
Adeus e até nunca!
Assim poderíamos descrever o fim do circuito de Montjuich, em Barcelona. Situado na colina do mesmo nome, o lugar era, e é, de grande beleza mas, como circuito... era infernal.
Em 1975, o GP da Espanha deveria ser disputado lá pois, naquela época, havia alternância com o circuito de Jarama, em Madrid. Seria a quarta prova da temporada e Emerson Fittipaldi liderava o campeonato. Montjuich era um circuito urbano que aproveitava as ruas que recorriam o belo parque da colina e, portanto, devia ser preparado para o evento com a instalação dos boxes, postos de socorro e bombeiros e alambrados e guard rails de proteção ao longo do percurso.
Tudo foi feito ou parecia ter sido feito e os inspetores enviados pela FIA, apesar de algumas reticências, determinaram que o circuito estava apto. Assim, as escuderias começam a chegar para disputar o GP mas logo viriam as queixas dos pilotos e, antes mesmo de se iniciar os treinamentos da sexta-feira, Fittipaldi, acompanhado por alguns outros pilotos, decidiram examinar o circuito. Logo acharam deficiências na instalação dos guard rails; em alguns lugares, eles haviam sido apenas "pendurados" ao poste com um só parafuso, não resistindo a um simples empurrão.
Perante a evidente falta de segurança, os pilotos, representados por Fittipaldi, decidem não ir à pista. Fittipaldi, Graham Hill, Jody Scheckter e Niki Lauda, após manter uma reunião com os outros pilotos, se reúnem com os organizadores do GP para manifestar-lhes a sua preocupação. Ante a falta de acordo, a reunião dura apenas vinte minutos.
Sem embargo, os primeiros sinais de cisão entre os pilotos começam a aparecer e Jackie Ickx, que não era membro da entidade que reunia os pilotos, a GPDA, sai à pista seguido, logo depois, por Vittorio Brambilla. Outros como Hunt ou Wunderink também estavam dispostos a sair mas respeitam a decisão da maioria. As equipes americanas - Penske, Parnelli e Shadow - também estavam dispostas a participar.
Numa tentativa de convencer os pilotos, os organizadores decidem reforçar os guard rails e um grupo de operários trabalha toda a noite. No sábado de manhã, até os mecânicos das equipes. Especial atenção é dedicada ao trecho que vai dos boxes até a curva do "ângulo", passando pela temível "rasante", o lugar do circuito onde os carros alcançavam a máxima velocidade - 270 Km/hora.
Rasante é a palavra espanhola que descreve o ponto de uma estrada onde um plano ascendente passa a ser descendente e isto era justamente o que acontecia lá. Logo depois da linha de largada/chegada, a pista iniciava uma forte ascensão até a rasante para, imediatamente, descer bruscamente em busca da curva do ângulo, a mais lenta do circuito. A rasante, assim, se transformava numa rampa de lançamento onde os carros tendiam a decolar, submetendo os aerofólios a uma enorme pressão para manter o carro no chão. Em 1969, os Lotus de Hill e Jochen Rindt bateram com violência perto do ângulo após a rotura dos seus aerofólios. Desde então, os guard rails naquela zona eram constituídos por três elementos e altas cercas.
Os organizadores pedem aos membros da FIA presentes que examinem o circuito novamente e estes emitem um informe declarando que os trabalhos realizados são satisfatórios.
Os pilotos seguiam pouco dispostos mas as pressões contra eles começam a dar frutos. Os pilotos pressionavam os organizadores mas estes pressionavam os chefes de equipe. Os patrocinadores também. A TV, a todos e as equipes aos pilotos. Enfim, todos pressionavam e eram pressionados. Até Enzo Ferrari, numas manifestaçoes à TV recordava: "o automobilismo sempre tem os seus riscos".
Ao meio dia do sábado, os pilotos se reúnem novamente. Fittipaldi, Hill e alguns outros continuam firmes na sua decisão de não ir à pista. Porém as pressões sobre as equipes resultam já insuportáveis. Além do mais, não participar do GP significava não receber nada. Falou-se também que os organizadores ameaçaram as equipes com a apreensão judicial dos carros caso não saíssem à pista, além de exigirem indenização por quebra de contrato.
Bernie Ecclestone se reúne com os outros chefes de equipe e dez minutos depois ouve-se o rugido dos motores. Um após o outro, todos os carros vão à pista. Uma vez mais, e como é de soer, nobres reivindicações eram relegadas por espúrios interesses. O dinheiro prevalecia sobre tudo! Emerson Fittipaldi, para não participar do treino, finge problemas mecânicos.
Os treinamentos, transcorrem com normalidade e o grid fica definido com os Ferrari de Lauda e Regazzoni na primeira linha, seguidos de Hunt e Andretti. No domingo, dia 27 de abril, enquanto os carros esperam a largada, a tensão é evidente. Teriam sido tantos protestos infundados ou o perigo era real?

