houve resposta.
- Considero esse silêncio como um sim, não é?
Alexandre calou-se. Deitou um largo suspiro e segurou as lágrimas por um momento, para perguntar.
- E esse fim acontecerá quando?
- Quando conseguires tudo que alcançares. Tudo. É esse o preço pela felicidade em vida, Alexandre. Tens dez anos para consegui-lo, e vais consegui-lo. Está traçado nas estrelas. Espero que saibas usar sabiamente esse dom. Iremos falar de quando em quando durante esta década.
- Mas não me dá um dia e uma hora?
- A idade de Cristo.
- Hã?
- É a unica coisa que poderei dizer-lhe. Agora, cabe a si. E por mim, vou descansar, pois hoje está uma tarde de calor. Gostei de ver, Alexandre, espero que não fique zangada comigo.
Alexandre ficou quedo e mudo. Perguntou:
- Como é que sei que está errada? Como é que sei que pode ter sido enganada?
- É o que todos me perguntam, Alexandre. Todos. Apenas lhe digo que o tempo é a melhor resposta, e infelizmente - ou felizmente - acertei sempre. Não falhei uma. Até sei qual vai ser o meu fim. Daqui a muitos anos, acabarei a minha passagem por esta terra, depois de ver o meu neto crescer, respondeu, exibindo o primeiro sorriso da tarde.
Alexandre e a filha da senhora sairam da casa e deslocaram-se para o carro dele. Perguntou se queria uma boleia para o centro, mas ela disse que hoje ficava por ali. Questionou:
- Um fim breve... não queria isso. O que vou ganhar com tal coisa?
- Mais do que julgas, acredita. Teremos o resto das nossas vidas para conversar. Afinal, vais sempre ao nosso quiosque.
- Lá é verdade... lá e verdade. Agora que te disseram como vai ser o teu resto da vida, é melhor gozá-la, não é?
- É esse o espírito.
Alexandre olhou para o céu limpo, sem nuvens. Estavam numa zona de sombra, e contemplando a paisagem em volta, afirmou:
- Tem dias que odeio a minha vida. Mas se for assim, aceito-a.
(continua)
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