domingo, 6 de maio de 2012

Gilles Villeneuve, visto por Nigel Roebuck (1º parte)

Há alguns dias, ainda no mês de abril, comprei um exemplar da revista britânica Motorsport, aquela que considero a melhor revista de automobilismo do mundo. É aquele tipo de revista que gostaria de fazer um dia, numa das novas plataformas da Internet, onde agora se pode colocar toda uma edição e se pode até ganhar algum dinheiro, desde que se possa arranjar a devida publicidade para viabilizar tal projeto.

Mas a razão porque gastei 10,50 euros por algo assim – nunca gastei tanto dinheiro por uma revista, confesso! – foi pela razão que se comemorou a vida e carreira de Gilles Villeneuve, que no próximo dia oito de maio se comemorará os 30 anos da sua morte, na pista belga de Zolder. E assim sendo, para começar, coloco aqui a coluna mensal escrita por um dos jornalistas que acompanharam Villeneuve no seu tempo, e eventualmente se tornou num dos seus amigos no “paddock”: Nigel Roebuck

O seu artigo é tão grande e tão extenso que achei por bem dividir isto em três partes, que publicarei entre domingo e terça-feira, para demonstrar as suas impressões sobre este piloto canadiano que deixou uma marca no automobilismo, e porque, após estes anos todos, continua a ter um lugar especial no coração dos "petrolheads", um pouco por todo o mundo.

O final de maio de 1981 foi um tempo muito ocupado para mim. No dia 24 de maio estava em Indianápolis para assistir às minhas primeiras 500 Milhas, e na noite a seguir estava a voar para casa, chegando na terça de manhã a Londres. 24 horas depois, estava de volta a Heathrow para um vôo em direção a Nice para o GP do Mónaco, que iria decorrer no domingo seguinte. Se era puxado para mim, imaginem para Mário Andretti, que estava a competir em ambos os eventos.

As pessoas hoje em dia custam a acreditar que, por muitos anos, era assim como Andretti governava a sua vida profissional. No final dos anos 60 e inicio dos anos 70, ele guiava em tudo que era corrida, em tudo que era carro, sempre que o calendário da Indycar permitia. E mesmo quando em meados dos anos 70 ele inverteu as suas prioridades, passando a focar-se na Formula 1, ia correr na Indycar sempre que podia. Aliás, a sua primeira corrida após ter vencido o seu título mundial, em setembro de 1978,  em Monza, foi uma corrida da Indycar em Trenton, ao serviço da Penske. E ganhou.

Por alturas da Indianápolis 500 – mas particularmente nos fins de semana da qualificação – Mário estava sempre a mercê de potenciais problemas, principalmewnte os relacionados com o boletim meteorológico. Em 1981 esteve na Speedway na primeira semana, mas choveu durante grande parte dela, logo não teve a oportunidade de fazer as suas voltas de qualificação. Para outro piloto qualquer, isso não tinha muita importância, pois havia uma segunda semana, que nesse ano, apesar das condições atmosféricas ameaçarem chuva, a pista esteve seca.

Mas para Mário isso foi um problema, porque nessa semana, estava em Zolder, a correr ao serviço da Alfa Romeo. Na sua ausência, Wally Dallenbach qualificou o seu Wildcat-Cosworth da Patrick Racing no 32º lugar, a última fila da grelha. Mário fez uma corrida fantástica, chegando ao fim na segunda posição, muito perto do Eagle vencedor de Bobby Unser, que guiava pela Penske. Contudo, quando abandonei o circuito nessa noite, circulavam rumores de que poderia haver um protesto contra Unser por este ter, alegadamente, ultrapassado vários carros sob bandeira amarela quando regressava à pista após uma paragem para reabastecimento. Para mim, nunca houve em ‘alegado’ infrigimento: tudo isso aconteceu à minha frente.

