quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

5ª Coluna: A vitória de Senna e o fim de Barrichello

E por fim, esta terça-feira terminou a novela "Bruno Senna - Rubens Barrichello" pelo segundo lugar na equipa Williams-Renault. Já se sabia desde a semana passada que Adrian Sutil estava de fora desta briga devido ao fato de não ter uma carteira tão recheada como tinha o piloto brasileiro, e a Williams precisar de dinheiro como de pão para a boca. E como desde a semana passada que o seu grande financiador, Eilke Batista, ter dito que o lugar era do sobrinho do Ayrton, bastava esperar pela assinatura do contrato, o que aconteceu na véspera, com o anuncio oficial a ser feito no dia seguinte. E claro, esse anuncio significou que Rubens Barrichello ficaria de fora da Formula 1 pela primeira vez desde 1993. 

O jornalista Adam Cooper contava nesta terça-feira, horas depois da confirmação de Bruno Senna na Williams, que tivera uma conversa com Ron Dennis em 2008, no Mónaco, momentos depois de Bruno Senna ter ganho ali a sua corrida de GP2. Perguntou-lhe qual era a sensação de ver de novo aquele nome na lista de vencedores, ao que o então patrão da McLaren respondeu à sua maneira que a GP2 não tinha pilotos suficientemente bons para aquela categoria.

Tirando os devidos exageros do "Tio Ron", não deixo de dar razão naquilo que ele fala. Não embarco na euforia de muitos desconhecidos ou pseudo-sabichões, que exageram ao dizer que Bruno é a encarnação do tio. Não é, não foi e nunca será. Que vai ter a sua chance na Formula 1, vai, e isso temos de aplaudir por isso, porque conseguiu convencer pessoas a abrirem a carteira e apoiar a sua carreira na Formula 1, ainda por cima na equipa onde o seu tio correu nos seus últimos dias, em 1994. Contudo, tenho pena que seja à custa de correr com um veterano como Rubens Barrichello.

Mas bem vistas as coisas, é isso que a Formula 1 se tornou hoje em dia: uma elite do qual centenas querem ir, e do qual apenas quatro ou cinco são capazes de entrar. É um "clube de piranhas", do qual nem uma carteira bem recheada os salva, nem o fato de serem pilotos competentes os salvam. Rubens Barrichello faz agora companhia a Jaime Alguersuari, Adrian Sutil, Sebastien Buemi, Nick Heidfeld, pilotos que por terem sido razoáveis em 2011, vão ficar de fora em 2012 por mais diversas razões. É o preço a pagar por ter uma competição que está há muito tempo balizada em apenas 24 carros, e para que uma equipa entre por lá, precisa de ter uma carteira bem recheada em todos os aspectos. Agradeçam a Bernie Ecclestone pelo apetite e por este balizamento elitista. E pela falta de alternativas válidas para os jovens, claro.

Para Bruno Senna, é um sonho concretizado, correr numa das equipas mais emblemáticas da Formula 1. Mas a sensação que tenho e provavelmente de muita gente é que a Williams é a Tyrrell do século XXI, uma velha equipa que vive na sua glória passada e que escorregou para decadência lenta, mas inexorável. Contudo, com um novo motor Renault e um novo chassis, parece que têm hipóteses de melhoria e dois pilotos jovens e capazes, como são Senna e o venezuelano Pastor Maldonado, pode ser que ajudem a colocar a equipa um pouco mais acima. Mas ambos os pilotos chegam lá por um motivo: dinheiro. E sobre a maneira como ele lá chegou, diz o Daniel Médici no seu brilhante blog, Cadernos do Automobilismo:

"O financiamento da vaga de Bruno Senna parece mais relacionado a outras iniciativas recentes do exterior: Alex Yoong, Narain Karthikeyan/Karun Chandhok, Vitaly Petrov, Ho Pi Tung e tantos outros. Todos estes partem de um projeto de desenvolvimento mais ou menos claro de seus países, capitaneados pelos Estados ou por suas elites - respectivamente, Malásia, Índia, Rússia, China. 


O que o empresariado brasileiro fez com Senna é uma prática mais ou menos consolidada entre tigres asiáticos e Brics, portanto. Estranho que, dos países supracitados, nenhum deles tenha a sombra da tradição automobilística nacional. Talvez por isso estes tenham adotado uma estratégia comercial articulada para colocar um piloto local no cenário nacional muito antes do Brasil pensar em adotar tal recurso. 


