
A prestigiada revista inglesa Autosport publica esta semana um extensivo inquérito feito a 217 pilotos, se não todos, pelo menos uma larga maioria, que passaram pela Formula 1. A revista pediu a eles para escolher
os melhores pilotos de todos os tempos, que os pontuassem com o sistema de pontos de 2009, e assim fizeram. No final, fizeram as contas, e o resultado final foi uma lista de 40 nomes, onde o grande vencedor foi o brasileiro
Ayrton Senna, que superou
Juan Manuel Fangio e
Michael Schumacher.
Não desejo, nem quero contestar o génio de todos estes pilotos, nem aqueles que fizeram as suas escolhas, porque sabem do oficio melhor do que ninguém, mas contesto especialmente este tipo de eleição, devido à sua inutilidade subjacente. Para mim, acho que tudo isto não é mais do que “
discutir o sexo dos anjos”. E porquê? É isso que tentarei explicar nas próximas linhas.

Primeiro que tudo, uma declaração de interesses: torci por Ayrton Senna ao longo da sua carreira, desde a sua primeira vitória, no já distante 21 de Abril de 1985, no autódromo do Estoril, até ao dia 1 de Maio de 1994. Considero-o como um dos melhores pilotos que vi em pista. E sei que ele era, em termos de pilotagem, um dos mais completos. Como muitos, via em
Alain Prost o meu “inimigo”, e torcia para que ele ficasse atrás dele, ou então que desistisse a favor do brasileiro. Mas nessa altura, tinha entre 9 e 17 anos, logo, era uma pessoa em formação, e muitas das vezes não sabia o que dizia. Com o tempo, a pessoa cresce e amadurece e fica com consciência que muitos dos seus desabafos e gestos não era mais, à luz dos dias de hoje, idiotices de adolescente.
Ao crescer e amadurecer, topamos que no final, o que gostamos é, no meu caso, da essência do automobilismo. Logo, não só vimos outras modalidades, como os Ralies, a CART, a Le Mans Series, entre outros, percebemos que o automobilismo vai muito, mas muito além do que o topo da pirâmide. A sua base tem também muitos motivos de interesse para o fã do automobilismo, e é isso que sou agora: um simples adepto do automobilismo.

E digo isto porque, qualquer um que se pergunte:
“Você gosta de carros?”, eles irão responder logo que sim. Mas provavelmente 85 ou 90 por cento delas irão dizer que gosta mais do piloto e não da modalidade em si. A prova de fogo para saber se essa pessoa gosta ou não de automobilismo é ver como se comporta se retirar o elemento “piloto”. Se este morre (
como no caso do Senna) ou se retira de vez (
como no caso de Schumacher), o grande teste à fidelidade é ver se continua a assitir corridas. Se sim, é um sinal que gosta do automobilismo. Se mostrar um desinteresse imediato, já sabemos que tipo de pessoa é.
Deveria estar contente em termos pessoais pela eleição de Senna como “simply the best”. Não muito. Não só porque os anos de distância deram outra visão do piloto e da pessoa (
que não deixam de ser boas), mas consigo ver os seus defeitos pessoais e profissionais. Até aos dias de hoje não consigo perceber muito bem a sua religiosidade, quase ao borde do fanatismo. Para alguém que se declara no mínimo agnóstico, como eu, fazia-me confusão (e ainda mais faz hoje) as suas constantes referências a Deus-Todo Poderoso. Pode ter tido uma experiência extra-sensorial ou algo parecido, não sei. Mas para alguém como eu, que pessoalmente passou por uma situação-limite de vida, isso não me tornou mais crente em termos espirituais. Mas aí, cada caso é um caso.
Mas não queria tanto falar no Ayrton Senna. O post aborda a ideia “
o melhor piloto de sempre” na Formula 1. Na minha opinião, tais “eleições” ou “votações” são uma prova inútil, pois desviam-se do seu objectivo inicial: chegar a um acordo sobre o melhor, ou o mais popular. Para mim, só serviu para exacerbar opiniões, por muito profissionais estes sejam. Muitos chamam aos fanáticos de “viúvas”, porque a cada dez palavras, oito são do piloto em questão. E quem mete o nome “
Ayrton Senna”, pode perfeitamente colocar “
Gilles Villeneuve”, “
Michael Schumacher”, “
Niki Lauda”… etc, assim como no futuro (
preparam-se, meus amigos espanhóis) irá acontecer a “
Fernando Alonso”, “
Lewis Hamilton” ou “
Sebastien Vettel”. E tal como muitos de vocês, entrei e saí de Fóruns dedicados ao automobilismo, desiludido com a invasão de fanáticos a destilarem “ódios de morte” e a arranjarem “inimigos para a vida” só porque gastaram horas inutilmente a destilar palavras e palavrões contra piloto A, equipa B. A esses digo simplesmente:
"Get a life!" Há vida para além disso, e não é assim que arranjam namoradas!