No dia seguinte, estava a meio de um vôo de Indianápolis para Washington, e o piloto anunciou para os passageiros a seguinte informação que Unser tinha sido penalizado por uma volta devido à transgressão, e por isso, Mário Andretti tinha sido declarado o vencedor da 65ª edição das 500 Milhas de Indianápolis. Aparentemente, toda a gente no avião ficou contente com o que tinha ouvido.

Porém, Roger Penske decidiu apelar da decisão, e 138 dias depois – não mais, não menos – a USAC, a United States Auto Club, decidiu dar razão ao apelo de Penske, voltando atrás na decisão de penalizar Unser e em vez disso, aplicou-lhe uma multa de 40 mil dólares. Até hoje, Andretti permanece amargo acerca dessa decisão.

Contudo, quando estávamos a ir para o Mónaco, naquela última semana de maio de 1981, Mário era todo sorrisos. Na quinta-feira de manhã, durante a primeira sessão de qualificação, quando passávamos pelas boxes da Ferrari, veio uma pequena figura a correr atrás de nós para o abraçar. Era Gilles Villeneuve, muito contente com o sucesso de Andretti. Quando recentemente perguntei ao Mário quais eram as suas memórias de Gilles, ele se lembrou daquele momento: ‘Quando penso nele agora, a primeira coisa que vem à minha cabeça é o seu sorriso…’

Eu alinho na ideia. Como Jody Scheckter disse certo dia, ‘Mais do que todos nós, Gilles estava apaixonado pelo automobilismo’, e isso via-se pela sua cara. Por muito mau que o carro pudesse estar naquele final de semana, o ambiente no paddock era verdadeiramente a sua casa. Villeneuve era um corredor no seu estado puro, uma categoria onde colocaria apenas Mário Andretti e Stirling Moss.

O maior corredor britânico de todos os tempos, que nunca venceu o campeonato do mundo, contou-me certo dia quando é que esse assunto não o preocupou tanto. Em 1955, 56 e 57, Moss ficou atrás de Fangio, e era algo que podia aceitar – para ele, Juan Manuel será o melhor piloto de sempre – mas em 1958 voltou a ser segundo, e desta vez perdeu para Mike Hawthorn, que ele não o considerava como o seu igual, quanto mais seu superior. Mais do que isso, ele venceu quatro Grandes Prémios, enquanto que Hawthorn venceu apenas um: se vencer não era considerado como o fator para ganhar o campeonato do mundo, talvez isso afinal não era assim tão importante. Afinal de contas, para Moss, vencer corridas tinha sido sempre o seu fator importante.

Com o passar dos anos, essa visão tornou-se cada vez menos importante – de facto, o campeonato do mundo no seu todo tornou-se importante, e muitas das vezes, o campeão do mundo não era o melhor piloto da temporada. Isso não importava: era o campeão que ficava registado nos anais da História e muitos não ganham relevância para além disso. Essa é uma visão que não subscrevo – aliás, pergunto-me como seria se em 1999, o McLaren de Mika Hakkinen tivesse tido algum tipo de problema em Suzuka e Eddie Irvine tivesse acabado como campeão do mundo pela Ferrari.

Quando penso nos meus anos na Formula 1, são as corridas em si, e não os campeonatos, que me vêm à baila, e é nas corridas – nos dias da corrida – que as lendas são moldadas. Se tirarem o romance do automobilismo, mais vale colecionar selos do correio.

Quando a Vanwall decidiu abandonar a competição, após a morte de Stuart Lewis-Evans em Casablanca, Moss podia obviamente escolher a equipa onde poderia correr, mas em vez de uma equipa de fábrica, mas em vez disso, decidiu correr pela Rob Walker Racing, uma equipa privada. Aqueles que o acharam louco não entendiam o seu pensamento: se vencesse o campeonato do mundo, era ótimo, mas acima de tudo, estava a fazer aquilo que mais gostava. Rob era um amigo de longa data – uma relação semelhante a de Ken Tyrrell e Jackie Stewart, que fizeram um acordo selado com um simples aperto de mão – e havia também o desejo mais ou menos secreto de ‘dar uma lição às equipas de fábrica’ batendo-os com um carro privado, ligeiramente obsoleto, simbolizando o talento do piloto. Afinal foi com Moss e a Rob Walker Racing que a Cooper [Argentina 1958] e a Lotus [Mónaco 1960] tiveram as suas primeiras vitórias como construtoras de chassis.

