Hoje é sábado, 8 de março. É dia Internacional da Mulher, e ao longo da história dos ralis, existiram muitas que andaram a bordo de potentes máquinas, conseguindo até resultados de relevo. Os mais antigos lembram de Pat Moss, a irmã de Stirling Moss, que triunfou em provas nos anos 50 e 60, ao ponto de ter uma fama paralela ao seu irmão, na "pré-história" dos ralis. E nos anos 80, os feitos de Michele Mouton, nas máquinas de Grupo B, onde venceu quatro provas à geral e foi vice-campeã em 1982, passando para a história como sendo a única mulher que domou as máquinas de Grupo B.
Mas hoje falarei de outra mulher, que pouco ou nada é falado: a escocesa Louise Aitken-Walker. E é um pouco injusto, porque falamos de alguém que ganhou títulos sancionados pela FIA. Nascida a 21 de janeiro de 1960, em Duns, na fronteira com a Inglaterra - mesmo lugar onde nasceu Andrew Cowan e onde morou Jim Clark e a sua família - começou a correr em 1979, num Ford Fiesta, dpeois da marca ter feito um concurso para encontrar uma mulher para pilotar ralis. Aitken, que é fã de cavalos e a mais nova de oito irmãos - seis meninas e dois rapazes - acabou por ser a escolhida. E ela se deu bem. Nos anos seguintes, ela correu nos ralis britânicos, com a sua participação ocasional no RAC Rally, pelo menos por uma década.
Contudo, em 1989, as coisas foram diferentes. Primeiro, uma participação no Campeonato de Turismos, na classe C, a bordo de um Vauxhall Astra GTE, acabando na segunda posição, em 1990, decidiu apostar numa temporada inteira no Campeonato do mundo de ralis. O objetivo? Ser a campeã na Taça das Senhoras. E o carro era o mesmo: um Vauxhall Astra GTE, que no continente europeu, era o Opel Kadett GTi. A navegadora iria ser a sueca Tina Thorner, que já tinha andado com gente como Lars-Erik Torph.
Depois de ter estado perto dos pontos, com um 11º posto no rali de Monte Carlo, na frente da sua rival, a italiana Paola de Martini, o próximo rali era o de Portugal. Disputado no inicio de março, o rali foi sempre chuvoso. E no primeiro dia, as coisas poderiam ter acabado muito mal para ela.
A quarta especial era o de Figueiró dos Vinhos, perto da barragem do Cabril. Em piso de terra e debaixo de chuva, Aitken-Walker andava entre os lugares pontuáveis quando numa curva para a esquerda, falhou o ponto de travagem e o carro tombou mais de 30 metros, rumo à albufeira. O carro entrou na água e parou cerca de 10 metros de profundidade, enquanto que as testemunhas esperavam, de respiração suspensa, para que ambas aparecessem à superfície.
Isso só aconteceu cerca de um minuto depois, para alívio de tudo e todos. Um cameraman amador gravou o incidente e pouco depois, a noticia do seu acidente correu mundo. Anos depois, em 2023, contou ao site Dirtfish o que realmente aconteceu.
E tudo começou mal desde o começo, com uma intoxicação alimentar e o instinto feminino a afirmar que algo de mau poderia acontecer.
“Foi uma coisa estranha porque nunca me senti confortável em Portugal", começou por afirmar, na entrevista à dirtfish.com. "Era o aniversário da Tina, saímos, alguém lhe pôs qualquer coisa na bebida, então tivemos ali um problema. Tivemos uma intoxicação alimentar, uma intoxicação alimentar muito grave, aconteceu-nos outra coisa e tive um mau pressentimento. Liguei ao Graham [Walker, o marido] e disse-lhe: ‘Estou com um mau pressentimento em relação a este acontecimento’. E ele me respondeu: ‘Oh, não sejas idiota, ganhaste ao Monte Carlo e é tudo emocionante’. Mas, de qualquer forma, na primeira noite houve um superespecial e pela primeira vez na minha vida vi o Hannu Mikkola a ter uma avaria e pensei: 'Sabem, queria que fosse eu'. Era apenas algo estranho.", continuou.
