sábado, 28 de fevereiro de 2015

A foto do dia (II)

Se ontem mostrei as fotos de Alain Prost a bordo de um Ligier, hoje mostro fotos de Alain Prost a bordo de um McLaren. Não em 1980, quando se estreou, ou em 1985, quando se consagrou como campeão do mundo pela primeira vez. Estas são imagens de 1996, quando ele, já retirado, ajudou a equipa de Woking a desenvolver o carro para esse ano, complementando os testes feitos por Mika Hakkinen e David Coulthard.

No final de 1993, com o quarto título mundial no bolso, num campeonato que muitos consideram como "burocrático", Prost colaborou com a McLaren em v´rias ocasiões. Em 1994, colaborou no desenvolvimento do modelo MP4-9, com o motor Peugeot, que deu poucos resultados, e nos dois anos seguintes, ajudou no desenvolvimento do carro, quando tinha o motor Mercedes.

O que pouca gente sabe é que Ron Dennis pediu por várias vezes que Prost corresse para ele, numa terceira passagem pela equipa, uma delas em 1994. Nessa altura, com 39 anos, poderia ajudar na competitividade da equipa e continuar a ser rival de Ayrton Senna, agora que estava na Williams. Mas com a morte dele, em Imola, Prost afirmou que a Formula 1, como piloto, tinha acabado de vez.

Nos dois anos seguintes, ajudou no desenvolvimento dos carros, mas esse emprego acabou no final de 1996, quando Prost decidiu avançar para o seu sonho: ser diretor da sua equipa, comprando a Ligier e rebatizando-a com o seu nome, para andar durante cinco temporadas.

Em suma, esta foto é de uma era de transição pouco conhecida da sua carreira, onde matou as saudades ao automobilismo, mas não muito mais. 

A foto do dia

Alguns dos melhores pilotos de sempre da América... não nasceram lá. No inicio do automobilismo, tivemos a história de Ralph de Palma e do seu sobrinho, Peter de Paolo, que nasceram em paragens italianas, mas cedo emigraram para a América, conseguindo uma carreira de sonho, entre eles vitórias nas 500 Milhas de Indianápolis. De Palma conseguiu em 1915, De Paolo dez anos depois.

Na segunda metade do século XX, outro italo-americano juntou-se a esta lista. Nascido num lugar onde hoje é a Croácia, Mário Andretti e o seu irmão gémeo, Aldo, chegaram a paragens americanas em 1955, depois de terem vivido alguns anos num campo de refugiados em Lucca, no centro do país. Pelo meio, foram ver uma corrida em Monza, que os despertou o seu interesse pelo automobilismo. Quando chegaram, foram para a vila de Nazareth, na Pensilvânia, onde havia uma pequena pista de terra, e ambos começaram a correr. Pouco depois, Aldo sofreu um acidente grave e a sua carreira acabou.

A história de Mário Andretti é das mais bem sucedidas do automobilismo. Mas as 500 Milhas de Indianápolis eram - e ainda são - um dos mais importantes prémios do automobilismo. Em 1969, aos 29 anos, Andretti tornou-se no terceiro italo-americano a vencer no "Brickyard". Mas a partir dali, começou aquilo que muitos chamam de "a maldição dos Andrettis" que até hoje, duas gerações depois. Pois pelo meio, o seu filho Michael - que também teve uma carreira longa e bem sucedida - nunca venceu em Indianapolis.

Mas algo mais interessante - e menos conhecida - é que Andretti quis também vencer em Le Mans. Daí esta foto, onde se vê Andretti na frente do Ferrari numero 20 de Chris Amon e Nino Vacarella, na edição de 1967. Nesse ano, as coisas quase correram muito mal para o italo-americano. Nesse ano, corria com o Ford GT40 da Holman-Moody. Pelas 3:30 da manhã, uma paragem nas boxes correu muito mal quando um dos calços do travão foi colocado ao contrário. Quando saiu, pisou o pedal de travão e entrou em despiste, ficando com o carro atravessado contra um banco de areia a 240 km/hora. Tonto, estava dentro do carro, e para o evitar, os outros dois Ford de Jo Schlesser e Roger McClusky se despistaram, e foi este último que o tirou de fora desse carro e o levou para o hospital montado pela marca americana.

Só voltou a correr em 1983, onde conseguiu um terceiro lugar com o seu filho, e tentou várias vezes até 2001, aos 61 anos. O melhor que conseguiu foi um segundo lugar em 1995, com um Courage, com o seu filho, algo que afirma ser uma das suas piores derrotas da sua carreira. No final, nunca venceu em La Sarthe, ao contrário do que aconteceu em 1967, onde A.J. Foyt, um dos vencedores, conseguiu à primeira. E foi no Ford sobrevivente!

Mas o que interessa é comemorar o aniversário de uma lenda. Assim sendo, Feliz 75º Aniversário, Mário Andretti!

Um velho problema numa nova perspectiva

Adoraria passar os dias a não escrever sobre a Carmen Jordá, mas quando uma amiga minha, a Bethânia Pereira, me manda o artigo da Autoweek sobre a piloto catalã, escrito por Mike Larsson, acho que vale a pena explanar mais um bocado sobre este assunto, e porque não, sobre as mulheres-piloto em geral. E porque é que não falamos dela em termos sexistas.

Eis algumas frases que são relevantes nesse artigo, e a primeira é logo arrasadora: "Carmen Jordá não devia estar perto de um Formula 1".

A seguir:

"Então, por que é que ela está tendo a chance de se juntar a Lotus como motorista de desenvolvimento? Como pode um motorista ser uma backmarker na GP3, ignorar completamente GP2 e entrar em um local com uma equipe de F1?

Simples: dinheiro.

Embora não tenha sido anunciado oficialmente, é uma crença generalizada de que Jorda está trazendo uma soma de dinheiro bem robusta para Lotus."

Toda a gente já topou que as criticas a ela não tem a ver o facto de ter peito, mas sim pelos seus resultados desportivos. Em três temporadas na GP3, teve zero pontos e foi sempre a última classificada nas grelhas de partida e nos resultados finais. Vocês leram ontem as reações dos pilotos que correram com ela e eles não têm nada a ver com a sua condição, mas som com os seus resultados desportivos. Dali, não há nada sexista, apenas um desabafo de que eles se sentem injustiçados por não terem uma chance como ela teve de andar num carro de Formula 1, o sonho de toda esta gente.

Aliás, posso dizer que na curta história da GP3, já houve quatro mulheres a passar por ali: Jordá, a italiana Victoria (Vicky) Piria, a holandesa Beitske Visser (na foto) e a britânica Alice Powell. Das quatro presentes, uma já conseguiu pontos: foi Powell, com um oitavo lugar na última corrida de 2012. Todas as outras ainda não conseguiram, embora Visser, que só andou duas corridas na categoria, já conseguiu pontos na World Series by Renault, e até foi um resultado melhor do que Powell, um quinto lugar. E em termos de palmarés, conseguiu vitórias na Formula ADAC Masters, na Alemanha.

Contudo, nem Visser, nem Powell são bonitas e não têm muito dinheiro. E esse é o problema. É que se forem ver os sítios de Jordá e Piria, parecem mais sítios de modelos que por acaso, têm jeito para a condução. Até me admira ainda não terem posado para a Playboy ou algo parecido. Mas já houve outros exemplos noutros lados, como a piloto ucraniana de ralis, Inessa Tuschkanova.

Mas existe sexismo nestas criticas todas, e o jornalista aponta isso pelos exemplos das mais consagradas como a Danica Patrick, que neste momento namora com outro piloto da NASCAR.

"Quando o negócio da Jordá com a Lotus foi anunciada na quarta-feira, a piloto foi publicamente ridicularizada por seus colegas e muitos fãs.

Há um viés perceptível para as mulheres no automobilismo. Os poucos que fizeram isso a um nível de notoriedade são fortemente escrutinados em cada turno.

Danica Patrick não pode ficar de mãos dadas com o seu namorado (o piloto da NASCAR Ricky Stenhouse Jr.) sem quaisquer comentários sobre como isso afetará a série. 

Patrick foi uma vez citada pelo chefe da Formula 1, Bernie Ecclestone: 'As mulheres devem estar vestidos de branco, como todos os outros aparelhos domésticos.' Acham que ele diria algo igualmente degradante para Marcus Ericsson?

Honestamente, se Jorda fosse um homem, a maioria dos fãs de Formula 1 iriam olhar para o negócio da Lotus com uma leve irritação. 'Outro piloto com dinheiro num lugar que não merece.' Mas quando é uma mulher bonita que recebe o trabalho, as pessoas perdem a cabeça.