Se há alguém que não compreende a motivação de Moss, então também não haverá muitos que “compreendam” Gilles Villeneuve. Não me surpreenda que Moss adorasse a face corredora de Gilles, mas se olharem nas páginas mais adiante aos testemunhos dos que privaram com ele, irá ler as suas comparações a pilotos que não venceram “campeonatos do mundo”. Logo, a Stirling Moss.

Villeneuve, obviamente, deixou muito pouco para as estatísticas: 67 Grandes Prémios seis vitórias. E o mais interessante é que das suas quatro temporadas completas, apenas em uma – 1979 – ele teve aquilo que chamamos agora de ‘um carro competitivo’. E apesar de ter sido, indisputavelmente o melhor piloto da temporada, ele fez apenas duas pole-positions. Ferrari teve sempre um motor potente, mas nesses tempos, o seu grande ponto fraco era o seu chassis, e a sua aerodinâmica. Assim sendo, sobrava o ‘estilo Villeneuve’ de conduzir, e isso fazia suster a nossa respiração.

As pessoas dizem-me que sou maluco porque ando sempre de lado’ dizia Gilles. ‘Jesus Cristo, um piloto da Ferrari que não anda de lado nestes últimos anos não deveria ser piloto de corridas! Posso honestamente dizer que nunca ‘engasguei’ durante a minha carreira, e estou orgulhoso disso. Mesmo andando no décimo lugar num mau carro, ainda se pode divertir – mas não se estiveres a ‘engasgar’. Alguns dos que andam por aí… sinceramente, nem sei como é que lhes pagam no final do mês

Para ele, era uma questão de orgulho, e isso definia-o. Um dia em Silverstone, debaixo de chuva, com os testes interrompidos, sentamo-nos na pequena motorhome da Ferrari e falamos sobre aquilo que fazia Villeneuve correr. ‘Primeiro que tudo, eu não necessito ser campeão do mundo – não da maneira como [Didier] Pironi quer. Para tipos como ele, o campeonato era a motivação que os fazia correr – era como escalar a montanha para quando chegar ao topo, espetar a bandeira com o seu nome e já está.

'Se algum dia o vencer, excelente, não o vou renegar! Mas existem tantos maus pilotos por aí que foram campeões, e no entanto, Ronnie Peterson nunca o foi. Portanto… o que isso significa verdadeiramente? O que quero realmernte é ser o melhor, e não tens de ir a Paris para ir buscar um troféu no final da época – tens de saber que consegues guiar um carro mais velozmente do que a concorrência. Talvez esteja errado, mas esse é o meu sentimento, e sou muito feliz com isso…

Pessoas que acham Villeneuve como alguém demasiado bravo, demasiado louco, não querem, ou nunca quiseram saber sobre as razões pelo qual ele decidiu correr, porque eles nunca foram capazes de o entender. Se os acidentes acontecessem, isso seria porque era alguém que estava sempre no limite, forçando carros mais lentos ou maius medíocres a irem acompanhando o seu ritmo mais velozmente do que desejariam.

Outros murmuram que ele tinha desejo de morrer, mas enquanto penso nos pilotos que pudessem ter esse tipo de desejo, nunca coloco Gilles nessa categoria. Se existia alguém que amava a vida acima de tudo, era ele. ‘Tudo o que ele fazia’ – disse Patrick Tambay – ‘fazia-o a 320 km/hora. E gozava cada segundo’…

Amanhã coloco a segunda parte. 

1 comentário:

Ron Groo disse...

Eis outro que merecia um filme...