“No dia seguinte estávamos a todo o vapor, tudo estava ótimo, foi apenas uma coisa estúpida, estúpida, estúpida que te aconteceu, que tenho a certeza que todos os pilotos terão em algum momento (...). Era um dia [ensolarado], com pneus slick [calçados] e depois o céu abriu-se, mas quero dizer, granizo como bolas de golfe e, ah, foi uma chuva torrencial. E estas pequenas estradas, elas retinham a água, então quando chegava ao seu ponto de travagem... porque eu lembro-me de tocar isto várias vezes e fazia assim [cruza os braços para demonstrar a curva] então pensei, fui eu? Mas não, virei-me e ele simplesmente deslizou para fora do penhasco.", começou por descrever o acidente.
“Saímos do lado direito [da estrada], eu estava do lado esquerdo [do carro], e a Tina começou a falar sueco e eu pensei: 'que raio é que ela está a falar?' E eu sabia, eu sabia que algo estava muito errado, e fechei os olhos porque pensei que íamos ribanceira abaixo, e que foi o que aconteceu. Como é que ambos saímos vivos disto, não sei.
“Foi como levar uma pancada na cara com um peixe molhado!” conseguiu rir-se quando descreve o momento em que o carro embateu na água. “Estava um frio de rachar, que choque levei. Caiu de cabeça para baixo, sabe, imediatamente na água, eu pensei: 'Ah, bem, vou afundar-me com o navio', se é que me entendem. Mas não entrei em pânico quando estava lá em baixo. Não entrei em pânico, estava no controlo, e sei que se vão rir, mas eu trabalhava na piscina, era guarda de praia e adorava água, por isso nunca tive medo da água. Mas quando começa a inalar, já está muito próximo. E eu estava a inalar a água."
“Meu Deus, eu estava doente como um cão quando acordei, mas nunca entrei em pânico. Pensei que não conseguiria sair do carro, mas que era mesmo isso. Era disso que estava a falar, era dessa conversa que tinha tido com Graham três dias antes. Foi estranho.", concluiu.
Apesar do choque, ela decidiu continuar, e na Córsega, era sexta na geral quando teve um problema na correia do motor, acabando por abandonar, e assim, largar uma grande chance de pontuar. Contudo, nos quatro ralis seguintes, conseguiu quatro vitórias na categoria e acabou por triunfar na Taça FIA das Senhoras, a primeira britânica a ganhar um Mundial de ralis, antes de Colin McRae e Richard Burns.
E os britânicos não esqueceram: no final desse ano, conquistou a Troféu Seagrave, que celebra os feitos britânicos nos desportos motorizados, ganho por gente como Jackie Stewart, Jim Clark, Malcom Campbell e Stirling Moss, entre outros, e foi condecorada com o MBE, Membro do Império Britânico, pelos seus feitos desportivos.
Mas toda essa publicidade apanhou-a em choque. Queria o campeonato, mas não esperawa as consequências.
“O que a publicidade ou o que todas as pessoas de RP queriam fazer era problema deles, tudo o que eu queria era levar este campeonato para o Reino Unido. Mas, meu Deus, eu estava quase a chorar no RAC. Eu não podia acreditar, toda a gente estava a dar-te palmadinhas e a dar-te [parabéns], eu nunca tinha passado por isto na minha vida antes. O apoio que recebi foi inacreditável e eu não podia acreditar, uma menina de Duns e todas estas pessoas a quererem conhecer-te e a quererem falar sobre ti. Foi ótimo, foi ótimo, mas não percebi o gigantesco que era quando realmente ganharmos o campeonato.
“Agora, quando se pensa nisso, já caiu a ficha, mas na altura era só trabalho, trabalho, trabalho, mas sim, foi incrível. Tens os troféus, prémios e fotos para o provar, por isso sim, ótimo.”
No ano seguinte, passou para um Ford Sierra Cosworth 4x4 e um décimo lugar no RAC foi o seu melhor resultado, conseguindo o seu primeiro - e único ponto - da sua carreira, pois no final de 1991, pendurou o capacete para prosseguir a sua vida com a família. Hoje em dia, vive em Duns, onde gere um concessionário com o marido, mas o mundo dos ralis não a esqueceu: em 2002, entrou no Scottish Sports Hall of Fame, ao lado de gente como os fuebolistas Alex Ferguson, Dennis Law e Kenny Dalglish, o golfista Colin Montgomery, o ciclista Chris Hoy e os heróis automobilísticos como Clark, Dário Franchitti, McRae e Stewart.