Tem que ser frustrante para pilotos como Alexander Rossi, Connor Daly e uma série de outros pilotos competitivos. Esses caras estão perdendo lugares, porque eles não têm o dinheiro e vêm esses lugares irem para os pilotos menos talentosos, mas com bolsos mais profundos.

Mas isso faz parte da Fórmula 1, e sempre foi."

Francamente, não gosto da famosa frase de Bernie Ecclestone, quando compara as mulheres a acessórios domésticos, mas pelas atitudes delas, parece que o anão têm razão. É certo que tem de se atrair atenção para conseguir mais publicidade possível para prosseguir as suas carreiras, mas creio que elas precisam de ser respeitadas pelos seus resultados do que ver se têm um bom par de marmelos ou se o rabo delas consegue entrar nos apertados "cockpits" de um Formula 1. 

Adoraria ver uma piloto talentosa como a Simona de Silvestro a ter uma chance como piloto numa equipa de Formula 1 mediana, mas depois de ver que não conseguiu atrair dinheiro para ajudar a Sauber, e os seus testes eram bancados pelo patrocinador, não creio que tao cedo não verei uma piloto a andar de igual para igual com os rapazes. E esqueçam a Susie Wolff, que está onde está porque é ela a guardiã da parte que o seu marido comprou quando andava por ali, antes de ir para a Mercedes. Poderemos ver numa sexta de manhã, mas não é muito mais do que isso.

Mas se querem ver mulheres a competirem de igual para igual, temos de ir à IndyCar ou à Formula E, onde estão a britânica Katherine Legge e a italiana Michela Cerruti, que tentam um ar da sua graça contra boa parte dos pilotos que têm experiência de Formula 1. E até agora pagam esse preço, pois nenhuma delas pontuou ou conseguiu uma posição relevante quer na grelha de partida, quer na corrida.

Mas voltando ao artigo, os desabafos pelo "enorme feito" de Jordá colocaram a nu, mais uma vez, o que é a Formula 1 atual: uma categoria sobrevalorizada e com gastos excessivos e cujos dirigentes e equipas vivem há demasiado tempo acima das suas possibilidades. É certo que pilotos pagantes houve sempre ao longo da história, mas eram sempre uma minoria e que iam sempre para as equipas mais necessitadas de dinheiro, e normalmente faziam o papel de "chicanes ambulantes". 

Claro que há excepções: Thierry Boutsen colocou 750 mil dólares na Arrows para começar a sua carreira, em 1983, e conseguiu uma carreira digna de onze temporadas, na Benetton, Williams, Ligier e Jordan, para não falar dos empréstimos que Niki Lauda fez para pagar o seu lugar na March e na BRM, em 1972 e 1973, antes de chegar à Ferrari.

Contudo, nos tempos que correm, quando vemos uma equipa média como a Lotus pedir os serviços de uma garota que sabe guiar, já achamos que começa a ser demais. E nem é tento pelo sexismo: é por um velho problema visto noutra perspectiva. 

E quanto à chance de ver uma mulher a competir, com os poucos lugares existentes, isto pode ter criado o paradoxo de que nunca a oportunidade esteve tão distante como agora. 

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

A foto do dia (II)

Cinquenta anos de vida é o que Pedro Matos Chaves comemora hoje. Se muitos se lembram da sua passagem pela Formula 1 ao serviço da Coloni, em 1991, eu sei que ele depois foi para os Estados Unidos e andou uns anos na Indy Lights, onde o seu melhor resultado foi em 1995, quando venceu a corrida de Vancouver. Tudo isso num ano em que o grande favorito era um jovem local chamado Greg Moore. que era de... Vancouver!

Chaves conhecia-o desde os seus 16 anos e nesse ano, tinha por fim tudo a dar certo: os cigarros Players, uma equipa de topo e vitórias em todos os circuitos até a aquele circuito de rua, no final de agosto de 1995.

Nos treinos, ele tinha sido o terceiro, apenas superado por Moore e Robbie Buhl, e na partida, parecia que iria ser o mesmo filme, com ele o vencedor, e Chaves no segundo lugar. Contudo, na volta 30, um acidente coloca o Pace Car na pista e todos ficam juntos. A seguir, ele conta isto, numa historieta que contou em 2013 à Autosport portuguesa:

"No recomeço, eu sabia que era mais rápido que ele com as pressões de pneus que tinha (diferentes das dele), pelo que tinha que o passar nas duas primeiras voltas já que depois disso ele voltaria a ser mais rápido e ia-se embora. Foi então que nessa segunda volta, depois do recomeço, planei tudo para passá-lo no único sítio onde sabia que conseguiria, num gancho antecedido por uma ligeira curva (tipo a da reta interior do Estoril). Mas ele surpreendeu-me! Não fez aquela ligeira curva a fundo e eu bati-lhe na traseira a 270 km/h, acertando-lhe na caixa de velocidades! Isso fez com que no gancho, 200 metros depois, onde era preciso reduzir de 6ª para 2ª, o Greg fosse em frente e eu ficasse à frente nas 17 voltas seguintes e acabasse por ganhar.

No final, o público, furioso, só me fazia aquele gesto obsceno com um dedo e eu todo satisfeito, dentro do monolugar, a pensar que me estavam a apoiar e a dizer que eu era o primeiro! Devido a um diferendo que Portugal tinha na altura com a quota de pescas com o Canadá, no mar dos Açores, o título num dos jornais do dia seguinte foi até “Portugal não é apenas maldoso nas pescas!”, mas, de facto, só toquei mesmo no Greg porque ele não fez a curva a fundo, provavelmente porque ainda não tinha a pressão dos pneus na temperatura ideal. Nunca mais esqueci a corrida, ainda mais depois de ele falecer no terrível acidente de 1999, em Fontana, na CART."

A carreira de Chaves foi extensa e rica. Não só venceu corridas em pistas e na Endurance como venceu dois campeonatos nacionais... de ralis, a bordo de um Toyota Corolla WRC, em 1999 e 2000. Muitos anos antes de Robert Kubica, o que prova que os pilotos de pista até se adaptam bem aos ralis, apesar da estreita margem de erro.

Mas o que interessa é dar os parabéns a esta lenda.

Youtube Motorsport Movie: Quando Spock foi piloto de Formula 1

No dia da morte de Leonard Nimoy, o popular Spock do Star Trek (ou Jornada das Estrelas no Brasil), aos 83 anos, recordo um filme pouco conhecido. Aliás, um telefilme: Baffled!, de 1973. Falei sobre ele no ano passado, quando o jornalista Adam Cooper encontrou uma cena do filme onde ele fazia o papel de Ted Kovack, um piloto de Formula 1 a bordo de um March 711 e que têm visões que o quase colocam fora de pista.

As filmagens foram feitas em Oulton Park e Brands Hatch, e o capacete verde é sem dúvida uma forma de o ligar a Henri Pescarolo, que corria com um modelo semelhante no carro inscrito por um jovem aspirante a patrão de uma equipa, Frank Williams.

A filmagem original já foi retirada do Youtube, mas encontrei a primeira parte deste telefilme, que era o episódio-piloto de uma série de televisão que acabou por não acontecer, com as cenas de corrida. E ali consegui identificar pelo menos os carros de John Surtees e dois BRM, um deles o de Peter Gethin.

De facto, é uma curiosidade histórica, no dia em que terminou a sua missão neste planeta. 

A foto do dia

Derek Warwick, em Brands Hatch, no final de 1985, com o Lotus 97T. Se estiverem atentos, à direita da foto está Gerard Ducarouge., o projetista falecido no passado dia 19. Vi esta foto no fórum do F1 Lado B, colocado pelo Luciano, o Medalha.

A história é sabida: Warwick, desempregado após a saída de cena da Renault, frustrada por nunca ter vencido o título de pilotos e construtores com o seu motor Turbo, tentou a sua sorte na Lotus, para ser piloto da marca ao lado de Ayrton Senna, mas o piloto brasileiro, responsável pelo reavivar da marca, vencendo duas corridas nessa temporada, vetou a entrada do piloto na marca.

Senna não era parvo. Sabia da ameaça de Warwick, em caso de entrada dele na Lotus. E não era tanto pelo seu potencial na equipa, mas também o que representaria em termos de publicidade na imprensa especializada... e não só.