Andretti toca ligeiramente o Ferrari de Lauda e o austríaco vai para cima de Regazzoni antes de arrebentar-se nos guard rails. Depailler bate em Regazzoni mas continua. O suíço, com o bico quebrado, consegue chegar ao box e volta à pista. Depailler abandonaria logo depois com problemas na suspensão. Wilson Fittipaldi e Arturo Merzario abandonam na segunda volta. Haviam largado só para cumprir contrato e evitar problemas com os organizadores.
O maior beneficiado do tumulto no ângulo é James Hunt, que sai da curva liderando à frente de Andretti, Watson, Brambilla, Rolf Stommelen e Carlos Pace. Porém, na sétima volta, o britânico arrebentaria o seu Hesketh contra um guard rail, felizmente numa zona de baixa velocidade, deixando a liderança para Andretti. Pouco depois, Watson e Brambilla entram nos boxes deixando Stommelen e Pace brigar pela 2ª posição.
Na volta 17, porém, Andretti quis comprovar por si mesmo a resistência dos guard rails, batendo num deles. Stommelen, pilotando um Hill GH1, passa a líder, fazendo uma corrida impecável e resistindo perfeitamente à feroz perseguição de Pace. Nada mudou nas seguintes voltas: Pace atacava e Stommelen resiste, até que, no começo da volta 26, a dupla inicia a ascensão a caminho do rasante. A poucos metros do lugar, Stommelen lança o carro para a esquerda, procurando proteger-se de uma possível tentativa de ultrapassagem mas o suporte do aerofólio traseiro do seu carro não resiste e cede. O suporte fora construído em fibra de carbono – era a primeira vez que este material aparecia na Formula 1.

A corrida continua. O carro de Stommelen cortara o cabo telefônico que comunicava o posto com a torre de controle. Bem perto do posto havia uma câmara de TV mas ela não conseguia transmitir o que acontecia fora da pista e a rasante impedia a visibilidade do local desde a torre de controle. Só a ser completada a volta com Jochen Mass na liderança e que se percebeu o “sumiço” de Stommelen e Pace. Por fim, na volta 29, o diretor da prova é informado do acidente e decreta a imediata suspensão da corrida.

O caos foi pouco a pouco desaparecendo e os feridos sendo atendidos mas não havia dúvida de que o parque de Montjuich nunca mais veria a Fórmula 1. Porém, o fim de Montjuich não deixava de ser tragicamente irônico: toda a polêmica inicial tinha girado em torno dos guard rails mas estes não tiveram influência nos graves acontecimentos. Os guard rails resistiram à batida de Stommelen (depois, o alemão passou voando por cima dos outros) e Pace.
Mass foi declarado vencedor seguido por Ickx, Reutemann, Jarier, Brambilla e Lella Lombardi na 6ª posição. Assim, a italiana passou a ser, e ainda é, a única mulher a pontuar em um GP. No entanto, havendo-se disputado aproximadamente um terço da corrida, cada um recebeu apenas metade dos pontos.
Na segunda-feira, começaram os trabalhos para deixar o parque, novamente como era e como nunca devia ter deixado de ser: um belo lugar para passear tranquilamente. Infelizmente, Montjuich passou a ser sempre lembrado por aquela tragédia e não pela sua beleza.