 Por outro lado, uma vez que estamos nos vendo, pela primeira vez, na obrigação de copiar outros emergentes, seria o caso de nos perguntarmos: será que o talento já não é mais condição suficiente para se encontrar uma vaga na Fórmula 1? Ou será que não há mais brasileiros com currículo suficiente por aí?" 

Disse há duas semanas que Barrichello era um teimoso, que jogava todas as suas fichas sempre na Formula 1, como se fosse uma obsessão. Vi a sua entrevista na semana passada a Peter Windsor, e apensar dos elogios que toda a gente fez ao veterano piloto brasileiro, à medida em que o ouvia, entendia pelas suas palavras que queria quase desesperadamente por mais uma oportunidade, mais temporada na Formula 1, que queria fazer os vinte anos na categoria máxima do automobilismo, e nem existiria um "Plano B". Deveria ter existido, na minha opinião. Deveria ter saído pelo seu próprio pé e pensar em correr na Indy ou na novata WEC, a bordo de um carro oficial. Mas não. São as mentalidades do nosso tempo, que não foi capaz de ver o automobilismo fora da caixa que é a Formula 1. E temo que Rubens fique com frustração por causa disso. Não deveria, deveria ver que fez 19 anos ao mais alto nível, uma carreira ímpar.

Andei nos últimos dois dias a ler a blogosfera em terras tupiniquins. De uma certa forma, elogiam a carreira de Barrichello, mas não deixam de apontar os seus defeitos, não tanto pelo fato de não ter vencido o Mundial, mas sim de não ter sabído sair a tempo. Alguns disseram que não passará de um "Patrese do século XXI", com direito a um apêndice no livro da História da Formula 1. Menosprezá-lo é perigoso, porque eu acho que é muito mais do que isso. Mas o brasileiro comum gosta disso. Querem exemplos?

Começo pelo Leandro Verde, que tem uma passagem no seu post que fala precisamente da psique que o brasileiro tem para o Rubens: "Caramba, Verde, quanto clichê, quanto argumento batido. Barrichello, para mim, ainda é um símbolo do fracasso, da derrota, da submissão, daquele Brasil que abaixa a cabeça para o dominador estrangeiro. Um pé de chinelo, como apontava aquele antigo programa global. Pois é. Acho engraçado quem observa as coisas desta maneira. Acho engraçado ver brasileiros que observam as coisas desta maneira." Como disse há duas semanas, o brasileiro nunca lhe perdoará a sua atitude no GP da Austria 2002. Queriam um segundo Didier Pironi, que ele dissesse um sonoro "vá tomar no c*" para  que o mundo inteiro visse e  tiveram em troca um "empregado do mês".

Outro post que li nestes dois últimos dias foi a da Serena. Estrangeira em terras tupiniquins, nada melhor do que ser observadora da realidade que tem de lidar todos os dias. Conta na conversa que teve com um odontólogo (dentista) que lhe tinha dito que Barrichello deveria ter ido embora pelo seu próprio pé para dar lugar aos mais novos. Quando ela soube do desenlaçe, escreveu em espanhol: "Irónicamente aquí vienen nuevamente las palabras de Vittor, quien fue mi ortodoncista, con la acotación ademas, de que aquellas visitas al odontólogo, esas de las que tanto huimos, para mí terminaron siendo 30 minutos agradables, que gracias a la F1 hicieron romper el hielo y la tensión que nos causa la visita a la consulta. Vittor, te doy toda la razón, pena que Barrichello no se retiró a tiempo, no recibió su merecido homenaje y fiesta de despedida. Porque 323 grandes premios es una vida dedicada, merecía salir por la puerta grande y como los grandes."

Lamento colocar travão na euforia ou participar no cortejo daqueles que comemoram o fim de Rubinho, mas digo o seguinte disto tudo: nem Bruno Senna é a encarnação do tio, nem Rubens Barrichello merecia a despedida que teve. Mas a Formula 1 é um clube de piranhas, do qual tem de se lutar todos os dias para se manter à tona. E para o Rubens, faço minhas as palavras que o Rodrigo Mattar, no seu blog A Mil Por Hora, aconselhou a Rubens Barrichello: "Se ele se der ao trabalho de fazer um exame de consciência, não tem absolutamente nada do que reclamar do que fez no automobilismo. E se for preciso, erguer a cabeça, olhar para a frente, agradecer pelos 19 anos vividos na Fórmula 1, que lhe deram dinheiro, fama, dois filhos e um casamento sólido, e vislumbrar no horizonte um novo caminho em sua vida de piloto. 

Rubens tem algumas boas opções para continuar competindo até os 50 anos, se quiser, e ainda se divertir e ser feliz. 


Vai, Barrichello, vai ser gauche na vida.

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