Em 1984, Derek Warwick era o "the next big thing" no automobilismo inglês, orfão de um piloto vencedor desde os tempos de James Hunt. Ao ir para a Renault, nesse ano, pensava-se que ele seria o próximo campeão do mundo, pois iria preencher os sapatos deixados por Alain Prost, depois de ele ter quase vencido o campeonato no ano anterior. 

Em contraste, na Lotus, estava Nigel Mansell, que era o "patinho feio" do pelotão. Favorito de Colin Chapman, Peter Warr, seu sucessor, não morria de amores por ele. Nessa temporada, Mansell tinha quatro pódios, mas nunca uma vitória, e ele não acreditava que ele tivesse estofo de campeão. Tanto que no final desse ano, Mansella foi despedido para dar o lugar a Ayrton Senna.

O "brutânco" foi para a Williams em 1985, e no final do ano, venceu as suas primeiras corridas da sua carreira, em Brands Hatch e Kyalami. Warwick tinha tio uma chance de correr por lá nesse ano, mas recusou porque não acreditava no potencial do motor Honda Turbo, que tinha fama de quebrar bastante. Só que as expectativas de Warwick na equipa francesa sairam frustradas e no final de duas temporadas, eles retiraram-se da Formula 1 e ele ficou desempregado.

Assim sendo, tentou a sua chance e os resultados foram os conhecidos. Senna temia Warwick, não tanto pelo seu talento, mas por aquilo que ele representaria numa equipa como a Lotus. Com a equipa a reavivar, graças a ele, temia um duelo entre Warwick e Mansell em 1986, Lotus contra Williams. E com uma imprensa britânica tão partidária - especialmente os tabloides - tinha consciência de que os mecânicos ingleses iriam dar o melhor material para Warwick e não para Senna, que já tinha ambições de títulos mundiais. De uma certa maneira, algo como Piquet viveu na Williams, onde teve de ser esperto para dar a volta e vencer contra uma equipa que queria ver Mansell campeão.

O veto a Warwick pode ter privado o piloto de vencer corridas e de ter uma carreira mais triunfante que teve na realidade. Depois disto, ele passou por Brabham e Arrows, mas nunca venceu qualquer corrida. Mansell, mesmo tendo fama de destruir carros devido aos seus abusos, tornou-se campeão do mundo e entrou no coração dos fãs como o "Red Five" ou o Leão.

Falem mal da Jordá, que a Lotus agradece

Falem mal dela, mas falem. Ao contratar a catalã Carmen Jordá como "piloto de desenvolvimento da Lotus", eles conseguiram o que queriam: "buzz", ou seja, que falassem da equipa e dela. Mal, mas que falassem.

Eis algumas das reações que podiam ser vistas hoje no Twitter. Rob Cregan, o irlandês que correu com Jordá em 2012 pela Ocean, afirmou: "Carmen Jorda não conseguiria desenvolver um rolo de filme, quanto menos um carro híbrido de F1."

"F1 é sobre talento não dinheiro e gabar-se de posições falsas," acrescentou.

Mitch Evans, o neozelandês que foi campeão da categoria em 2012, falou que "Ainda não é o 1º de abril". Acho que deveria saber que em Espanha, o dia das mentiras é a 28 de dezembro...

Sobre este assunto, já disse ontem que tinha a dizer. E a unica coisa que tenho de acrescentar é que isto, mais do que impulsionar as mulheres a aparecerem mais no automobilismo, até vai estragar as coisas. Toda a gente repara que isto não é sério, apenas é mais um chamativo para atrair dinheiro para uma equipa que não nada muito bem nessa matéria, e tem de pagar as contas por ter motores Mercedes e dois pilotos como Pastor Maldonado e Romain Grosejean, que têm fama de destruidores. 

Jordá já chamou a atenção pela sua beleza, e provavelmente poderá ser o simbolo desta Formula 1 atual, onde as coisas parece que perderam um pouco o controle. Financeiro, é preciso ser dito. E onde os talentosos sem dinheiro não tem lugar, mas os que têm os bolsos cheios dele são sempre bem vindos. Se a FIA não tivesse mudado os critérios para ter a Super-Licença, creio que já não faltaria muito para vermos o primeiro piloto barenita ou qatari na categoria máxima do automobilismo.

A entrevista a Gerard Ducarouge (parte 2)

(continuação do capitulo anterior)

No segundo capitulo sobre a entrevista a Gerard Ducarouge, feita em 2012 pelo francês Jean-Paul Orjebin para o blog Memoires des Stands, Ducarouge fala ainda sobre o seu tempo na Matra e também sobre as suas primeiras incursões na Formula 1 ao serviço da Ligier, nomeadamente sobre o primeiro carro da marca, o JS5 "bule de chá" (Ducarrouge chama-o de 'barrete frígio', como o chapéu da República), e alguns pormenores pouco conhecidos dessa história.

JPO - Conte-nos sobre essa ideia curiosa de se preparar para Le Mans dois tipos de design diferentes do que os modelos 640 e 650.

GD - Houve, de facto, duas versões, uma de Boyer, mais pragmática, próximo do chão que eu concordei completamente e versão Choulet, mais científica, mais conceitual. Tentámos tanto. Não foi fácil para nós, tinha que fazer esses dois chassis de corpo diferente, por isso ambas as equipes, trabalhavam dia e noite para avançar. Embora o 640 feito pelo Choulet foi mais além, deu ainda mais trabalho. Choulet tinha feito a 640 por acaso, mas resultou muito bem e eu pensei que, 'afinal, se ele funciona melhor, por que não?' A priori, eu confiava, porque era um especialista em aerodinâmica bem competente.

JPO - Você não parece desfrutar muito da sua maneira de ele fazer aerodinâmica?

GD - Eu não tinha a certeza se existiam maneiras diferentes de fazer aerodinâmica, mais com Choulet, ficava envergonhado. Todos os carros em que ele trabalhava eram bastante grandes, desajeitados e eu não gostava. Tentei dizer-lhe para fazer mais pequenos e mais simples, mais próximos à mecânica. Às vezes tínhamos discussões animadas, e nem sempre concordávamos. Mas sempre mantivemos um bom relacionamento.

Ele fazia as suas formas aerodinâmicas e eu mandava seus modelos para a rue Boileau, em Paris, onde havia um túnel de vento. Era um pouco pré-histórico, esse túnel, mas tinha a vantagem de existir e estava bem a vontade, ou seja, era um bom engenheiro, mas um pouco teimoso e um pouco 'Professor Nimbus'.

JPO - Você estava presente durante o teste onde o Pesca decolou com o 640?

GD - Não, eu estava em Vélizy. Um acidente é sempre trágico, nós pensamos imediatamente no piloto, que nos rasga as entranhas depois de dizermos 'merda', nós temos que dizer algo estúpido, colocas tudo em dúvida. É por isso que eu sempre via tudo duas vezes a cada grampo, luminária ou a mecânica. Dava instruções para colocar uma cruz em cada porca depois de apertar com uma chave, pois tinha o medo de esquecer, mesmo sabendo que os mecânicos eram profissionais de verdade.

JPO - Qual foi sua reação quando você foi informado de que Matra iria parar de competir?

GD - Como todos os outros, aniquilado. Embora os rumores avolumavam-se nos últimos meses, nós não queríamos acreditar neles. Repara, a Matra Sports era minha família e muitas pessoas como eu, que viveram essa história fabulosa. Eu vi as primeiras barbatanas "favo de mel", chassis dos 670, eram uma beleza, obras de arte, todo mundo estava em êxtase quando foram revelados, eram tratados como peças de aeronáutica. Eu tive esta grande oportunidade de viver por dentro essa transferência de tecnologia da aviação para as corridas. Foi incrível.

Passada a surpresa, logo a seguir perguntei o que eu ia fazer. Rapidamente, Ligier tinha uma idéia em mente. Eu fui abençoado pelo JL Lagardère para ir ter com Guy, que tinha assegurado usar o Matra V12. Eles tinham cometido a reassentar todos, quer internamente em Romorantin, ou facilitar uma transferência por pouco dinheiro, se fossemos de forma voluntária e gratificante. Eu queria continuar a correr, então agarrei a oportunidade da Ligier, eu estava autorizado a escolher duas ou três pessoas que eu gostava e que quisessem me seguir, e lá fomos para iniciar a aventura da Ligier na Formula 1. Eu pensei que, repetindo em Vichy algumas das regras de ouro que aprendemos a Matra, devemos fazer algo que poderia funcionar muito bem.

JPO - Passar subitamente dos protótipos para a Formula 1 não lhe causou medo?

