quinta-feira, 17 de julho de 2014

Os Pioneiros - Capitulo 36, a última corrida da monarquia

(continuação do capitulo anterior)


A ÚLTIMA CORRIDA DA MONARQUIA


Em Portugal, como no resto da Europa, o automobilismo continuava a desenvolver-se, não de forma tão forte como acontecia em França, Itália, Alemanha ou na Grã-Bretanha, as potências desse tempo, mas continuava. Após a realização do "raid" Figueira da Foz-Lisboa, em outubro de 1902, e da constituição do Real Automóvel Clube de Portugal, no ano seguinte, os automóveis entravam lentamente na vida portuguesa, à medida que os nobres e os senhores da alta burguesia as poderiam comprar. Mas em paralelo do que acontecia com a entrada do automóvel e das provas automobilísticas, o país vivia tempos turbulentos, do qual o automóvel era algumas vezes usado como arma politica.

Como já foi dito anteriormente, um dos maiores entusiastas do automóvel era o Infante D. Afonso, o irmão mais novo de D. Carlos I. Ambos os irmãos eram ativos "sportmen", com o mais velho a ser fã de tiro, ténis e vela, desenvolvendo uma grande paixão pelo mar (foi um dos primeiros oceanógrafos do mundo, a par de Alberto I do Mónaco) enquanto que o mais novo tinha-se apaixonado pelos automóveis. A Casa Real tinha o luxo de poder ter oito carros nas suas garagens reais, todos eles Peugeot, apesar do gosto do seu irmão pela Fiat.

Nos anos seguintes ao "raid", o automobilismo em Portugal resumiu-se a dois tipos de competição: rampas e arrancadas. A primeira prova organizada pelo Real Automóvel Clube acontece a 31 de outubro de 1905, com um "concurso de destreza para automobilistas" em Cascais. De seu nome a I Gincana de Cascaes", não se sabe qual é a lista de inscritos para essa prova. No ano a seguir é que acontecem as primeiras verdadeiras provas automobilísticas. A 18 de março, em Valada do Ribatejo, a mais de 80 quilómetros de Lisboa, acontece o "Quilómetro da Valada", onde a potência das máquinas e a destreza dos pilotos são colocados à prova. Perante a Família Real em peso, 29 pilotos se inscrevem e José Aguiar, num Fiat, é o grande vencedor, alcançando a velocidade de 82, 568 km/hora.

A seguir, o Real Automóvel Clube organiza um novo "Concurso de automobilismo", basicamente um percurso de regularidade entre Lisboa, Coimbra e volta. A prova durará três dias e haverá polémica com o regulamento, que faz com que onze dos vinte inscritos inicialmente resolvam desistir. No final dessa prova, o vencedor foi António Praia, que um mês antes tinha feito uma ligação entre Lisboa e Constantinopla (atual Istambul) de automóvel e volta.

Mas por esta altura, as coisas andam agitadas em termos políticos. A situação degrada-se lentamente, dado que os partidos do arco governativo de então, o Liberal e o Regenerador, já não conseguem tomar conta da situação, devido à ascensão dos republicanos, mais de esquerda do que o panorama de então. Elementos de sociedades secretas como a Carbonária desejam ser ainda mais radicais e derrubar pela força o regime monárquico.

Em 1907, o rei decidiu dar o poder a João Franco, de um novo partido, o Regenerador-Liberal, no sentido de dar um rumo diferente às coisas. Mas em julho desse ano, depois de agitação social na Universidade de Coimbra, o governo decide tomar uma medida radical: fecha o parlamento e governa por decreto. É a ditadura.

As coisas duram por poucos meses, e os republicanos reagem a 28 de janeiro de 1908, com uma tentativa de golpe de estado. Contudo, este abortou e os seus cabecilhas foram presos. O rei, que estava em Vila Viçosa em retiro, decidiu regressar a Lisboa na tarde do dia 1 de fevereiro. Inicialmente, recomendaram que fosse recolhido por um dos seus Peugeots, mas ele preferiu uma carruagem aberta, para demonstrar que não tinha medo dos rumores de que poderiam tentar matá-lo. Contudo, foi isso que aconteceu: poucos metros depois de sair do seu barco, ainda na Praça do Comércio, dois homens aproximaram da carruagem e atiraram a matar sobre ele e sobre o resto da família. Ele teve morte imediata, o seu filho mais velho, D.Luis Filipe, morreu pouco depois, deixando no trono o mais novo, D. Manuel, que era rei aos 19 anos de idade.

Com o regime monárquico em degradação rápida, a vida continuava, especialmente o automobilismo. Apesar de não ser praticante, ao contrário do seu tio D. Afonso, ele assistia às manifestações desportivas de então, incluindo as automobilísticas. Mas foi apenas a 10 de julho de 1910 é que se fez de novo uma corrida de automóveis em Portugal. Na realidade, foi uma rampa: a Rampa da Pimenteira, em Lisboa. A rampa consistia em subir num percurso "da Ponte Nova até à Cruz das Oliveiras" no total de 1500 metros de extensão.

Inscreveram-se 30 veículos: vinte automóveis e dez motocicletas. Ao todo, no dia da corrida, apareceram 30 mil pessoas e as autoridades na tribuna para ver os automóveis a passar. O juri era o próprio D.Afonso de Bragança, e no final, o vencedor acabou por ser Estêvão Fernandes, a bordo de um Brasier de 35 cavalos, que levou a melhor sobre o francês Angel Beauvalet, num Berliet de 40 cavalos, enquanto que no lugar mais baixo do pódio ficou José Aguiar, num Isotta-Fraschini de 40 cavalos. O percurso vencedor foi feito em dois minutos e dois segundos, à velocidade alucinante de... 44 quilómetros por hora.

Poucos dias depois, o jornal "Os Sports Ilustrados" descreve o vencedor da rampa: «Fala Estêvão Fernandes. Doente, venceu e bem. Os Braziers vitoriosos. Um redactor de Os Sports illustrados entrevista o herói da corrida de rampa» "É que o valoroso automobilista, o conhecido Estêvão Fernandes, de Évora, recordman, touriste dos mais ilustres, tenha sofrido há poucos dias um desastre, que quase o deixou num feixe, foi para a corrida com os braços ainda ligados, as costelas, parece-nos que metidas entre talas. (…) Há oito anos que faço automobilismo e julgo poder dizer, sem receio, que sou, talvez, o automobilista português que maior número de quilómetros tenha percorrido. (…) Para prova da sua resistência, basta dizer que o ano passado subi a meia encosta da serra da Arrábida, pelo lado de Azeitão, por onde quase só caminham as cabras."

A 4 de outubro de 1910, setores do Exército e da Marinha decidiram revoltar-se contra o governo monárquico. A revolta dura cerca de vinte e quatro horas, mas no inicio do dia 5 de outubro, na varanda da Câmara Municipal de Lisboa, a Republica era declarada. Terminava assim quase 800 anos de regime monarquico.

(continua no próximo capitulo)

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