A escolha dos 40 melhores pilotos do Autosport está cheia de “e se…?” (
What if…? Na versão inglesa). Há casos flagrantes:
Francois Cevért,
Stefan Bellof,
Jim Clark,
Jochen Rindt ou o próprio Ayrton Senna. É sabido que nos casos de Clark e Rindt, ambos já pensassem na retirada, e Senna provavelmente não deveria ter mais do que quatro ou cinco temporadas pela frente. Mas no caso do Senna, poderia incomodar Schumacher e a Benetton? É sabido que nessa época se lançavam muitas suspeitas sobre o B194, que teria uma espécie de controlo de tracção, ilegal na altura. Se Senna não tivesse morrido em Imola, o que teria acontecido? Provavelmente poderiam ter descoberto a falcatrua e desclassificar Schumacher, Benetton e
Flávio Briatore. Talvez o "Crashgate" de Singapura, 14 anos depois, não tivesse acontecido.

E no caso de Cevért… o que aconteceria caso a vítima mortal naquele Sábado de manhã em Watkins Glen fosse...
Jackie Stewart? Não teríamos a Stewart Grand Prix, provavelmente, e
Rubens Barrichello não tivesse corrido duas temporadas nessa equipa. Mas Cevért teria sido campeão do Mundo? E se sim, que impacto causaria? A mesma questão posso colocar acerca de Stefan Bellof. Teria sido um duro oponente a Ayrton Senna ou não? E se Bellof e Cevért tivessem sido múltiplos campeões do mundo? A quem iriam tirar os títulos? Senna, Lauda, Prost… o impacto seria grande. E nem toco naquele que para mim deve ser o mais premente de todos: um rapaz chamado
Roger Williamson. Morto na sua segunda corrida da carreira, no GP da Holanda de 1973, dele se falava que tinha enorme potencial. E o seu patrão,
Tom Wheatcroft (
o homem que comprou Donington Park) disse que eles tinham planos para comparar um chassis McLaren M23 em 1974 e erguer a sua própria equipa. Se o seu potencial se concretizasse, o impacto seria certamente grande.
É por causa destas e outras coisas que não creio, nem participo nesse tipo de votações. São ditadas pelo “coração” e pouco pela cabeça, e em vez de criar consensos, só agudiza a discussão. Até parece que fazem isto de propósito, só para encher capas de jornais, especialmente em eras onde as noticias são escassas. Ou então porque é final de ano (e neste caso em particular, da década), e coisas dessas começam a puluar por aí…
De uma certa forma, este tipo de discussões fazem lembrar o futebol. 95 por cento dos que vêm jogos na TV não devem saber todas as regras do International Board, mas sabem factos escondidos do seu clube favorito. Já vi, enquanto profissional da comunicação, situações lamentáveis nas bancadas, por parte de pessoas que simplesmente, se orgulham de dizer que “
são primeiro do clube X, e torcem contra o clube Y” Ás vezes, até torcem mais contra o clube Y, e provavelmente nem são sócios do clube X... Tal como no automobilismo, não os considero como fãs. São psicopatas à solta.

O meu “fanatismo”, digamos assim, é pela beleza do automobilismo em si próprio. A sua essência, para mim, é ver um piloto a dar o seu melhor a ultrapassar outro, esteja ele a correr numa Super Speedway americana, a fazer a sequência Eau Rouge/Raddilon a fundo, ou a correr contra o relógio numa classificativa do Rally da Finlândia, cheia de saltos a alta velocidade. Ver os mecânicos a baterem o cronómetro numa troca de pneus, ver disputas a serem decididas por milímetros, em sítios como monza, Silverstone, Mónaco... ver autódromos cheios de gente, ver os automóveis como um "laboratório" para ser usado mais tarde em carros do dia-a-dia, pilotos a arriscar a vida para alcançar uma glória que encherá os cabeçalhos dos jornais do dia seguinte, concretizando os seus sonhos de criança, esses poucos que conseguiram. Para mim, eles, independentemente de se chamarem Michael Schumacher, Juan Manuel Fangio, Ayrton Senna,
Perry McCarthy,
Roberto Moreno ou
Pedro Matos Chaves, são todos heróis. Fazem parte de uma elite, e isso muitas das vezes é esquecido. Para mim, todos estes pilotos merecem o meu respeito e a minha homenagem porque acima de tudo... chegaram lá.