GD - Claro, porque era mais um desafio difícil, mas sabe, passar dos protótipos [para a Formula 1] não é assim tão complicado. Mecanicamente é bastante semelhante: quatro suspensões e o monocoque. Nós tentamos aplicar a tecnologia Matra no chassis do JS1, mais numa escala muito menor. Minha única preocupação real era a aerodinâmica. Tivemos o Choulet conosco como consultor, eu sei muito bem como ele entrou na história, talvez porque ele foi o único a ter facilidades em arranjar um túnel de vento. O resultado, como você sabe, é o JS5.

Eu odiava o 'barrete frígio' e eu não gostava nada da aparência geral do carro. Não estava a ficar com o olhar que eu via num Formula 1, eu teria imaginado mais fino, mais elegante. Mas o Choulet era o especialista em aerodinâmica, eu respeito, mas ao mesmo tempo eu não falei com ele quando tinha dúvidas. Ele me deu explicações técnicas do qual eu não entendia totalmente. Eu vi o que parecia ser melhorias na asa traseira. A entrada de ar era muito elevada e servia para fazer respirar o motor, o que era uma boa idéia agora, como acontece agora nos dutos. Quando vemos a evolução da aerodinâmica na Formula 1 atual com "as barbatanas de tubarão" atrás da cabeça do piloto, as ideias de Choulet não eram tão más assim, ele procurou-as para fazer o carro mais estável possível, que detém o seu curso.

Esse chapéu feio não durou muito tempo porque as autoridades desportivas proibiram-no muito rapidamente e voltamos para uma carroçaria mais tradicional.

JPO - Para determinar quem vai liderar o JS5, Ligier organiza um confronto entre Beltoise e Laffite, confronto esse que ainda permanece nas memórias...

GD - Eu não gosto de falar sobre isso, porque esse confronto provocou muita polêmica e eu não gosto de polêmica. Só posso repetir o que eu disse em Dijon, durante os 1000 km, e diante de testemunhas. Eu disse a Jean-Pierre ele faria bem para treinar duro porque eu tinha ouvido falar que era "bom de braço". Quando aconteceu o famoso dia de testes em Paul Ricard, entre Jacques e Jean-Pierre, ele [Laffite] vinha de uma temporada muito boa na Formula 2, e o outro piloto [Beltoise], sofria obviamente com a falta de treino. As diferenças nos tempos falou de si mesmos, não houve qualquer truque.

Algo ficou interrompido entre Jean-Pierre e eu, pois nós éramos grandes amigos. Jean-Pierre fez muito pela Matra, pois foi ele que, graças aos seus resultados, permitiu um bom inicio da Matra nas corridas, e isso não vai ser esquecido. Tenho um grande respeito por ele. Era um piloto muito bom, muito técnico, que foi sempre um grande vantagem para o desempenho de nossos carros. Mesmo quando eu cruzava algumas vezes com o Jean-Pierre, eu sempre tenho um grande desgosto de ver que a nossa relação resumia apenas um aperto de mão e um discreto "olá" ... após esse tempo todo.

(continua amanhã)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

A foto do dia

As aparências iludem. Não é o Eric Comas, é mesmo Alain Prost a bordo de um Ligier no final de 1991, inicio de 1992. Prost pediu o capacete do seu compatriota emprestado para tentar confundir os fotógrafos, mas aquele nariz não se poderia disfarçar, e cedo se viu que o (então) tricampeão francês andava a ver como estava aquele Ligier-Lamborghini e decidir se tentaria a sua sorte ou se o melhor não seria fazer uma temporada sabática.

Sobre isto, falei há uns seis anos, mas desde então sei de mais alguns pormenores. Como sabem, Prost foi despedido no final da temporada de 1991 da Ferrari por ter dito que o carro era "um camião". Na realidade, para a Scuderia, era mais um pretexto para se livrarem de uma personalidade incómoda que era ele.

Prost tinha sempre o sonho de ter a sua própria equipa, e a Ligier parecia ser a equipa ideal para isso. Um bom francês como era Prost, a ideia de uma "écurie bleue" era bem sedutora, especialmente quando agora a marca de Vichy tinha os motores Renault V10, os tais que brilhavam nos Williams desenhados por Adrian Newey.

Prost treinou em Paul Ricard nesse inverno, primeiro com o capacete de Eric Comas, para confundir os fotógrafos, depois com o seu verdadeiro capacete. Foi ver como eram os motores nesses chassis e ver se poderia ter alguma competividade com eles. Como na altura, a Ligier não pontuava desde o GP de França de 1989 (!) com Olivier Grouillard, as chances de falhar eram bem grandes.

Depois de alguma reflexão, Prost decidiu que uma temporada sabática não ficaria nada mal de todo. Seria comentarista na TF1, mas pouco tempo depois, em abril de 1992, a Williams chegava a um acordo com ele, para ser piloto na temporada de 1993. Este ficaria secreto por alguns meses, pois sabia-se que as coisas iriam ser delicadas. E como foram: afinal de contas, Nigel Mansell foi para os Estados Unidos por causa disso, e Ayrton Senna pensou na mesma ideia só para poder andar nesses carros estratosféricos...

Quanto à Ligier, ele acabou por comprar em 1996, e batizou-a com o seu nome. Durou cinco temporadas.

A recompensa por ser a pior piloto do pelotão

Normalmente, os piores pilotos do pelotão estão condenados ao esquecimento. Claro que há excepções, como o Taki Inoue ou o Yuji Ide. Mas mesmo eles foram bons nalguma altura, nem que fosse nos karts. Ou então, tinham uma mala bem cheia de dinheiro para compensar a falta de talento. Mas neste caso em particular, a recompensa por ser a pior piloto do pelotão só pode ser... por ser mulher. 

Pois é: a catalã Carmen Jordá é a partir de agora "piloto de desenvolvimento" da Lotus, anunciou hoje a marca. Aos 26 anos de idade, a piloto esteve nas últimas três temporadas na GP3, onde nunca se qualificou acima da 22ª posição, e tem como melhor resultado de corrida um 13º lugar, vai ter a oportunidade de andar num carro de Formula 1.

"É um sonho tornado realidade ao me juntar à Lotus. Corro desde que eu tenho dez anos de idade, pelo que tenho o sonho de dirigir um carro de Fórmula 1 desde que eu era muito jovem. Ao juntar-me à Lotus é um grande passo para minha meta", começou por dizer.

"Eu vou estar trabalhando para melhorar a mim mesmo como piloto, bem como vou ajudar a equipa a desenvolver o carro, testando novos desenvolvimentos no simulador. É uma oportunidade tão fantástica que eu sei que isso é apenas o começo, e que o maior desafio ainda está por vir, mas já ser parte de uma equipa com história é uma verdadeira honra", continuou.

"Esta é uma grande conquista, mas uma oportunidade ainda maior que levará a coisas maiores e melhores", concluiu.

Ao ver a sua carreira, podemos ver que Jordá já andou em muitos sitios. Esteve na Indy Lights em 2010, onde o melhor que conseguiu foi um décimo lugar em Long Beach, e antes na Formula 3 espanhola, onde em 2007 foi a quarta classificada na classe Copa F300, com três pódios. E para dizer a verdade, nunca venceu qualquer corrida em monolugares.

Em suma, se formos ver bem, é uma carinha laroca. Mas não é por ser mulher que não dou credibilidade como piloto. Existem mulheres-piloto bem melhores do que ela, como a suiça Simona de Silvestro, a italiana Victoria Piria, a inglesa Alice Powell, a colombiana Tatiana Calderon ou a holandesa Beitske Visser. Acho que todas elas eram capazes de bater Jordá numa corrida com carros iguais, e acho que qualquer uma delas ficaria bem melhor no carro da Lotus como piloto de desenvolvimento e ter uma chance de pilotar este carro num treino livre de Grande Prémio.

E escolher "carinhas larocas" não ajudam à promoção das mulheres no automobilismo, bem pelo contrário. Até fico com a impressão de que a marca precisa do dinheiro que provavelmente trouxe com ela, ou que precisa de uma "pit-girl" que sabe guiar. E a Formula 1 não precisa disto para se promover. Mas como a Lotus precisa do dinheiro e de publicidade, ter a Carmen Jordá até pode ser um chamariz. Resta saber se ela sabe disso.

Sobre as politiquices brasileiras e os nomes dos autódromos

Os circuitos de automóveis devem ser batizados por um herói ou uma personalidade relevante para o automobilismo, essa é a minha opinião. Da mesma forma que um estádio de futebol deve ser batizado com o nome de um futebolista ou uma personalidade ligada ao desporto. Claro que ter um estádio de futebol com o nome de Sepp Blatter ou um autódromo com o nome de Bernie Ecclestone ou Jean Todt seriam politicamente incorretos, mas isso já é outra história.

Agora, o que não gosto e me lixa completamente é ver isso nomeado com o nome de um politico. Parece coisa de uma república das bananas algures em África ou na América Latina, como nos tempos do ditador Trujillo, da República Dominicana, que batizou tudo que era relevante, desde montanhas até edifícios com o seu nome. Até a capital se chamada de Cuidad Trujillo! Felizmente, depois de o matarem, as coisas voltaram à moralidade.

No Brasil, há três autódromos com o nome de Ayrton Senna. Sim, leram bem: três. Um em Londrina, outro em Goiânia e outro em Caruaru, em Pernambuco. Todos foram batizados nos anos seguintes após a sua morte, como aconteceu às muitas estradas, ruas, túneis algures pelo Brasil fora. É algo normal. Mas se acham que isso é esquisito, podemos dizer que Jacarépaguá e Brasilia tinham ambos o nome de... Autódromo Nelson Piquet. Pobre Emerson Fittipaldi, será que há kartódromos com o seu nome? 

Só que neste inicio de semana, surgiu a polémica: o governador do estado de Goiás, local onde se situa a cidade de Goiânia, decidiu mudar o nome do tricampeão do mundo (que curiosamente, nunca correu lá!) para dar o nome... a um ex-governador. Ainda por cima, o sujeito está vivo para ver a história. Marconi Perillio, o nome do sujeito, decidiu homenagear Ary Valadão, ex-governador e aliado politico dele. Como seria de esperar, a indignação surgiu forte e feio, e muitos apontaram como o exemplo de irresponsabilidade dos políticos. 

Já agora, de forma bem interessante, uma pesquisa rápida no Google ou na Wikipédia brasileira afirma que Valadão, atualmente com 93 anos, foi governador entre 1979 e 1983, ainda no tempo da ditadura militar. E nem foi eleito, bem pelo contrário: nomeado. E eles têm um nome para isso por lá: "governador biônico". Mas claro, Valadão converteu-se à democracia, e até foi deputado por outro estado, o Tocatins, que em 1990 se cindiu de Goiás.

Contudo, a polémica pode ter durado pouco mais de 24 horas. É que, como conta o Flávio Gomes no seu sitio, a Agetop, a Agência de Transportes e Obras de Goiás, afirmou que tal medida é ilegal, porque há uma lei - não se sabe se é local ou estadual - que proíbe o batismo de lugares públicos com o nome de pessoas ainda vivas. Curiosamente, Valadão têm o seu nome em vários sitios no seu estado, pois pode ser bem uma lei local.

Mas sobre Goiânia, há algo interessante: um circuito com 40 anos, recebeu o MotoGP entre 1987 e 1989, e já esteve para ser demolido no final da década passada porque os terrenos são valiosos para a construção civil. A ideia caiu, e no ano passado, começou até a haver uma remodelação do espaço por parte do governo estadual, para eventualmente receber o MotoGP. E quem sabe, mais coisas...

Enfim, serve a história para afirmar que estas coisas não duram para sempre. Durarão até que um politico qualquer decida que é altura de dar outro nome, como todo e qualquer capricho que os políticos têm. Haverá montanhas em Goiás? 

Gerard Ducarouge, visto por Maurice Hamilton

Não tem faltado por aí tributos escritos a Gerard Ducarouge, falecido esta terça-feira aos 73 anos. Um dos que mais gosto de ler é o jornalista britânico Maurice Hamilton, que tendo escrito para vários sítios como o Autosport ou o Grand Prix, e agora na ESPN americana. Hamilton mantêm um blog por lá e foi aí que escreveu o seu tributo a Ducarouge, lembrando da sua passagem pela Ligier, e 1979 e 1980, onde tinha um carro para lutar pelo título mundial, mas por algumas razões, que poderão ir desde o azar até à falta de profissionalismo, impediram que Jacques Lafitte tentasse uma verdadeira candidatura ao título mundial.

(...) Ducarouge será mais lembrado pelas ocasionais, mas gloriosas, inconsistências do seu trabalho. Em 1979, as equipes de Formula 1 terminou as duas primeiras corridas do ano totalmente convencidas de que os Ligier estavam num campeonato a parte após Jacques Laffite e Patrick Depailler terem completamente dominado na Argentina e no Brasil.

O impressionante chassis JS11 azul pálido era imensamente forte, Ducarouge ttinha descoberto a importância de seu carro ser capaz de sustentar as cargas criadas pela nova era efeito-solo. Então, lenta mas seguramente, a equipa totalmente francesa (exceto para o Cosworth V8) começou a perder o seu caminho. E o ponto era que Ducarouge não estava inteiramente certo por que isso estava acontecendo.

Rumores diziam que ele havia apontado todos os "setups" usados na América do Sul na parte de trás de um pacote de Gitanes - e que tinha perdido o pacote. O mais provável teve a ver com a decisão de mudar túneis de vento (por razões políticas) a meio da temporada e deficiências básicas, tais como a incapacidade para reconstruir o carro de Depailler - que se tinha despistado quando liderava na Bélgica - exatamente como estava antes.

Seja qual for a razão, a Ligier só levaria mais uma vitória nessa temporada, quando, por direito, eles devem ter ganho o campeonato. Uma nova versão, o JS15, tinha o mesmo potencial em 1980, com Didier Pironi (que havia substituído Depailler) a ganhar na Bélgica e ter feito a pole no Mônaco até o carro pulou da engrenagem e bateu na barreira. Pironi estava a liderar novamente na Espanha, só para ver uma roda dianteira a sair sem aviso prévio. Aflição óbvia de Ducarouge não foi ajudado por saber a próxima corrida seria... em casa da Ligier.

As cenas nas boxes em Paul Ricard naquele fim de semana eram algo para ser visto. Como se Ligier não tivesse pressão suficiente, alguma mente brilhante tinha decidido permitir que a Gitanes filmasse um anúncio com atores, luzes, câmeras e todos os apetrechos. Nos boxes. E no dia da corrida.

Ducarouge já estava num estado problemático. Com Laffite na pole-position, tinha acontecido um vazamento irreparável no depósito de combustível na noite anterior, forçando os mecânicos a trabalhar a maior parte da noite, mudando tudo para o carro reserva - que Jacques descobriu que era quase inguiável durante o 'warm-up', na manhã de corrida.

Em seguida, a equipa de filmagem mudou-se para as boxes e, para agravar a agitação de Ducarouge, um suporte de metal caiu sobre sua cabeça ordenadamente penteada. O cabelo que ainda tnha sobrado esteve perto de ser arrancado quando não só Ligier perdeu a liderança logo após o meio da corrida, mas também eles seriam batidos pelos britânicos, na forma da Williams Grand Prix Engineering.

A Williams piorou a situação dos carros azuis duas semanas depois em Brands Hatch. Pironi e Laffite iniciaram a corrida na linha da frente, distanciaram-se, só para ser problemas pelos seus novos, mas maiores rodas dianteiras, que tiveram rachaduras e que levam a furos catastróficos. E foi assim que a Ligier, em aparentemente no modo de auto-destruição, desperdiçava o seu potencial com falhas mecânicas ou brigas entre os seus pilotos. (...)

Com sabem, Ducarouge foi despedido a meio da temporada de 1981, depois de um inicio de temporada desastroso - tinham voltado aos Matra V12 - apesar de Jacques Lafitte ter lutado pelo título mundial contra Alain Prost, Carlos Reutemann e Nelson Piquet. Da maneira como as coisas aconteceram, não se ficarai admirado que ele tenha sido uma espécie de bode expiatório.

Como se sabe, ele não ficou muito tempo desempregado, já que a Alfa Romeo adquiriu os seus serviços. Os carros de 1982 e 1983, especialmente o 183T, eram bons desenhos... quando o motor colaborava, pois este era bem glutão. Contudo, uma polémica desclassificação de Andrea de Cesaris nos treinos do GP do Brasil levou ao despedimento de Ducarouge - mais uma vez, um bode expiatório conveniente - e a Lotus foi buscá-lo quase de imediato, eles que viviam uma crise grave após o subito desaparecimento de Colin Chapman

Para terem uma ideia, até ao GP da Grã-Bretanha, a Lotus tinha marcado... um ponto. E foi com o modelo 92 aspirado, guiado por Nigel Mansell.

"A marca do talento de Ducarouge tinha sido um aceno de aprovação de nada mais, nada menos do que Colin Chapman, o gênio por trás da Lotus. Ele tinha ficado impressionado com o seu trabalho com a equipa Matra-Simca no início de 1970. Ducarouge, acabado de completar a sua passagem pela Alfa Romeo  - onde era conhecido como 'Ducarosso' - foi escolhido por Peter Warr para se juntar à Lotus seis meses após a morte de Chapman em 1982. 

Sua primeira de muitas peças memoráveis de trabalho foi descartar o pesado Lotus 93T e, num tempo recorde de cinco semanas em Junho/Julho de 1983, a produzir o 94T, um carro elegante que Nigel Mansell levou, mais ou menos em linha reta para a uma empolgante quarta posição em Silverstone. Esse carro, na sua impressionante mistura de cores preta e dourada da JPS, viria a se tornar um modelo para o icónico 97T com o qual Ayrton Senna ganhou seu primeiro grande prémio, em Portugal, em 1985.

Ducarouge descreveu a si mesmo como "um homem com pressa, não acostumado a trabalhar em projetos de longo prazo", uma auto-avaliação que, na realidade, disfarçava uma abordagem metódica." (...)

Quaisquer que sejam os tributos que estejam a ser escritos para honrar Gerard Ducarouge, o mais interessante é saber a história de uma pessoa que foi ao mesmo tempo fascinante e marcante. Pelos carros que desenhou, pelo impacto que causou em toda uma geração de pilotos e engenheiros. E a sensação - que sempre tive, confesso - de que foi um engenheiro genial, embora algo subestimado perante outros génios seus contemporâneos como Gordon Murray ou John Barnard.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A foto do dia (IV)

Na semana em que Alain Prost faz 60 anos, mostro aqui o que, provavelmente, deve ser o momento mais baixo da sua carreira: a volta de aquecimento do GP de San Marino de 1991. Quando vi essa cena na televisão da minha casa, no alto dos meus 14 anos, não queria acreditar no que estava a ver. Sabia que Prost não era bom à chuva - que grande contraste em relação a Ayrton Senna - mas não pensava que fosse capaz de fazer uma humilhação daquelas. Humilhação por ser aquilo que era, humilhação por estar dentro de uma Ferrari, em terras italianas. Nem o pior dos pilotos que passaram pela Scuderia tinha feito uma coisa daquelas.

Alain Prost era um excelente piloto, mas como o Super-Homem tinha a kryptonite, o grande defeito do piloto francês era a chuva. E não se dava bem ao tudo: muitas vezes as suas incursões terminavam em batidas. Mas houve um que foi particularmente grave.

A coisa aconteceu no "warm up" do GP da Alemanha de 1982. O Ferrari de Didier Pironi fez o melhor tempo, mas naquela manhã estava a chover e num circuito com floresta à volta, a condensação do ar era pior do que o normal. O compatriota da Ferrari tentava ver no meio desse nevoeiro quando viu pela frente do Renault de Post, catapultando-o pelo ar, um acidente algo semelhante ao de Gilles Villeneuve, três meses antes. Pironi quebrou ambos os tornozelos e não só deitava fora a sua chance de título, como também terminava ali a sua carreira. Prost nada sofreu em termos físicos, mas aquilo foi um trauma que muitos o lembravam de vez em quando, especialmente quando tinha como arqui-rival um especialista na chuva.

Dois anos depois desta imagem, Prost estava na Williams conqustadora, do qual ainda não se sabia quando é que comemoraria o título. Mas depois da vitória em Kyalami, na jornada de abertura, as provas em Interlagos e Donington Park mostrarem essa vulnerabilidade. Na primeira corrida, perdeu o controle do seu carro quando uma súbita bátega de água o deixou a patinar em plena reta e a bater na Minardi de Christian Fittipaldi. Na segunda corrida, simplesmente foi superado por um Ayrton Senna "em dia sim" que numa só volta passou cinco carros e simplesmente se foi embora.

Mas o engraçado foi quando ele voltou a vencer. Foi em Imola, numa corrida que começou... à chuva. Era raro, mas o francês também sabia vencer nessas condições. Mas essa foi uma vitória pouco lembrada, especialmente depois de tantos deslizes...

A foto do dia (III)

Uma foto do chassis VMJ08 da Force India. Aparentemente, eles vão estrear o carro a partir de amanhã, em paragens catalãs, mais de um mês depois de terem apresentado... as cores que vão usar na temporada de 2015. As fotos foram metidas no Twitter oficial da marca, a @ForceIndiaF1.

Para que a marca apresente agora o seu carro e diga que o vai testar na última série de ensaios em Barcelona, a partir desta quinta-feira, é sinal de que Vijay Mallya deve ter desbloqueado algum do dinheiro que devia ao fornecedor do chassis que o construiu em regime de subcontratação. Afinal de contas, falava-se há coisa de um mês que havia dividas a rondar os 50 milhões de euros e por causa disso, a empresa decidiu reter o chassis dentro deles, até que as contas fossem saldadas.

Como sabem, a Force India não foi a Jerez, mas foi aos primeiros ensaios na pista catalã com o chassis do ano passado, certamente para dar quilometragem aos novos componentes. Mas resta saber quanto tempo é que foi perdido com estes problemas de "cash flow", e se isso irá prejudicar o organigrama dos testes até Melbourne. É que apesar dos ricos patronos - mas com sarilhos na sua terra natal - a Formula 1 é a competição onde se gasta mais dinheiro, e quando as equipas não se fazem concordar em termos de controle de custos, são as equipas médias as que pagam o preço.

Veremos como será a temporada deles, e se os problemas estão todos resolvidos. Eu creio que não. 

Vende-se: Simtek S951 de 1995

A Simtek foi sempre uma equipa do final do pelotão, mas o carro de 1995 até tinha sinais de ser um bom automóvel até que a marca se retirou de cena após o GP do Mónaco, quando o dinheiro acabou nos cofres da empresa. O que foi uma pena, depois de uma temporada difícil como foi o de 1994, onde Roland Ratzenberger teve o seu acidente mortal em Imola, Andrea Montermini quebrou os dois pés em Barcelona e Taki Inoue teve a sua estreia na categoria máxima do automobilismo.

Pois bem, o carro está à venda e é um exemplar guiado por Jos Verstappen, pai de Max Verstappen, em 1995. O preço de venda? 115 mil libras. Não é mau, considerando que é um chassis que anda numa competição que é o EuroBOSS, onde chassis de tempos antigos - Formula 1, CART, Formula 3000, entre ouros - adquiridos por milionários, ainda continuam em competição. Segundo o dono, a caixa de velocidades têm cerca de 200 milhas e o motor Ford HB é "fresco".

Se têm dinheiro acumulado por aí e sempre quis um Formula 1 de verdade... é esta a altura certa! 

A foto do dia (II)

A carreira na Endurance de Francois Cevért, que hoje estaria a comemorar o seu 71º aniversário natalício, está fortemente marcada pela aventura da Matra. Sendo francês, e uma das maiores esperanças do hexágono para um título mundial, teria sido convidado para ajudar nesse projeto quer pelo seu mentor, Jean-Luc Lagardére, quer pelo seu cunhado, Jean-Pierre Beltoise.

Como muitos faziam nessa altura, era paralelo às suas atividades na Formula 1, e naturalmente, as 24 Horas de Le Mans não eram excepção. Fora da Formula 1, o seu grande feito foi na Can-Am, onde venceu uma prova em Donnybroke, no Canadá, em 1972, mas uns tempos antes, estava a caminho de dar à Matra a sua primeira vitória em Le Mans. Mas aí, a sorte de uns transformou-se no azar dos outros, e "a fava" saiu ao jovem francês.

Naquele ano, com a proibição dos carros de 5 litros, sobraram os de 3 litros, onde Matra e Lola eram reis. Havia a Porsche, que reciclava os 908, mas as máquinas francesas eram as mais e melhor preparadas, pois tinham apoio do próprio governo francês. A equipa era poderosa: quatro carros, tres deles o novo modelo 670, com pilotos do calibre de Graham Hill, Henri Pescarolo, Jean-Pierre Beltoise e Chris Amon. Cevért correria com o neozelandês Howden Ganley, numa versão "cauda longa" do 670, e ambos eram suficientemente velozes para que, depois de uma noite dura, com chuva à mistura, estavam na frente da corrida, seguidos do outro Matra da dupla Hill-Pescarolo.

Tudo indicava que seriam os dois os vencedores da corrida. Aliás, a própria Matra tinha assinalado essa hierarquia, pois sempre garantia que teriam um piloto francês como vencedor. Mas numa manhã difícil (o acidente mortal de Jo Bonnier tinha acontecido poucas horas antes), todo o cuidado era pouco e por volta das onze da manhã, o carro numero 14 estava a caminho das boxes, com a traseira rebentada devido a um acidente com um Chevrolet Corvette de GT, já bem atrasado. O carro foi às boxes para fazer os devidos reparos e perdeu a liderança para Pescarolo e Hill, e eles acabaram por vencer, dando à Matra a primeira vitória francesa desde 1950, e a Graham Hill algo unico: vitórias em Indianápolis, Monaco (e os títulos mundiais) e na clássica de La Sarthe.

No ano seguinte, Cevért alinhou com o seu cunhado Beltoise - das poucas vezes que guiaram juntos - mas a aventura de ambos terminou após 157 voltas. Mal se sabia que iria ser a última vez por ali.

A foto do dia

Depois de três dias internado em observação, Fernando Alonso saiu esta tarde do hospital de Barcelona, onde esteve internado depois do acidente de domingo de manhã no circuito de Montemeló com o seu McLaren MP4-30.

Apesar de estar saudável, por precaução, ele não participará nos últimos testes de pré-temporada a realizar no mesmo local, a partir de amanhã. Quem fará os testes no seu lugar será o dinamarquês Kevin Magnussen.

As "teorias de conspiração" abundaram ao longo destes dias, e sobre elas, li hoje uma frase escrita pelo jornalista Joe Saward em que afirma que "a primeira regra de um Relações Públicas é não mentir". Até prova em contrário, quero acreditar que foi um golpe de vento que colocou Alonso KO após o embate no muro, porque de forma não oficial, há elementos na McLaren que juram que, pelo intercomunicador, ele já não estava bem nos momentos anteriores ao acidente. Uma coisa é certa: a FIA já veio a terreno que irá investigar o acidente.

Acho que o que interessa agora é que as pessoas descansem e que tudo seja visto de forma mais profunda possível e ver se continua a ser seguro guiar um carro de Formula 1 como este. É verdade que se fale que este é um carro inovador em muitos aspectos, mas creio que essas inovações não podem aparecer negligenciando a segurança. Veremos.

Noticias: Manor anuncia Will Stevens como seu piloto

A Manor-Marussia já afirmou que quer estar em Melbourne, apesar de lutar contra o relógio para ter um chassis pronto na Austrália, e anunciou hoje que o britânico Will Stevens estará num dos seus carros. O piloto de 23 anos, que correu pela Caterham na corrida de Abu Dhabi, será o primeiro piloto da equipa na temporada de 2015.

"É muito emocionante ver o enorme esforço que a Manor tem feito para salvar a equipa", começou por dizer Stevens. "Isto não teria sido possível sem o incrível apoio que temos recebido de todos dentro deste desporto, mas acima de tudo, desta equipa fantástica de pessoas na Manor que estão a trabalhar contra o relógio para garantir que estamos prontos para Melbourne. Quero agradecer à equipa pela confiança depositada em mim e mal posso esperar para ver todo o trabalho duro recompensado quando alinhar na grelha de partida, dentro de duas semanas", concluiu.

A noticia de Stevens dentro do carro da marca surge seis dias depois de terem abandonado a administração de insolvência, e cinco dias depois da Ferrari ter garantido que irá fornecer os seus motores à Manor. Com o anuncio de Stevens no carro, tudo indica que o carro poderá estar pronto para correr dentro de 18 dias em Melbourne, caso passe nos "crash test" obrigatórios da FIA.

Stevens, de 23 anos (nascido a 28 de junho de 1991 em Rochford, no Essex inglês), esteve nas últimas três temporadas na World Series by Renault, onde alcançou o quarto lugar na temporada de 2013. No ano passado, ao serviço da Strakka Racing, venceu duas corridas e foi o sexto classificado, enquanto que correu a última prova do ano, em Abu Dhabi, ao serviço da Caterham.

A entrevista a Gerard Ducarouge (parte 1)

Não sigo muitos sítios de automobilismo em francês, mas conhecia o "Memoires des Stands" em 2012, onde se colocava por lá as histórias sobre automobilismo de uma potência como a França. Entretanto, esse desapareceu e no seu lugar apareceu o "Classiques Courses", onde muito do espólio do blog anterior foi transferido para lá, efetivamente mantendo um precioso arquivo histórico sobre esses tempos idos, seja a Formula 1, a Endurance, os ralis, entre outros. Nessa altura, surgiu uma excelente entrevista feita a Gerard Ducarouge, do qual li atentamente e achei uma preciosidade, pois há muitos poucos testemunhos sobre ele e sobre a sua carreira.

O seu entrevistador, Jean-Paul Orjebin, foi até Yvelines para falar com o projetista já retirado, e ele discorreu sobre a sua longa carreira com mais de trinta anos, e passagens por Matra, Ligier, Alfa Romeo, Lotus e Larrousse. Na altura, com 70 anos e já retirado há quase vinte, Ducarouge tinha uma aura de ter passado por várias equipas e ter tido um papel central em desenhar carros que deram vitórias quer na Formula 1, quer na Endurance. Mas apesar de tudo, apenas conquistou um titulo mundial, e foi logo no inicio da sua carreira, quando o Matra MS80 se tornou campeão nas mãos de Jackie Stewart.

Tentando ser o mais fiel possível ao espirito da entrevista, decidi traduzir do original francês, pois acho que nem toda a gente sabe ler esta língua, e acho que deveria valer a pena que as pessoas conheçam isto. O original, caso queiram ler, está aqui, e quero agradecer ao Paul-Henri Cahier por ter mostrado isto na sua página do Facebook.

"Na pacata aldeia de Yvelines, o GPS me levou para uma casa à beira do campo. O ar é de uma quinta renovada. Bato a uma porta de madeira maciça, que se abre num sorriso de boas-vindas. 'Olá Jean-Paul', disse, sorrindo. 'É um dia especial, é a primeira vez que recebo um jornalista dentro de casa', acrescenta. 'Olá Sr. Ducarouge. Na realidade, eu não sou um jornalista.'"

Jean-Paul Orjebin (JPO) - Conte-nos o inicio da sua carreira.

Gerard Ducarouge (GD) - Comecei pela Nord Aviation, num centro de testes com equipamentos especiais, onde os bancos de ensaios existiam no subsolo. Faziamos  medições e monitorizações de vários parâmetros em sistemas de combustão ou de orientação, e confesso que não fazia muitas perguntas sobre o destino final dessas máquinas, eu só pensava na tecnologia. Na verdade, eu estava entediado até a morte, porque em geral, estamos sempre a repetir os mesmos testes, era um controle de qualidade do trabalho com muito pouca diversificação. Logo percebi que o que eu queria era trabalhar ao ar livre, então eu perguntei-lhes constantemente se me atribuíam um lugar no campo de tiro. Infelizmente, a resposta era sempre a mesma, e então eu tive que ser paciente.

Então um dia, eu encontrei um anúncio no 'L'Equipe' em que a Matra Sports procurava um técnico que falasse inglês, e senti imediatamente que isso me servia. Eu disse: "De corridas de automóveis não sei nada, mas o que é certo é que ele acontece ao ar livre e o que se mais faz é viajar."

Acabo por assinar um compromisso com a Matra no final de dezembro de 1965, a poucos quilômetros do centro de testes em Nord Aviation. Quem me recebe é Claude Le Guézec, que me recebeu em um pequeno escritório, que era uma espécie de quartel. Ele me perguntou se eu falava Inglês, então eu percebi que não queria saber muito sobre o que eu tinha feito antes. Eu tinha um Inglês acadêmico, mas estava muito disponível e o fato de vir de Nord Aviation tinha que ser do seu interesse. O contrato começou a 1 de Janeiro de 1966. Eu colocava muitas perguntas a mim mesmo, eu não sei muito sobre corridas, mas eu tive a chance de não ficar preso em escritórios, então eu estava muito feliz. E também, um carro de corrida ... é também uma máquina especial! (risos)

Eu estava num escritório de design inicialmente, sendo responsável pela seleção e compra de várias partes específicas, como candeeiros para os circuitos de óleo ou gasolina, principalmente a partir de partes do material de aviação, e como isso era mais facilmente encontrado na Inglaterra, eu estava fazendo viagens frequentes. Eu também estava fazendo desenhos uma prancheta e gostava de estar por lá, mas como eu não queria ficar permanentemente por trás dessa placa maldita, sempre fui voluntário para as viagens, que serviam para passar as noites a olhar para as peças que faltavam, eu estava sempre disponível.

Mais tarde, fui enviado para a BRM para supervisionar os motores que iriamos colocar nos protótipos. Saía de Bourne com um ou dois V8 de 2 litros na traseira de uma DS station wagon. Como isso ficava a norte de Londres, muitas vezes eu tinha de passar pelo centro de Londres - não havia ainda a circular M25 circular - e o trânsito era terrível.

Dentro da BRM, meu interlocutor era Wilkie Wilkinson, uma personagem incrivel, britânico até à medula, ex-piloto, mas especialmente um excelente mecânico, ele foi muito bom. Às vezes ele me convidava para a sua casa, e aí descobri a Inglaterra profunda, tão incrível e tão diferente da França! Estas atividades e esta ligação mais próxima com a BRM e dos carros, das oficinas de corrida, eu gostei muito, aprendi muito sobre corridas e apaixonei-me muito rápidamente por este mundo.

Eu comecei a mexer na oficina onde haviam algumas 'raposas velhas'. Eles trabalharam na F3, eu realmente não sei de onde eles vieram, talvez a partir de casa ou Gordini ou Bonnet, o que eu sei é que eles nem sempre foram muito amigáveis comigo. Eles lá saberão nas suas cabeças, quando um jovem que chega no seu quintal, eles tendem a ser muito cuidadosos. Ainda era o tempo em que se pensava que um jovem, para torná-lo apto, tinha de aprender "da maneira mais difícil".

Passei dias longos e também uma boa parte das minhas noites a observar. Eu adorava assistir os mecânicos trabalham nos seus Formula 3, mais quanto mais descobria, mais queria aprender. Estava feliz, pois estava fazendo algo que gostava. Tentava facilitar o seu trabalho sobre a instalação a bordo. Primeiro, na ponta dos pés, para oferecer idéias para otimizar certas coisas, e eles eram relutantes no início, mas depois, eventualmente, eles perguntam coisas. Então eu percebi que eu estava começando a fazer parte deles. Ao mesmo tempo, eu também sabia que eu não tinha o direito de fazer qualquer erro.

Nós estávamos em Velizy, perto do aeroporto de Villacoublay, ou seja, em frente a Breguet. Nós trabalhamos em um edifício que chamavamos de "Stalag", isso dá-te uma idéia da aparência das instalações e do seu conforto! Matra tinha uma bela fachada, mas o departamento de competição estava localizado num edifício em ruínas, de modo que, quando chovia forte, a água atravessava o telhado. Eu estava entre as caras que se destacavam, aprendia a toda a velocidade e comecei a participar dos testes, não na Formula 3 porque tinham equipes bem formadas, mas nos Protótipos, onde a equipa estava a começar. Eu estava esperando para fazer uma temporada completa, o que aconteceu em breve.

Começamos a experimentar, em geral, nas pistas de aviação, em Bretigny, em testes de linha reta. Nós nunca tocávamos no motor ou mexíamos muito pouco. O famoso Wilkinson, que era responsável pela operação da BRM, juntou-se para estes testes, mas mudou muito pouco nas configurações de fábrica, quanto muito, um ou dois cliques sobre o distribuidor, mas não mais. Estes testes foram feitos com Pesca [Henri Pescarolo], Beltoise, Jaussaud e Servoz [Johnny Servoz-Gavin]. Eu ouvia e aprendia mais a cada dia que passava no meu novo trabalho. Como você pode imaginar, eu não estava suficientemente maduro para me aventurar a fazer algumas sugestões para me afirmar. Dito isto, eu ainda era muito cuidadoso com o que eu dizia, porque havia grandes nomes em torno de mim que não deixavam respirar.

Eu quase sempre era bem visto junto dos meus superiores. Um dia, sem nenhum motivo em particular, fui convidado para almoçar em um famoso restaurante parisiense por Jean-Luc Lagardère e Mr. Floirat, de um qualquer comitê pequeno. Estávamos os três à mesa, eu estava enos meus pequenos sapatos - já não me recordo bem - escutei, eles foram gentis comigo, foi memorável, eu estava com duas grandes personalidades francesas e eu um modesto engenheiro! Privilégio raro, JL-Lagardère sempre a chamar-me de Gerard, com a óbvia exceção dos pilotos, eu não me recordo de ouvi-lo a ter o mesmo tratamento com os outros dentro do departamento de competição.

Eu poderia te dizer um milhão de vezes como o JL Lagardère foi uma personagem fantástica em todos os campos, pois ele sabia como motivar suas equipas como pessoa. É ele que deu um impulso a esta extraordinária aventura da Matra Sport. Uma historieta que tenho aconteceu em Velizy, em 1970, numa reunião na Matra Motores, somos chamados, Martin Boyer, A. Guézec e eu, com Jean-Luc no seu escritório. Ele falou imediatamente e em poucas palavras, que resumo aqui, nos disse_ "Olha, nós vamos parar de fazer Le Mans como nós estamos a fazer agora, vamos fazê-lo de forma muito, muito séria, temos de ganhar três vezes seguidas." Poucos minutos depois, estávamos no elevador todos os quatro a olhar para baixo, sem conversamos ainda muito, pois estávamos impressionados com a maneira como ele nos tinha dito. Ele sabia que uma marca não poderia fazer parte da história ao vencer apenas uma vez, tínhamos que ganhar três de seguida. O tom da mensagem que ele tinha passado foi de tal paixão que não sofreu qualquer comentário, nós simplesmente tínhamos que fazer de tudo para ganhar, e isso é tudo.

Nunca encontrei um condutor de homens como JL Lagardère, ele tinha o dom de passar todas as mensagens com um poder bastante excepcional, ele motivava-nos a todos.

JPO - Qual foi o momento mais emocionante na Matra?

GD - Houve muitos, as grandes vitórias em Le Mans e no Mundial de Endurance. Mas eu provavelmente vou te surpreender, quando te digo que aquilo que mais me marcou, foi quando me disseram: "Vamos fazer o Tour de France Auto com dois 650, e vais liderar a equipa". Eu pensava que era uma piada! Lá eu assumi a liderança! Aquilo não tinha muito a ver com a corrida como eu conhecia. Além de acompanhar as mudanças no M650 para acomodar o co-piloto, luzes adicionais, modificações no arrefecimento do motor e quaisquer novas proteções para este tipo de aventura, tivemos de organizar a logística com vários camiões de assistência. Cada equipa tinha o seu próprio roteiro que detalhava passo a passo o que tinha que fazer, quando e onde, quase ao minuto.

No caso da fiabilidade, tínhamos de reduzir as rotações do motor, mas ainda assim, era muito arriscado, felizmente, tivemos grandes pilotos e muito bons co-pilotos. Tudo tinha de ser verificado a cada passo, porque estávamos com medo de acidentes, isto era muito mais complexo do que um circuito convencional e mesmo depois de ver suspensão corretamente remontada, a distância ao solo ainda não era muito alta.

Eu teria que suportar velocidades loucas, era tudo perigoso, especialmente porque dormimos muito pouco, havia carros "voando" com o mínimo de ferramentas para solução de problemas de emergência entre dois pontos de apoio. Na chegada em Nice, estávamos tão cansados que tinhamos dificuldade em expressar o nosso grande prazer. Foi uma aventura incrível, nós ganhamos com carros que não foram projetados para rodar nas estradas e conseguimos vencer por dois anos consecutivos com nossos grandes pilotos e co-pilotos, e com uma equipe de apoio de sonho. O que é uma grande aventura!

JPO - Você lidava com a Matra F1?

GD - Não. Havia uma equipe de Formula 1 e uma equipe de Prototipos, cruzavamos, conversamos, mas era só isso. Eramos bastante compartimentados, Formula 1 e Prototipos, dizer que era... algo interessante.

Isso não me impedia de ter um olhar pessoal para ele. Por exemplo, quando eu olhei para o chassis da Formula 1 que o Amon usava, tinha dúvidas sobre a sua rigidez (e acho que não era o único), mas era subjetivo, era por causa de sua forma, nada mais. Na verdade, acabaram por ser feitas algumas alterações de forma muito visível e o desempenho do carro melhorou significativamente. Amon estava a fazer o seu melhor. Ele poderia ter vencido dois GP, pelo menos, com o chassis modificado. Dito isto, como eu amei o MS80, eu não gostava de todo o 120, eu achei que era desajeitado.

(continua amanhã)